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Notícias / Entrevista da Semana

26/05/2024 às 08:07

ENTREVISTA DA SEMANA

La Niña chegará em Mato Grosso trazendo tempestades no Nortão

Fenômeno também causa temperaturas amenas, porém as ondas de calor não vão parar

Jardel P. Arruda

La Niña chegará em Mato Grosso trazendo tempestades no Nortão

Foto: Reprodução

Após um ano cheio de ondas de calor e poucas chuvas, Mato Grosso começa a se despedir do El Niño para recepcionar compulsoriamente o fenômeno climático inverso: La Niña. Na prática, isso vai significar mais dias com temperaturas amenas e uma maior média de chuvas.

Mas não se engane. Isso não significa que o Pantanal estará livre da seca, que as chuvas serão uniformemente distribuídas ou que estamos livres das ondas de calor - que se tornaram corriqueiras de 2023 até o início de 2024.

Ao invés disso, o Nortão de Mato Grosso pode sofrer com tempestades, a seca pode ser ainda mais severa no Pantanal e as ondas de calor vão continuar. Aliás, o Planeta Terra entrou no 11º mês consecutivo com recordes de temperaturas desde a entrada na Era Industrial.

Esses são efeitos das mudanças climáticas, que já se tornaram uma realidade. E quem fala sobre isso com o Leiagora é a meteorologista Ana Paula Paes, doutora em eletricidade atmosférica pelo INPE, especialista em eventos climáticos extremos, que já esteve em Cuiabá em 2023 para participar do I Painel Mato Grosso sobre o Clima e é consultora da Energisa para este tema.


Leiagora - Ano passado começamos a passar por um período de El Niño e esse ano entramos no La Niña. É comum essa troca de guarda entre os fenômenos ou normalmente existe um meio termo, um ano sem nenhum dos dois fenômenos? 

Ana Paula - Não é que seja normal, mas o comum é a gente passar por um ano de neutralidade, que é nem um evento, nem outro. Nem La Niña, nem El Niño. Só que esse ano a gente deve passar por uma mudança bem rápida de um para o outro. Não é tão comum, mas já aconteceu.  E aí a gente tá entrando agora no período de neutralidade, vamos passar uns dois, três meses nele. E aí em meados de Agosto a previsão é de que a gente já esteja entrando no La Niña. 


Leiagora - No El Niño a gente enfrentou aquela seca prolongada. Demoraram a começar as chuvas aqui em Mato Grosso. Com o La Niña, o que que muda em Mato Grosso?

Ana Paula - No La Niña deve acontecer o final oposto. Na região central do país, não é tão claro, mas ainda assim a gente consegue ver que a chuva deve ficar um pouco acima da média. Que é o contrário do El Niño, que deixou as chuvas abaixo da média. Agora a gente tem uma tendência de que a chuva seja acima da média.

Só que assim, tanto La Niña quanto El niño são fenômenos que ocorrem lá no Pacífico Equatorial. E aí ele tem um tempo de resposta na atmosfera, então assim como é o El Niño começou e a gente foi sentir uns três meses depois que ele já tinha iniciado, que a gente começou a sentir os efeitos, assim também deve ser no La Niña. Então ele inicia em meados de agosto, setembro, agora de 2024, e a gente só vai começar a sentir os efeitos dele lá para o final do ano final de 2024, início de 2025. Aí sim a gente deve ter chuvas acima da média. Os modelos que estão apontando tipo Acima da Média para o estado do Mato Grosso. 


Leiagora - E quanto às temperaturas?

Ana Paula - E aí uma uma diferença dele também é que geralmente no El Niño a gente tem temperaturas muito elevadas. Já no La Niña a tendência é o oposto, a gente deve ter as temperaturas mais amenas. 

Só que vale ressaltar, como você sabe, é um período muito oportuno para falarmos sobre isso, já que a gente sente muito claramente a influência das mudanças climáticas. 

Então apesar de que em ano de La Niña as temperaturas ficam mais amenas, ainda assim a gente está passando por um aquecimento global, uma fase de aquecimento global, então é muito provável que as temperaturas se amenizem um pouco, mas ainda assim elas vão ficar acima da média. Então ainda assim é possível termos algumas ondas de calor no segundo semestre [de 2024]. 


Leiagora - E o La Ninã ele vai alongar então por todo 2025?

Ana Paula - A previsão é de que ele fique pelo menos até o início de 2025. Por enquanto né? A gente não consegue ver um período tão longo, mas o máximo dele, o pico, deve ser no final do ano [2024] e aí no início de 2025 ele deve começar a reduzir a intensidade. Mas, ainda assim, a gente vai ver os efeitos no clima.


Leiagora - Ano passado, durante o painel climático em que você esteve presente aqui, você chamou atenção para que, com o El Niño, teríamos um grande volume de chuvas em um curto período de tempo, ao invés das chuvas por um período prolongado. Inclusive, você citou alguns locais de Mato Grosso onde isso aconteceria, como a Região Oeste, na cidade de Cáceres. A previsão se confirmou, inclusive houveram inundações em Cáceres e Porto Esperidião, município vizinho, também ao lado do Rio Paraguai. A sociedade precisa ter mais atenção a esse tipo de previsões para se preparar melhor ao que vai acontecer?

Ana Paula - Sim, com certeza. Isso daí é uma influência também das mudanças do clima. A gente deve ter, cada vez mais, eventos mais intensos e frequentes dessas tempestades mais severas. No caso, agora para a ocorrência do La Niña, é muito provável que essas chuvas mais intensas se concentram principalmente no Centro Norte do Mato Grosso.

Claro que ainda estamos um pouco distantes. Quando a gente fala em previsão, quanto mais próximo do período, maior é a assertividade. Mas agora, mesmo a gente estando assim distante, o que os modelos estão apontando é uma tendência de que a chuva fique acima da média nessa faixa do Centro Norte de Mato Grosso. 

Isso não quer dizer que no sul a gente não tenha chuvas intensas. A existência dessas chuvas intensas podem ocorrer em qualquer região, mas, em relação aos acumulados de chuvas intensas, em comparação com a média, é muito mais provável que isso aconteça no Centro Norte do Estado. 


Leiagora - Você pode falar algum dos municípios que fazem parte dessa região?

Ana Paula - Sinop, que é um que é um município importante, Aripuanã, Peixoto de Azevedo, que são municípios que ficam mais no norte. De Sinop para cima, como Colíder, Juara, Apiacás, haverá chuvas acima da média.


Leiagora - O Brasil todo está prestando atenção na tragédia no Rio Grande do Sul. Assim como foram feitas as previsão para essa chuvas intensas,  todos os tipos de acontecimento, podem ser previstos? 

Ana Paula - Então, nesses eventos como do Rio Grande do Sul, quando a gente olha a longo prazo, a gente consegue ver se a chuva vai ficar acima ou abaixo da média. E no caso do Rio Grande do Sul isso estava muito claro porque foram vários dias com chuvas muito intensas. 

Então os modelos climáticos que são esses que fazem a previsão na escala de mês já apontavam aquilo. Porque assim, às vezes, quando a gente vê chuva acima da média, nem sempre é um acumulado em tão curto espaço de tempo, às vezes ela é bem distribuída.

 No caso do Rio Grande do Sul é na previsão de tempo, que é aquela em torno de até sete dias, que a gente consegue ver com melhor clareza qual a intensidade da chuva que vai ocorrer.


Leiagora - Não podemos controlar o clima, mas que tipo de ações a gente pode tomar para tentar mitigar esse tipo de acontecimento climático?

Ana Paula - Ações voltadas para a sustentabilidade. Arborização, está ocorrendo muito desmatamento, principalmente nessa faixa de região de Mato Grosso. O desmatamento precisa ser reduzido e o contrário precisa acontecer, o reflorestamento. As florestas têm grande papel na absorção da do gás carbônico e no volume de chuva, também para reduzir a possibilidade de inundações, de deslizamentos de terra.


Leiagora - É comum a gente ouvir quando das pessoas que trabalham no campo que o clima é cíclico e que coisas assim acontecem de tempos em tempos É isso mesmo? É cíclico ou o que tá acontecendo agora são mudanças diferentes?

Ana Paula - O clima, sim, tem seus ciclos. A gente sabe que algumas características que ocorrem no verão, no inverno, tem características semelhantes. Porém, a gente tá assim passando por mudanças climáticas e alguns eventos vem ficando cada vez mais intensos e mais frequentes. 

Como, por exemplo, as ondas de calor. A gente sempre teve onda de calor, mas não tão frequente e nem tão intensa como a gente observou em 2023. Ou então tempestades mais intensas, como a que a gente está observando no Rio Grande do Sul. Já tivemos tempestades sim, só que não com tanta frequência como a gente vem observado.

Então o clima apresenta os ciclos, né? Ciclos sazonais, mas a gente tá com essa influência das mudanças climáticas que tendem, cada vez mais, provocar fenômenos mais intensos e frequentes.

Alguns especialistas, inclusive do IPCC, que é o painel intergovernamental sobre mudanças do clima, que reúne os pesquisadores do mundo inteiro, costumam mencionar sempre que o aquecimento global, não há equívoco de que ele existe.  Na verdade eles provam claramente [o aquecimento]. Inclusive a gente vem passando pelo 11º mês consecutivo com temperaturas recordes no planeta. 

Isso com certeza tem influência na  escala mais local e consequentemente o aumento desses eventos extremos que a gente observa.

Leiagora - Quando a gente fala das mudanças climáticas, o que que nós temos de previsão de mudança para Mato Grosso? 

Ana Paula - A região próxima do Pantanal tem muita seca, né? Regiões onde já tem seca, a tendência é de que a seca fique cada vez mais longa, por mais um tempo. Onde a gente já tem chuva, a tendência é de que a chuva fique ainda mais intensa. A tendência é que tudo fique mais intenso e extremo.
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