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26/07/2020 às 17:03

Pandemia afeta soberania alimentar e evidencia falta de assistência aos quilombolas em MT

Lideranças acreditam ainda que a subnotificação de casos de covid-19 também seja uma realidade desta população, que contabiliza três mortes

Maria Clara Cabral

Pandemia afeta soberania alimentar e evidencia falta de assistência aos quilombolas em MT

Foto: Secom-MT

Afastados das estruturas que o meio urbano dispõe e com dificuldades para escoar a produção da agricultura familiar durante a pandemia da covid-19, comunidades quilombolas enfrentam dificuldades em Mato Grosso, já que a maioria sobrevive do pequeno comércio.

“Isso acaba gerando outro tipo de pandemia, que não é a desse vírus invisível. Mas uma pandemia da soberania alimentar, o que garante economia e renda nas áreas quilombolas”, afirma Laura Ferreira da Silva, 42, moradora do Ribeirão da Mutuca, comunidade que compõe o território de Mata Cavalo.

Laura é representante da Associação da Comunidade Negra Rural do Quilombo Ribeirão da Mutuca (Acorquirim) e membro Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conarq-MT) no estado. Ela explica que, com o isolamento social, que não é novidade nesses territórios, as comunidades vêm enfrentando ainda a subnotificação de casos do coronavírus.  

“O meio urbano a gente sabe que tem recursos; o meio rural, onde está a maior parte da população quilombola, não tem”, complementa. “São problemas que já enfrentávamos antes, mas que, com a pandemia, se tornaram cruciais”, atesta.

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Segundo Laura, a Conarq reconhece 134 comunidades quilombolas em Mato Grosso, sendo 80 certificadas pela Fundação Palmares. Trata-se de uma população de aproximadamente 5 mil pessoas.

Ela explica que a maioria é dona de seu próprio negócio, produz para subsistência e vende o excedente. Sem poder circular essa produção, perdem poder de compra, ficam escassos de recursos para necessidades pontuais, como produtos de higiene, EPIs e até mesmo alimentos que não são produzidos localmente.

“As pessoas também não podem sair e buscar outras rendas, até porque muitos moram distantes da cidade. E não estamos só no entorno da capital, mas espalhadas pelos municípios, o que muitas vezes dificulta até mesmo o acesso à informação nas comunidades”.

A liderança ainda aponta a crise como resultado da carência de políticas públicas abrangentes e permanentes para os quilombolas por parte dos municípios e estado. “O auxilio emergencial, por exemplo, que seria um pontapé nesse momento, não contempla todos os quilombolas que, mesmo quando conseguem o recurso, tem dificuldade de acesso à internet e quando vê o dinheiro já sumiu”.

Por hora, as comunidades contam com auxílios pontuais por parte de ONGs, que ajudam na arrecadação de EPIs. No combate à vulnerabilidade no meio urbano, no entanto, as comunidades quilombolas fazem sua parte. Uma parceria com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), por exemplo, possibilitou que a produção excedente chegasse às famílias carentes. “A Fase vinha, comprava os produtos e redistribuía”, explica Laura.

A reivindicação é que o Estado assuma a responsabilidade pela assistência e passe a construir políticas efetivas.

“Enquanto isso, cobramos do governo, em reuniões com a secretaria de assistência social, para que olhem para nós quilombolas, uma vez que estamos inclusos no grupo de vulnerabilidade no estado. Cestas básicas destinadas pela pasta aos municípios, mas não chegam na base, nas comunidades que estão na ponta”.


Acesso à saúde e subnotificação

A morte de uma liderança por covid-19, Zozimo Magalhães, 69, do Quilombo Mata Cavalo de Cima, umas das maiores comunidades quilombolas de Mato Grosso, vem alertando a população rural para a necessidade de prevenção ao vírus que avança no estado.

Segundo Laura, o óbito não é reconhecido como em Mata Cavalo pela Secretaria de do Estado de Saúde (SES), já que Zozimo faleceu em um hospital de Várzea Grande. “Estamos lidando com um estado excludente e tentando combater a subnotificação dos dados, que também não abrangem todo o território”, afirma.

Desde o primeiro caso do novo coronavírus, em maio, foram registrados 10 contaminações e três mortes de quilombolas – estas, nas cidades de Várzea Grande e Nossa Senhora do Livramento.

As informações são da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que realiza o monitoramento dos casos de covid-19 no país. Laura é uma das mobilizadoras da região Centro-Oeste. “Temos um grupo onde repassamos o levantamento realizado com lideranças”.

Laura acredita que mais quilombolas estejam infectados e, por isso, pede a testagem nessas localidades, que só é feita em casos de internação.

“A nossa grande atuação agora é na prevenção em áreas quilombolas, incluindo aquelas que ainda não tem casos, pois vemos que as barreiras sanitárias estão acontecendo no meio urbano, mas no meio rural estamos totalmente desassistidos nessa questão”.

Outro problema é que, para ter acesso à saúde, principalmente neste período de pandemia, a população quilombola precisa se deslocar de seus territórios para as cidades. Sem transporte público, quem não tem carro, conta com a solidariedade dos vizinhos.

“Nós dependemos totalmente dos recursos dos municípios. As comunidades não dispõem de unidade de atendimento específicos para quilombolas; a maioria conta apenas com um agente de saúde, que não está chegando nas comunidades”.

Insegurança alimentar

Segundo a Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (SEAF), um Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) destinará recursos federais a estados e municípios para a aquisição e doação de alimentos da agricultura familiar. Mato Grosso já tem autorizado pelo Ministério da Cidadania um total de R$ 3.795.000,00 para a execução da segunda etapa do programa.

“O programa possui duas metas: o fortalecimento da Agricultura Familiar com o aquecimento na venda dos produtos e o enfrentamento de situações de vulnerabilidade com o atendimento de famílias e entidades sem fins lucrativos, em situação de insegurança alimentar e nutricional”, informou a SEAF.

Conforme a pasta, entre os critérios estabelecidos para distribuição dos recursos está o atendimento prioritário dos municípios mais vulneráveis, comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas, entre outros Grupos Populacionais Tradicionais Específicos (GPTE), classificados pelo Sistema Mapeamento da Insegurança Alimentar e Nutricional (MAPAINSAN) com índice médio, alto e muito alto de vulnerabilidade.

Desse modo, parte dos recursos devem ser atendidos os 28 municípios que possuem indígenas, quilombolas e extrativistas em situação de insegurança alimentar e nutricional.

O levantamento realizado pelo MAPAINSAN identificou comunidades quilombolas em Chapada dos Guimarães, em situação de alta vulnerabilidade, Poconé e Vila Bela da Santíssima Trindade, em média vulnerabilidade.

Sobre políticas e ações destinadas a população quilombola, especialmente no período de pandemia, o Governo do Estado e Mato Grosso não respondeu aos questionamentos apresentados pela reportagem até o fechamento desta matéria.

A assessoria de imprensa da Secretaria do Estado de Assistência Social (Setas) afirmou que realiza ações pontuais e a demora de atendimento à demanda pela Secretaria Adjunta de Direitos Humanos se deu, inclusive, devido a um atendimento em comunidade quilombola.

A Secretaria do Estado de Saúde (SES) também não informou se existe uma estratégia de atendimento e monitoramento dos casos de covid-19 nessas populações.
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