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28/06/2022 às 07:10

Venezuelanos em Cuiabá: a fuga da fome e do desemprego, em busca de vida digna

A Casa do Migrante acolhe, atualmente, 74 deles; mas dezenas de outros buscam outras formas de atendimento na capital de Mato Grosso

Priscila Mendes

Venezuelanos em Cuiabá: a fuga da fome e do desemprego, em busca de vida digna

Foto: Priscila Mendes / Leiagora

A pátria, o país onde nasceu e cresceu, nem sempre é o melhor lugar para se viver. O casal de venezuelanos Eulio Medina, 37 anos, e Liliana Valderrama Segóvia, 30 anos, deixou há alguns meses a Venezuela, com quatro filhos, para tentar uma vida com o mínimo: comer todos os dias, um lugar para morar, emprego.

Quando Eulio e Liliana vieram para o Brasil, a filha mais nova tinha apenas um mês de idade. Hoje, a pequena já tem um ano, dos quais cerca de um mês em Cuiabá. Além dela, há outras duas meninas, uma de três anos e outra de nove, e um menino de 11 anos.

Cuiabá está na rota das capitais brasileiras que mais recebem imigrantes, principalmente da América Latina. Com a profunda crise política, econômica e social que a Venezuela vem enfrentando desde 2014, cerca de 260 mil venezuelanos vieram para o Brasil, entrando principalmente por Roraima - gerando um crescimento populacional repentino e sobrecarregando os serviços públicos.

Em 2018, o governo federal, em parceria com a ONU e mais de 40 organizações da sociedade civil, lançou a Operação Acolhida, com o objetivo de distribuir os refugiados venezuelanos para outros estados brasileiros. Quando a operação foi encerrada em 2021, mais de 66 mil venezuelanos haviam sido acolhidos, distribuídos em 788 municípios.

Segundo Eulio, na Venezuela “falta emprego, falta segurança, o salário não permite fazer um mercado, as coisas são muito difíceis, não tem saúde, nos hospitais não se consegue remédio”, explica em entrevista ao Leiagora. Ele registra que “acá vienen inmigrantes buscando la ayuda, una salida para estabilizarse y buscar una vida mejor”. 


Sábado (25) foi o Dia Nacional do Imigrante. A migração é, para a história da humanidade, o maior fenômeno de mobilidade - responsável pela constituição das nações - apesar de todo preconceito que o estrangeiro sofre.

Mesmo após a Operação Acolhida, a demanda segue crescendo, novos grupos chegam e as cidades não absorvem toda a demanda - especialmente de emprego, ainda mais considerando que o Brasil também passa por uma crise econômica e social - decorrente também da crise sanitária.

Não há números exatos de quantos venezuelanos vivem em Cuiabá, até porque há outros grupos chegando - muitas vezes acolhidos por pessoas que aqui vivem ou equipes informais de atendimento. Mas, no Centro de Pastoral para Migrantes (conhecido como Casa do Migrante), organização filantrópica católica referência no acolhimento de refugiados, há 74 deles: número superior que a capacidade do local, que é de 60 pessoas.



A Casa do Migrante, nestes 42 anos de existência, recebeu estrangeiros de várias nacionalidades, sempre em condição de vulnerabilidade. Houve a fase da grande demanda de haitianos - que já foi absorvida - e, agora, em condição rara, está lotada com pessoas de um mesmo país. São 25 crianças, cinco adolescentes e 44 adultos, geralmente distribuídos em famílias.

Dentre os 74, há 19 indígenas waraos, dentre os quais, a família de Eulio e Liliana, que veio de Tucupita, capital do estado Delta Amacuro. A preocupação do casal é principalmente com os filhos, pela oportunidade de eles estudarem.

Liliana nunca estudou, é dona de casa e quer um futuro melhor para os pequenos. O sonho dela é “ter uma casa com os filhos, que eles estudem e possam seguir adiante e que eu possa ajudar minha família”. Ela sente falta do pai, da mãe e das irmãs, que ficaram na Venezuela, mas sempre fala com eles por telefone e se sente grata por estar em um lugar que os acolheu e que lá, no país de origem, todos estão bem.

Resignada, comenta a alegria de ver uma das filhas já estudando em Cuiabá, principalmente por se inserir, por fazer amizades. “Eles [os filhos] estão contentes, a outra segue em grupo para sua escola e vai e volta contente”, comenta ao Leiagora, e completa: “ella está consiguiendo muchas amiguitas”.

Eulio trabalhava como segurança em Tucupita e busca seguir na mesma profissão em Cuiabá. Enquanto não consegue, já arranjou um trabalho de servente de pedreiro, por diária.

Neste momento, estão sendo atendidos pela Casa do Migrante com relação à documentação para atuação no Brasil e encaminhamento para empregos. Mas o maior desafio é alcançar um salário suficiente para pagar aluguel, contas fixas como energia elétrica e água e alimentação digna para uma família de seis pessoas.

“Na verdade, estou bastante grato, pois nós chegamos aqui na casa de apoio e nos sentimos muito bem, graças às pessoas que aqui trabalham, são muito boa gente. A ideia é partirmos o mais rapidamente que possamos, basta que eu consiga um bom emprego, um bom trabalho, um teto para nossos filhos e sair daqui de cabeça erguida”, conclui Eulio.

Ana Rondón, de 69 anos, está abrigada na Casa do Migrante, junto com o filho Frank, há alguns dias. Chegou a Mato Grosso depois de passar por Roraima, Santa Catarina - onde Frank havia conseguido um emprego -, Rio Grande do Sul, Tocantins, Pará, Mato Grosso, São Paulo, Distrito Federal e, por fim, voltou para cá. 

Ela veio para o Brasil, em 2019, acompanhando o filho militar que está em asilo político, “pela necessidade que há lá no país”, comenta ao Leiagora. “Yo no tapo el sol con un dedo”, arremata.

A venezuelana deixou tudo no país de origem, inclusive os outros filhos, para proteger o filho em terras tupiniquins. “Eu vim atrás dele. Ele disse: ‘mãe, emigrar não é bom’. Mas eu disse: ‘não importa, eu vou emigrar contigo’”. Ana confessa que viveu no Brasil “fortes tribulações, mas também [situações] boas” e reforçou a gratidão a todos que a acolheram: “conheci também pessoas muito boas, muito sociais”.

A Casa do Migrante

O Centro de Pastoral para Migrantes é uma casa de passagem - acolhe estrangeiros por tempo determinado e presta serviços para que eles sejam inseridos socialmente e no mercado de trabalho. A instituição é filantrópica e mantida pela Congregação dos Missionários de São Carlos, entidade católica nacional que segue os preceitos do beato João Batista Scalabrini, que atuou, entre o fim do século 19 e o início do século 20, em defesa dos migrantes.



Tais instituições, conhecidas como carlistas ou escalabrianas, têm como patrono o santo Carlos Borromeu e seguem o versículo bíblico “Eu era estrangeiro e me acolhestes” (Mateus, capítulo 25,versículo 35).

A proposta de acolhimento segue o que o padre Valdecir Mayer Molinari, diretor da Casa do Migrante, chama de carisma - palavra católica que se refere a dom divino. E a proposta é respeitar a grande capacidade humana de se deslocar, de atravessar. “O trabalho com migrantes é também uma missão da igreja [...] que é justamente um olhar dentro da sociedade onde está presente alguma vulnerabilidade”, explicou o padre.

Scalabrini, o beato que deu início a tal atendimento pela Igreja Católica, defendia que “para o migrante, a Pátria é a terra que lhe dá o pão", pensamento gravado na parede da instituição, logo na entrada. Padre Valdecir explica que o objetivo de tal carisma é atender a quatro verbos: acolher, proteger, integrar e promover, sem os quais os migrantes não têm condições de verdadeiramente se inserir na sociedade do país onde chegaram.

A unidade cuiabana não recebe recursos públicos formalmente e, apesar de receber algumas doações, aguarda parceria com a Prefeitura de Cuiabá, que já foi solicitada. “A gente sempre consegue alguma ajuda, mas não com convênio direto. Agora que a gente está buscando”, contextualiza a coordenadora de projetos da Casa do Migrante, Arlete Benitez.

Atualmente, o local tem 16 quartos, divididos por sexo. Considerando que a maior parte dos migrantes vem com a família toda, a ideia é construir dormitórios para separar por famílias.

Os acolhidos recebem as refeições diárias, serviço de documentação brasileira, capacitação ou cursos profissionalizantes e encaminhamento para vagas de emprego. Quando conseguem junto ao Serviço da Pastoral para Migrantes (SPM) - entidade nacional, repassam uma bolsa de R$ 500 para ajudar famílias no custo com aluguel.

A proposta é que os migrantes usufruam da casa por cerca de 45 dias - tempo estimado para recolocação no mercado de trabalho, mas acontece de ficarem por dois ou três meses.

Para contribuir com a renda, o Centro de Pastoral está montando uma padaria comunitária, cuja produção é feita pelos próprios acolhidos que têm tal habilidade. Os produtos atendem demanda interna e são vendidos para as comunidades atendidas pela Paróquia Divino Espírito Santo. “Essas famílias nos ajudam comprando pão, roscas…”, exemplifica.

Se puder, doe!

A maior demanda da casa de passagem é justamente dinheiro. Apesar de muitas pessoas se solidarizarem com alimentos não perecíveis ou roupas, a necessidade é para pagamento de funcionários, bem como ajudas de quem começa a vida aqui em Cuiabá, como a quitação de aluguéis iniciais. Quem quiser doar pode enviar qualquer valor pelo pix cpmigrante@gmail.com.
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