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05/06/2020 às 11:44

Ensaios por videochamada são tendência entre fotógrafas em isolamento

Alternativa incentiva conexão entre profissionais que usam a criatividade para superar limitações técnicas e geram engajamento nas redes

Maria Clara Cabral

Ensaios por videochamada são tendência entre fotógrafas em isolamento

Holly por Gracille Galvão

Foto: Gracielle Galvão

“No começo da carreira eu achava que não dava para ser fotógrafa tendo uma câmera semiprofissional. Quatro anos depois, cá estou fotografando por videochamada com qualidade zero”, escreveu a cuiabana Gracielle Galvão em sua primeira exibição da ‘nova técnica’, em seu Instagram.

Não é novidade que muitas profissões, incluindo as linguagens artísticas, estão tendo que adaptar ferramentas de trabalho ao contexto de pandemia; e na fotografia não é diferente. Por hora, as lentes das máquinas fotográficas estão sendo substituídas pela câmera frontal de celular, conectada a um aplicativo de videochamada online. Os cliques agora são prints; e o estúdio ideal e seguro se torna o mais caseiro possível.

A possibilidade chegou a Gracielle, que reside em São Paulo, pela experiência de fotógrafos de diferentes regiões do país e do mundo, que ela acompanha nas redes sociais. “Não me via fazendo. Depois de um mês de isolamento, sem fotografar e vendo as previsões de retorno cada vez mais pra frente, foi a primeira coisa que pensei para aliviar o estresse”, conta.

O primeiro ensaio foi com Holly, maquiadora de Cuiabá que ela acabara de conhecer pela rede social. “Uma fashionista pronta. A gente fez uma videochamada para eu ver como era a casa dela, vi vários cenários, imaginei coisas que poder fazer e fomos escolher que as peças. A maquiagem ficou a critério dela e eu dei uns pitacos na roupa”, conta Graci, que também é estudante de moda e sempre atenta a tendências.

O lenço de oncinha, amarrado no pulso, foi o elemento escolhido como diferencial. “Viramos para o sentido dá luz, escolhemos um cenário meio pronto para que ela não precisasse se movimentar muito. Pedi pra ela sentar pra facilitar manipular o celular”.

A segunda experiência foi com a amiga Izabela de Deus, Miss Cuiabá 2018, em isolamento em Lisboa, Portugal. A ideia partiu inclusive do engajamento da modelo com o resultado do primeiro ensaio. “Me senti fotógrafa de moda de novo”, afirma Gracielle.

Iza de Deus, por Gracielle Galvão

Estratégia de engajamento

Já a ideia de Vitória Molina partiu de seus seguidores nas redes sociais, enquanto a fotógrafa, também de Cuiabá, buscava uma forma de movimentar seu perfil profissional no Instagram durante isolamento. “Comecei a colocar perguntas nos meusstories sobre o que eles gostariam de ver de conteúdo. O que a maioria falou sobre esse ensaio por videochamada”, conta.

Desde as primeiras pesquisas, a jovem já fez seis ensaios através do que chama de “desafios” lançados aos seguidores. “O primeiro foi uma caixinha de mensagem com a pergunta ‘porque você me segue?’ e escolhi as duas melhores respostas. No segundo, elas tinham que printar o meu perfil e postar no stories, marcando a minha arroba para serem sorteadas. O terceiro também foi um sorteio em formato clássico ‘marque três amigos, curta a publicação e siga a página’”.

...e incentivo

O que começou como uma estratégia de divulgação, no entanto, acabou se tornando uma possibilidade real de manter o exercício da fotografia, além de incentivar o distanciamento social em prevenção e contenção a Covid-19. O ofício da fotografia, para Vitória, também tem uma premissa social que se fortalece em tempos de pandemia.

“Acho que estamos vivendo um momento muito difícil da história. Então eu espero que isso esteja sendo um incentivo para as pessoas não saírem e casa e as distraindo de possíveis problemas, aumentando a autoestima de quem tá ali em casa se vendo todos os dias da mesma forma.

Por isso, a estrutura e acessibilidade dos ensaios é uma preocupação da fotógrafa. “Para fazer um ensaio assim, você precisa de um celular e uma internet boa, o que nem todo mundo tem. Esse pode ser o meu maior desafio, não poder proporcionar isso para todo mundo por agora”.

Holly por Vitória Molina

Holly, que foi fotografada por Gracielle e Vitória, conta que os dois ensaios foram fáceis; uma, pelo profissionalismo, e outra,também pela intimidade.

“O ensaio com a Graci foi o primeiro, meu e dela, mas a gente conseguiu se comunicar e ela expôs super bem como imaginava as imagens. O ensaio com a Vitória foi bem fácil também, porque somos amigas e ela já me fotografou outras vezes. Já conhecíamos o estilo uma da outra e sabíamos o que dava certo ou não”, relata. “Nos dois ensaios eu tive ajuda para segurar o celular, o que ajudou bastante, acho que se fosse só eu teria sido bem difícil”, complementa.

Também para a modelo, os ensaios por videochamada tornaram-se alternativas para divulgação de seu trabalho. “Normalmente eu não faço imagens minhas pro meu perfil de maquiagem. Eu maquio outras meninas e fotografo elas eu mesma. Com o isolamento, as coisas ficaram mais difíceis. Não é fácil trabalhar luz, angulação, qualidade de fotografia e closes, tudo sozinha.

Holly posa para ensaios fotográficos com frequência há três anos, ganhando habilidade para “se dirigir” e contribuir com o processo de criação dos fotógrafos. Assim, a experiência também possibilitou maior liberdade de criação como modelo e maquiadora. “Isso é muito importante para mim, porque escolhi roupa, cabelo, maquiagem, conceito, cenário”.

Foto de Vítoria Molina

Desafios técnicos (barreiras?)

Vitória Molina afirma que a experiência tem sido rica para o exercício de sua criatividade justamente por ser um desafio. Gracielle Galvão explica que, ao contrário do que pode parecer, esse tipo de ensaio dá mais trabalho que o convencional.

“Você tenta falar e pela internet as vezes a informação não chega direito. E eu tô acostumada a pegar a modelo pelo braço para orientar”, explica Gracielle. “Não é a mesma coisa, eu não tô lá para dirigir a pessoa pessoalmente. O ângulo as vezes não fica como eu queria.É difícil fazer isso só pelo áudio, então as vezes até imito mais as poses pelo vídeo.”, endossa Vitória.

Holly concorda com as fotógrafas. “Acho que uma das maiores dificuldades desse ensaio é a distância. Se as coisas não são muito fluidas entre a modelo e fotógrafa, pode ser um pouco complicado”.

Além disso, as imagens capturadas em videochamada ainda não possuem nitidez ideal para divulgar suas maquiagens. Por outro lado, Holly destaca que, apesar dos desafios técnicos, as barreiras geográficas são superadas e, consequentemente, a possibilidade de modelar para diferentes fotógrafos é ainda maior.

“Esses dias vi um ensaio via videochamada de uma escritora de Nova Zelândia, feita por um fotógrafo aqui do Brasil, coisa que em tempos normais não aconteceriam né? Eu e a Graci provavelmente não teríamos feito esse ensaio em tempos normais. Espero que no mundo pós pandemia as pessoas continuem experimentando e criando coisas diferentes”.

Foto de Vitória Molina

Estética e recursos

O FaceTime ou a opção de vídeo do WhatsApp tem sido as plataformas mais usadas por Vitória Molina para realizar as fotos por videochamada, também de Cuiabá. “Tentei usar outros aplicativos, mas não deu muito certo”. Graciele se adaptou melhor ao Zoom.

As duas fotógrafas estão realizando o tratamento e edição das imagens pelo próprio celular. "Useu o Lightroom e nem passei as imagens para o computador. Numa sentada eu editei todas, escolhi as que eu mais gostava, formatei na minha estética e no mesmo dia já publiquei”.

Já Vitória lança mão do editor do próprio Instagram e VSCO, redes sociais onde as fotos são publicadas. “Procuro dar um ar mais diferente, meio granulado e mais despojada. Aumento bastante a nitidez também”, revela. Ambas optaram pela montagem de fotos como opção de estética para os ensaios por vídeo chamada.

As limitações técnicas, no entanto, não limitam o resultado. O conceito e a estética não se tornam necessariamente padrão nesse tipo de fotografia, que Holly afirma ser muito diferente de uma selfie com o celular, por exemplo. No fim, o olhar continua sendo o diferencial no exercício da fotografia.

"A visão das fotógrafas tem muita diferença. Os ensaios tiveram resultados distintos, ambos lindos demais. As vezes uma coisa simples tipo a angulação do celular, dá um efeito completamente diferente e as fotógrafas sacam isso muito bem", reforça a modelo.

Foto: Holly por Gracille Galvão
Mercado e tendência

Alivio criativo das fotógrafas durante isolamento, os ensaios por videochamada estão se tornando uma tendência. Gracielle Galvão, que tenta fechar um ensaio por videochamada para uma marca de São Paulo, conta que a demanda ainda não é uma realidade no mercado e acontece de forma experimental.

Gracielle é formada em publicidade e saiu do marketing para seguir o caminho da fotografa na época do boom de blogs de moda. Com a ideia de se especializar no assunto e o objetivo de produzir conteúdo para marcas, a jovem foi trabalhar como assistente de fotografia em Paris, partindo para São Paulo tentar carreira dois meses depois.

Hoje a fotógrafa trabalha com editoriais de moda e já conseguiu contribuições para a Vogue Itália. O novo coronavírus (Covid-19) colocou em suspensão alguns de seus planos, pegando de surpresa ela e muita gente que trabalha no setor; mas diante das novas vivências com a tecnologia, as perspectivas da jovem são otimistas.

“Com a pandemia, as pessoas fecharam as portas, muitos clientes estão parados. Mas sinto que as marcas, pelo menos as que eu trabalho, muito dispostas às mudanças de um próximo cenário. Acho que é só uma questão de tempo mesmo para a gente ser adaptar".
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