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Notícias / Artes

05/05/2021 às 14:49

Espetáculo denuncia intolerância religiosa a partir de vivências do artista

Encenação adaptada para o audiovisual traz mensagem de resistência e reação de religião de matriz africana

Túlio Paniago

Espetáculo denuncia intolerância religiosa a partir de vivências do artista

Foto: Foto: Rodolfo Luiz

O corpo é o principal instrumento de trabalho do ator, que incorpora personagens e compõe partituras cênicas não só para entreter, mas provocar reflexões. Em seu processo de amadurecimento artístico, o varzeagrandense Andreel Ferreira, que, antes de se formar ator e pesquisador de teatro, já era umbandista praticante desde os 12 anos, passou a notar a influência da religiosidade em sua performance teatral, o que culminou na criação de seu primeiro monólogo: ‘Encruza’.

O espetáculo, que já foi encenado em Cuiabá e São Paulo, foi adaptado para o audiovisual pelo Teatro Imagem e a Solta Cia de Teatro. O resultado será apresentado ao público a partir das 19h desta sexta-feira (07), por meio do canal do Youtube da Solta, onde ficará disponível durante 30 dias.

No formato audiovisual, ‘Encruza’ cresceu com uma estrutura de cenário, figurino, iluminação, captação de imagem e som, de profissionais sensíveis e capacitados para registrar o espetáculo em um espaço diferente de um palco de teatro. A obra foi gravada diretamente do terreiro de Andreel, sem que a performance perdesse a potência do “encontro” com o público.

O trabalho objetiva proporcionar uma experiência sensorial para quem assiste, ao mesmo tempo que desconstrói uma interpretação “demonizada” das religiões de matriz africana. “Um preconceito sobre nós, de que cultuamos o demônio, de que coisas negativas estão do lado do povo preto”, comenta o ator.

A intolerância religiosa é, portanto, o principal disparador do espetáculo, baseado em casos extraídos de sua experiência pessoal no Centro Espírita Nossa Senhora da Guia-Seara Pai Joaquim de Angola. Segundo Andreel, ao denunciar e expor estas vivências, ‘Encruza’ se apresenta como uma mensagem de reação:

“Não estamos mais disponíveis a sofrer com intolerância, a ficar quietos quando vamos a uma encruzilhada e um carro nos segue e nos dá quatro tiros nas costas. Nem mais a nos calar quando entram no terreiro e depredam tudo, colocam fogo e matam nossos adolescentes”.

Com a responsabilidade de um Ogan, ele usa o corpo, em estado cênico, para desmistificar estereótipos que fundamentam esta intolerância religiosa. “A umbanda é o meu corpo e meus atos ritualísticos fazem parte de mim. Muitas vezes a gente se inibe pelo receio de não ser bem interpretado ou bem quisto. Por muito tempo eu deixei esse lado meu não reverberar”, reflete o artista sobre o processo de pesquisa que também se configura como afirmação de identidade e libertação.

Em ‘Encruza’, ao protagonizar a própria história a partir das vivências de um corpo inserido na umbanda, Andreel também sublinha outros tantos relatos semelhantes, e na maioria das vezes silenciados, relacionados à intolerância sofrida por praticantes de religiões de matriz africana.

Dentre os elementos ritualísticos que compõem o espetáculo, estão os pontos cantados e o ponto riscado (cânticos sagrados e desenho de representação das entidades espirituais), o toque do atabaque, a defumação, a dança, as velas coloridas. Em dado momento, representando a personagem Maria Boipeva, Andreel se coloca em cena como a entidade Exu Mulher.

“Faço minhas as palavras de mãe Flávia Pinto: eles [os intolerantes] não entendem de onde vem a nossa força, acreditam que estamos do lado do mal porque nós somos resistência. Resistimos a mais de 400 anos de escravidão e continuamos resistindo ao racismo religioso”, reforça o artista.

Do terreiro para as telas

A gravação de ‘Encruza’ é a continuidade de um processo criativo que começou em 2019. Andreel Ferreira é um dos diretores do grupo Teatro Imagem e egresso da MT Escola de Teatro. O espetáculo nasceu de uma experiência pedagógica em que os alunos [da MT Escola] tiveram liberdade para criar a partir de qualquer tema e linguagem teatral. Posteriormente, foi apresentado ao público na Praça da Mandioca e, em novembro, integrou a programação do renomado festival Satyrianas, em São Paulo.

Nesse percurso, o espetáculo contou com o trabalho de Benone Lopes, da Solta Cia de Teatro, que exerceu a função de encenador, diferentemente de uma direção de teatro e audiovisual tradicional. “Foi muito mais um processo de montar uma equipe, de organizar as criatividades e propor procedimentos para instigar o Andreel a potencializar o lado performativo. A grande sacada de ‘Encruza’ é a história dele enquanto artista e umbandista, e foi para potencializar isso que a gente começou a trabalhar juntos”, explica Benone.

Para Andreel, o resultado foi muito positivo. “Eu estava ali dentro da minha casa, onde nasceram todas as referências de Encruza. Minha plateia eram as entidades, o calor daquelas paredes, a vibração, as minhas lembranças”. Ele acredita que o vídeo será importante para levar a mensagem ao público que, principalmente nesse momento, não pode estar em um teatro.
“A performance tem uma coisa muito forte que é o acolhimento, que faz com que as pessoas se sintam participantes daquele ritual, justamente o que faz com que os não umbandistas possam refletir como é essa prática religiosa. Foi preciso pensar uma experiência audiovisual para o online que fosse próxima da imersão”, reforça Benone.

Com o projeto, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc, através do Edital MT Nascentes, da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT), também foi possível realizar um mini documentário que retrata o espaço do Centro Espírita Nossa Senhora da Guia-Seara Pai Joaquim de Angola, a vida de Andreel junto a sua mãe de santo e outros frequentadores do terreiro. O material será disponibilizado em breve.

Ficha técnica
Ator/Performer: Andreel Ferreira
Encenação: Benone Lopes
Ogan Convidado: Fabiano Andrade
Produção: Manoel Vieira
Cenografia: Bruno Custódio
Iluminação: Everton Britto
Figurino: Jaqueline Roque
Direção de Fotografia: Juliana Segóvia
Captação de Som: Augusto Krebs, Karola Nunes, Thiago Veloso
Fotografia Still: Rodolfo de Oliveira
Design Gráfico: Laura Paschoalick
Assessoria de Imprensa: Maria Clara Cabral
Apoio Cultural: Solta Cia de Teatro, Teatro Imagem, A Casa do Centro
Agradecimentos: Idemary Regina, Regy Reis e Centro Espírita Nossa Senhora da Guia - Seara Pai Joaquim de Angola

Serviço
Espetáculo Encruza
Data: Sexta-feira, 07 de maio de 2021
Horário: 19 horas (MT) - 20 horas (BSB)
Local: Canal do Youtube da Solta Cia de Teatro
Acesso: Gratuito

Com informações da Assessoria - Maria Clara Cabral
Fotos: Rodolfo Luiz
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