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27/04/2023 às 15:03

Mito: Ciclo menstrual de mulheres que convivem não sincroniza

Estudo publicado há mais de 50 anos levantou a hipótese, nunca comprovada de fato (apesar de amplamente aceita pela sociedade), de que os ciclos ficariam parecidos por conta de hormônios

Do G1

Mito: Ciclo menstrual de mulheres que convivem não sincroniza

Foto: Pexels

Muitas mulheres, provavelmente, já tiveram a experiência de ficar menstruada ao mesmo tempo em que uma amiga. Na verdade, o que parece ser algum tipo de sabedoria da Mãe Natureza ou uma ligação secreta entre amigas nada mais é do que coincidência.

Contexto: A ideia surgiu a partir de uma pesquisa feita em 1971, quando a pesquisadora norte-americana Martha McClintock supôs que os ciclos menstruais de mulheres sincronizariam quando há bastante convivência, por causa da influência dos feromônios. (Entenda mais abaixo.)

Motivos: A bióloga Mari Krüger explica que, na verdade, quem conta com esse tipo de mecanismo são os animais, e que o cérebro humano busca por coincidências e coisas que reincidem.

"Fixamos em algo que nos é dito de forma repetitiva e em padrões. Por isso, é fácil acreditar em fake news também", afirma.

"São muitos dias e muitas mulheres com quem a gente convive. Então, em algum momento, matematicamente, isso vai coincidir", Mari Krüger, bióloga e divulgadora científica

Edson Ferreira, médico assistente da Divisão de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) explica que, nos seres humanos, os feromônios têm um impacto menor porque a própria sexualidade humana é multifatorial, uma vez que o sexo não serve somente para procriação.

"Não somos seres meramente químicos. Tem toda uma situação contextual e sensorial envolvida", diz.

Mari Krüger também ressalta que muitas pessoas tendem a acreditar nisso por parecer ser o "natural", mas esse é um argumento que não é válido.

"Dentro da nossa espécie o que é natural não faz mais sentido. Exemplo: o incesto é algo normal dentro da realidade dos animais. Mas, entre humanos, é antiético e moralmente condenável, além de gerar anomalias genéticas. O que é normal varia de espécie para espécie", explica.

Comunicação entre animais

Os feromônios não funcionam na nossa espécie como funcionam em outras. De acordo com Yago Stephano, professor de biologia e divulgador científico, eles atuam de maneira semelhante à comunicação verbal humana, mas são percebidos por outros sentidos, já que é um "cheiro" detectado pelo inconsciente.

"É algo que sinaliza coisas como: 'ali tem comida, estão atacando minha colônia, precisamos combater um inimigo'", Yago Stephano, professor de biologia.

Ele diz que esses componentes químicos secretados são liberados de diversas formas, variando conforme o tipo de animal. Na grande maioria dos casos, os animais só conseguem se comunicar com indivíduos da mesma espécie.

A hipótese mais provável que se tem hoje em dia a respeito da interação de feromônios entre a espécie humana é na relação mãe e filho. Um estudo publicado na revista científica American Psychologycal Association sugere que as fêmeas de mamíferos desenvolveram mamilos que são capazes de atrair seus recém-nascidos.

A liberação de estímulos químicos, como os feromônios, faz com que os bebês instintivamente saibam por onde obter a nutrição de que precisam para sobreviver.

O que diz a medicina

Mais do que cravar se isso é ou não possível, é preciso ir além e pensar qual seria a possível razão para a biologia humana evoluir a ponto de permitir essa influência entre mulheres.

"Precisamos pensar o porquê a natureza gostaria que todas as mulheres menstruassem juntas. E não é só o sangramento, porque, se elas estão menstruando juntas, significa que estão ovulando juntas", reflete Alessandro Scapinelli, ginecologista especialista em ginecologia endócrina.

O médico afirma que é muito difícil confirmar resultados tomando como base análises fisiológicas, ou seja, análises que buscam desvendar o funcionamento do organismo como um todo.

Hoje em dia, é bastante comum que mulheres optem por bloquear a menstruação ou que têm um ciclo artificial, regido pelo uso de métodos contraceptivos hormonais (neste segundo caso, a menstruação ocorre pela privação do uso hormonal e não pelo próprio tempo do organismo).

Ferreira diz que são muitas as variáveis envolvidas a cada ciclo feminino e que a duração pode é afetada por diversos fatores.

"Existem tantas influências nesse eixo que a mulher não vai ter seus ciclos com uma duração exata. Se o próprio ciclo individual não é previsível matematicamente, imagine umas influenciando as outras para acontecer em sincronia?", Edson Ferreira, médico assistente da Divisão de Ginecologia do Hospital das Clínicas da USP

Além disso, de acordo com Scapinelli, fatores como alimentação, sono e estresse modificam o ciclo de cada mulher, o que dificulta ainda mais a realização de uma pesquisa sobre o tema, já que as condições individuais de cada uma não são homogêneas.

"A medicina tem muitos gaps, nem tudo a gente sabe ou estuda porque há muitos conflitos de interesses com a indústria farmacêutica, que investe no que pode trazer lucro posterior para ela", Alessandro Scapinelli, ginecologista especialista em ginecologia endócrina.

O surgimento do mito

Em 1971, a pesquisadora Martha McClintock avaliou ciclos menstruais de 135 mulheres para observar as datas das menstruações entre aquelas que tinha uma convivência mais intensa e outras que se encontravam esporadicamente.

Ela acabou descobrindo que a data de início da menstruação era mais próxima entre amigas e colegas de quarto do que entre pares aleatórios de mulheres. Para justificar o achado, a hipótese levantada por Martha era a de que as mulheres trocavam feromônios entre si.

Isso contribuiria para a diversidade biológica da prole e eliminaria a fantasia de um harém, uma vez que, se todas as mulheres estivessem férteis ao mesmo tempo, eram menores as chances de que um único homem pudesse engravidar todas.

O contexto da descoberta de Martha era o da Segunda Onda do feminismo, quando milhares de mulheres na Europa e nos Estados Unidos ingressaram no mercado de trabalho após as duas guerras mundiais. Assim, a ideia de que a biologia teria seus próprios meios de corroborar com uma perspectiva feminista era bastante atrativa, o que provavelmente ajudou a popularizar essa teoria.

Hipótese sedutora

No entanto, outros estudos reforçaram o quanto essa hipótese é fraca. O mais recente deles é uma revisão dos estudos anteriores, feita em 2015 e publicada na plataforma de pesquisas acadêmicas ResearchGate. Os autores ressaltam que, apesar de não haver evidências para apoiar a existência do fenômeno, isso é amplamente aceito socialmente, já que a "hipótese é sedutora".

"Poderia ser a prova da alta empatia nos grupos de mulheres, uma conexão com os ciclos lunares. Portanto, uma possível conexão astral, ou a prova de uma comunicação indescritível entre mulheres", concluem os pesquisadores.

Outro, publicado revista científica PubMed, foi feito em 2006 e analisou a questão em duas etapas.

A primeira delas consistiu em coletar dados de 186 mulheres chinesas que viviam em dormitórios compartilhados por mais de um ano, e a segunda foi a revisão do estudo de McClintock, o primeiro reportando a sincronicidade menstrual.

"Descobrimos que a sincronia do grupo naquele estudo estava no nível do acaso", diz a conclusão da pesquisa.

Um terceiro, realizado em 1993 na Universidade do Novo México, EUA, e publicado na revista científica Science, analisou 29 casais de mulheres lésbicas que moravam juntas.

As pesquisadoras concluíram que "não há evidências sólidas de que a sincronia menstrual seja um atributo estável das populações humanas passadas ou contemporâneas".

Isto é, por mais tentador que seja acreditar que as mulheres possuem uma conexão entre si, nada foi comprovado pela ciência. Pelo menos, por enquanto.
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