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05/09/2020 às 14:59

Padre denuncia tortura aos indígenas bolivianos e organizações cobram investigação

As mortes de quatro chiquitanos pela polícia de Mato Grosso abalaram a comunidade San José de la Frontera, onde cerca de 70 famílias vivem da caça

Maria Clara Cabral

Padre denuncia tortura aos indígenas bolivianos e organizações cobram investigação

Fronteira Cáceres/San Matias

Foto: Aloir Pacini/Cimi

Pablo Pedraza Chore, Ezequiel Lopes Pedraza, Yona Pedraza Tosube e Arsino Sumbre Garcia foram mortos em uma área de fazenda, em Cáceres, há uma distancia de 2 km da comunidade de indígenas chiquitanos San José de la Frontera, em San Matias (Bolívia), cidade de fronteira, onde viviam e caçavam para alimentar as famílias. 

Os cachorros voltaram para casa sem seus donos e deram o alerta. As famílias foram procurar e não os encontram. Parentes que estavam em Cáceres foram reconhecer os corpos, devolvidos à comunidade a meia noite do dia seguinte, depois de muitas dificuldades em conseguir os caixões e o translado.

Após mais de 20 dias das mortes, com causas não esclarecidas, ainda há manchas de sangue onde os indforam mortos baleados. Próximo ao local, onde estava a ceva que as vítimas iriam caçar, há sinais de sangue e uma árvore cravejada de balas do pé à copa.


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Ceva que as vítimas iriam caçar e árvore cravejada. Foto: Aloir Pacini/Cimi

“Vimos foto dos cadáveres. Eles foram torturados de uma forma muito cruel. Tinham perna e clavícula quebradas, rosto deformado e corpo com várias escoriações, possivelmente foram arrastados”, denuncia o padre Aloir Pacini, membro do nota do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e antropólogo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). 
 
Ele esteve na comunidade na última quarta-feira (2), junto a um grupo de representantes do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de Mato Grosso (CDDPH-MT), do Centro Burnier Fé e Justiça, Forum de Direitos Humanos e da Terra (FDHT-MT), do Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Bienneés, da Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT).
 
Conforme informações da Perícia Oficial e Identificaçao Técnica (Politec), Pablo e Arsino foram atingidos por três tiros cada um, Ezequiel levou quatro e Yona cinco tiros. A perícia, no entanto, descartou sinais de tortura nos corpos. Outras informações sobre as mortes constarão no laudo da necrópsia, que ainda está sendo finalizado pelo médico responsável.

O Grupo Especial de Fronteira (Gefron), por sua vez, informou que as vítimas foram baleadas durante um conflito em operação contra o tráfico de drogas na fronteira e chegaram a ser levadas ao Hospital Regional de Cáceres, mas não resistiram aos ferimentos. Disse ainda, por meio de nota, que não recebeu denúncia formal de autoridades bolivianas em relação à abordagem realizada e “se coloca à disposição das autoridades da Bolívia para tratar o assunto com a seriedade que o caso requer”.


Não se sabe ainda se todos foram mortos naquele local da caça ou na viagem para Cáceres. Mas, diante dos indícios de tortura, Aloir Pacini acredita que os policiais do Gefron os confundiram os indígenas com traficantes e, sem confissão, decidiu matá-los. “Eram três horas da tarde, não havia motivo para conflito. Se tivesse conflito, os policiais também poderiam estar feridos”.

Ainda conforme a Politec, apenas as armas dos bolivianos foram entregues para fazer exames de eficiência e caracterização. Em nota, as organizações sociais exigem correta apuração da morte dos chiquitanos.

“Estando lá, ficou muito claro para mim, eles foram mortos inocentemente. Quem trabalha com índio sabe que eles não escondem as coisas. Se os que foram mortos tivessem envolvimento com tráfico, a gente saberia. A comunidade saberia”, afirma Aloir.


Pablo, Ezequiel, Yona e Arsino foram enterrados um ao lado do outro. Foto: Aloir Pacini/Cimi

O Gefron também informou à imprensa que, contra Yona, há uma passagem pela polícia brasileira por receptação e falsidade ideológica. A comunidade, no entanto, garante que eles não eram criminosos. “Toda uma comunidade falando a mesma coisa, 70 famílias confirmando que eles não mexiam com droga”, afirma Aloir.

A atuação policial, conforme o grupo, teria sido resultado de denúncia recebida pelo Núcleo de Inteligência de que haveria indivíduos armados transportando drogas na região da BR-070, em território brasileiro.

Armas e munições que teriam sido encontradas com os chiquitanos foram apreendidas e encaminhadas para a Delegacia Especial de Fronteira (Defron), que conduz o inquérito. Além das armas, o Grucon informou que apreendeu 12 munições intactas no calibre 22, sete munições deflagradas de calibre 38, quatro munições intactas no calibre 38 e dois cartuchos deflagrados de cartuchos.

“Durante o patrulhamento rural, a equipe encontrou vários suspeitos em região de mata portando arma de fogo, sendo três revólveres e uma pistola. O boletim de ocorrência [registrado pelos policiais] descreve que os suspeitos desobedeceram a ordem policial e atiraram contra os agentes, que reagiram no mesmo nível de força”, informou em nota.


Armamento atribuído ao caso pela polícia. Foto: Gefron

“Após o confronto, o Gefron localizou quatro homens feridos e armados, e visualizou aproximadamente nove pessoas retornando em direção a Bolívia, carregando nos ombros sacos conhecidos como sendo os utilizados por mulas para transporte de entorpecentes”, diz outro trecho.

Aloir, no entanto, reafirma que, de acordo com a comunidade, os quatro estavam caçando. “Eles estavam com espingardas para caçar, matar porco do mato”.

O missionário ficou sabendo do acontecimento, datado em 11 de agosto, uma semana depois, por grupos com bolivianos que ele acompanha remotamente pela internet. “A própria comunidade nos acionou e fomos mostrar solidariedade”.

Na comunidade San José de la Frontera, vivem 70 famílias que sobrevivem da caça. Segundo Aloir, um deles só era solteiro e tinha 18 anos, os outros eram pais de família e os quatro caçavam juntos com freqüência. “Eles eram amigos, foram enterrados um do lado do outro”.

Durante a visita na aldeia, foram feitas orações onde os chiquitanos teriam sido torturados e mortos e também no local de sepultamento. Aloir conta que foram entregues cestas básicas para auxilio emergencial das famílias afetadas pelas e mortes.

Foto: Aloir Pacini/Cimi

“Foi muito bom para a comunidade, estavam querendo ser ouvidos. Encontramos uma comunidade muito sofrida. Muitas manifestações pelo sustento dos filhos dos que foram mortos”, destaca Aloir.

Para ele, o episódio, que vem sendo caracterizado por movimentos sociais como uma nova chacina em território brasileiro, vem crescendo diante da sensação de impunidade que encontra aval de discursos do governo federal.

“Nós vivemos em um país, hoje, muito complicado. Depois que o Bolsonaro assumiu o poder, é como se diz, primeiro atira depois pergunta por quê. Estamos vendo um crescente no aumento da violência contra os chiquetanos e outros povos indígenas no país, não temos hoje uma cultura de cuidado”.

O caso está sendo investigado pela Defron. A Secretaria de Estado de Segurança Pública de Mato Grosso (Sesp-MT) afirma que diligências foram realizadas, bem como diversas oitivas e depoimentos tomados.

“A Sesp-MT aguarda a conclusão do inquérito para tomar providências, caso seja apontada irregularidade na conduta dos policiais”.
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