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26/07/2020 às 17:47

Professor de Direito Penal explica legislação de armas e tiro esportivo por menores

Eduarda Fernandes

Professor de Direito Penal explica legislação de armas e tiro esportivo por menores

Eustáquio Neto

Foto: Arquivo Pessoal

Na última semana, o chefe do Ministério Público de Justiça de Mato Grosso, procurador-geral de Justiça José Antonio Borges Pereira, enviou uma representação à Procuradoria-Geral da República pedindo que o órgão questione no Supremo Tribunal Federal (STF) a legalidade do decreto presidencial que autorizou a prática de tiro esportivo por menores de 18 anos.

O pedido foi feito na mesma semana em que uma adolescente de 14 anos teria atirado no rosto de uma amiga de mesma idade em um condomínio de luxo em Cuiabá. O decreto questionado pelo MPE é o Nº 9.846/2019, assinado pelo presidente da República Jair Bolsonaro em junho do ano passado. O dispositivo permite que maiores de 14 anos pratiquem tiro esportivo com armas de fogo.

Leia também - Após morte de adolescente, MP pede ação contra decreto que libera tiro esportivo para menores

O Caso Isabele, como ficou conhecido, tem levantado vários questionamentos sobre quais as regras permeiam o acesso de um menor de idade a uma arma de fogo. Para tentar dirimir algumas dessas dúvidas, o Leiagora conversou com o advogado criminalista e professor de Direito Penal e Processo Penal, Eustáquio Neto.
 
Leiagora: Quem pode ter arma de fogo hoje?

E
ustáquio Neto: De acordo com o Estatuto do Desarmamento, atualmente qualquer cidadão que tenha mais de 25 anos, não tenha antecedentes criminais, tenha endereço residencial fixo, profissão lícita e que seja aprovado nos exames psicológicos e de aptidão para manuseio da arma, pode adquirir uma arma de fogo. Então, em resumo, esses são os requisitos para possuir arma de fogo hoje no Brasil.
 
Leiagora: O Decreto nº 9.847, de 25 de junho de 2019 facilitou o acesso a armas de fogo?

Eustáquio Neto:
O decreto publicado no ano passado flexibilizou os calibres e as quantidades de munições. Houve uma flexibilização bem considerável em relação a isso. Os calibres que eram considerados de uso restrito como 9mm e a .40, que eram utilizados pelas forças policiais, hoje podem ser adquiridas por civis
 
Leiagora: Qual a diferença de porte e posse? Quem pode ter porte e quem pode ter posse?

Eustáquio Neto:
Existe uma dúvida que as pessoas ainda têm e até mesmo alguns juristas, que é sobre diferenciar a posse e o porte de arma de fogo. Na pergunta anterior eu respondi quem pode possuir, comprar, adquirir arma de fogo. Possuir e portar são coisas um tanto quanto diferentes na nossa legislação. Aquele que adquiri arma de fogo e tem o direito de possuir essa arma, ele precisa deixar essa arma de fogo ou na sua residência, ou no seu comércio, ou no seu escritório. Ele pode ter essa arma nos limites da sua residência, escritório ou empresa, desde que seja o dono ou responsável.

O porte de arma de fogo é aquele que permite a pessoa carregar a arma consigo para onde ela for. Obviamente tem algumas restrições como aeroportos, que mesmo quem tem o porte tem que acondicionar. Mas, autorização para o porte de arma de fogo para os civis, ele pode carregar a arma consigo, seja no carro ou junto ao corpo, desde que não seja de forma ostensiva, não carregue a arma mostrando como fazem os policiais.
 
Leiagora: O que é necessário para ter porte ou posse de arma de fogo?

Eustáquio Neto:
A legislação brasileira confere o porte de arma de fogo a integrantes das forças policiais e das forças armadas, além de algumas carreiras fiscais e de fiscalização ambiental. Para os civis, embora o novo governo tenha flexibilizado a posse de arma de fogo, quanto ao porte ainda existem as mesmas restrições.

Então, além daquelas que já falei em relação à posse, que é não possuir antecedentes criminais, ter 25 anos ou mais, endereço fixo, profissão lícita, passar no teste psicotécnico e testes de manuseio de arma de fogo, você precisa comprovar efetiva necessidade. E é aí que está o problema porque é difícil comprovar essa necessidade junto à Polícia Federal. No ano passado o governo tentou simplificar por meio de decreto essa efetiva necessidade, de acordo com o tamanho das cidades, mas esse decreto veio a ser revogado posteriormente.

Atualmente, para portar arma de fogo é preciso provar essa necessidade. Na prática são aquelas pessoas que comprovam que estão sofrendo ameaças de morte que acabam conseguindo ter esse porte de arma de fogo.
 
Leiagora: Em que situações um menor pode ter acesso a uma arma de fogo? Em prática esportiva? O que diz a lei sobre isso?

Eustáquio Neto:
Pelo Estatuto do Desarmamento não há previsão de que o menor possa possuir, portar ou mesmo ter acesso a armas de fogo. No entanto, o Decreto Federal 9.846 passou a permitir que, especificamente, em locais apropriados, estandes de tiro, menores de 18 anos, a partir de 14 anos, pudessem praticar o tiro esportivo.

Então não se trata de uma autorização para possuir arma de fogo e muito menos portar arma de fogo, mas tão somente uma flexibilização para que o menor, a partir de 14 anos, devidamente autorizado pelo pai ou responsável pudesse praticar nos locais apropriados o tiro esportivo. Então essa autorização que antes era feita judicialmente passou a ser permitida por meio do Decreto Federal 9.846 de 2019.
 
Leiagora: Quem responde pelo ato infracional cometido por um menor com arma de fogo? O menor pode ser punido? De que forma?

Eustáquio Neto:
Em regra, o próprio menor vai responder pelo ato infracional que ele praticar. Vai responder de acordo com as normas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e não ao Código Penal que está voltado aos maiores de 18 anos. Com exceção da responsabilidade civil, porque nesse caso, os responsáveis pelo menor é que vão responder civilmente por eventuais indenizações que este ato infracional praticado pelo menor com arma de fogo tenha causado.

Então, o menor pegou a arma de fogo, praticou um ato infracional. Os seus pais ou responsáveis responderão civilmente pelos danos causados por essa ação, esse ato infracional. E o menor será punido de acordo com o regramento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Pode ser, inclusive, condenado a uma internação que poderá durar no máximo três anos.

Se, porventura, a arma de fogo utilizada por esse menor no cometimento deste ato infracional for de propriedade de um maior, um pai, por exemplo, ele responderá, na minha análise, apenas e tão somente por omissão de cautela, que é quando ele não toma as devidas precauções para impedir que o menor tenha acesso a essa arma de fogo.

Entendo que, em hipótese alguma o dono da arma de fogo, maior de idade, possa responder juntamente com o menor por qualquer ato infracional por esse menor cometido. Mas, somente por omissão de cautela, por não ter tomado os cuidados para que esse menor não acessasse a arma.

Na minha análise jurídica, para que ele participe do ato infracional, por exemplo, um homicídio culposo ou mesmo doloso, ele teria que entregar voluntariamente a arma para o menor para que este menor cometesse então o ato infracional. Essa é a minha análise jurídica em relação a esse ponto específico.
 
Leiagora: O MPMT apontou que o decreto seria inconstitucional por afrontar o artigo 227, que dispõe ser direito da criança e do adolescente “a vida, a saúde, a alimentação, a educação, o lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, o respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária”, conforme o Brasil concordou na Convenção Internacional do Direito da Criança e do Adolescente, realizada pela Organização das Nações Unidas em 1959. O senhor vê essa inconstitucionalidade também?

Eustáquio Neto:
Em relação à suposta inconstitucionalidade do Decreto Federal 9.846 de 2019, esse decreto está sendo questionado junto ao Supremo Tribunal Federal em ação proposta pelo Psol, mas ainda não teve nenhuma decisão no STF. Quanto à minha opinião jurídica, entendo que não, o decreto não seria inconstitucional nesse ponto porque, ao meu ver, o fato do menor devidamente assistido por um maior, pai ou responsável, ou por um profissional do estande de tiro, praticar o tiro esportivo não coloca em risco a sua vida, sua saúde, sua educação, a sua cultura. Muito menos a sua dignidade e o seu respeito.

Acho que é uma prática que, tomada as devidas cautelas, é como qualquer outro esporte. Apenas precisa de um cuidado maior dos pais e responsáveis por se tratar de manuseio de arma de fogo. Essa é a minha opinião sobre o assunto.
E muito em breve o Supremo Tribunal deve se manifestar, já está concluso para julgamento. Aguardemos para ver também a opinião do STF sobre essa inconstitucionalidade ou não do decreto.

 
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