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Notícias / Entrevista da Semana

08/08/2021 às 08:00

Lei Maria da Penha completa 15 anos e procuradora fala sobre avanços no combate à violência doméstica

Procuradora do Estado e Presidente do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres, Gláucia Amaral, fala sobre indicativos de um relacionamento agressivo e como denunciar

Luzia Araújo

Lei Maria da Penha completa 15 anos e procuradora fala sobre avanços no combate à violência doméstica

Foto: Reprodução

Agosto é o mês de conscientização para o fim da violência contra a mulher e mês de aniversário da Lei Maria da Penha, que completa 15 anos neste sábado (7). A proteção das mulheres que sofrem violência no ambiente doméstico e a responsabilização do agressor estão entre os grandes avanços da lei.

Para marcar a data e reforçar a luta, o mês de Agosto é pintado de Lilás. O Leiagora conversou com a Procuradora do Estado e Presidente do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres, Gláucia Amaral, para falar sobre
 os indicativos de um relacionamento agressivo e como denunciar as situações em que a mulher corre o risco de ser vítima de violência. 
 
Leiagora - Neste sábado, a Lei Maria da Penha completa 15 anos de existência. A data é um momento de comemorar ou lamentar diante do atual cenário e quais foram os avanços da lei neste período?

Gláucia Amaral – É para se comemorar. A Lei Maria da Penha é a única lei que temos no Brasil que faz aniversário desta forma, com um mês inteiro para ser lembrada. Ela é uma lei que entrou em vigor e entrou na realidade da vida dos brasileiros. A Lei Maria da Penha, de fato, é um grande marco, trazendo a público a discussão técnica e no dia a dia da violência contra a mulher e do machismo. Então, estes 15 anos, marcam uma transformação e é uma data a ser comemorada. 

Sobre os avanços, em primeiro lugar conseguimos mapear a violência contra a mulher. As mulheres estão denunciando mais e não estão se calando diante da violência em que estão sofrendo. Após a publicação da lei, temos hoje um Judiciário que não é conivente. As penas são altas e o Judiciário aplica com rigor. Além disso, temos uma estrutura para garantir a segurança das mulheres vítimas da violência, porque se constatou que elas faziam a denúncia, obtinham a medida protetiva, mas a violência por muitas vezes continuava e até piorava. Ainda existe esta realidade, mas hoje os órgãos foram se estruturando para se adaptarem a esta realidade em cumprimento. 

Leiagora - Como o Conselho Estadual de Direitos da Mulher atua visando a redução da violência doméstica e familiar no Estado?

Gláucia Amaral – O papel do conselho é de ser fiscalizador e sugerir políticas públicas que possam interferir nesta realidade. Além disso, incentivar e trabalhar pela existência de conselhos municipais, porque a presença das mulheres organizadas forma, o que chamamos de rede de apoio, para que a vítima possa ter coragem de fazer a denúncia, sair da condição de agredida e deixar aquele ambiente. 

O conselho ainda organiza, anualmente, um seminário estadual de mulheres por municípios e depois em nível estadual e desenvolveu o Plano Estadual de Políticas Públicas para Mulheres que abrangem diversas áreas. O Governo do Estado publicou este plano como meta e observamos, atualmente, que muitas delas sendo implementadas na prática como, a delegacia 24 horas, modificação das fichas de registro das ocorrências no 190, como medidas que acontecem na Secretaria de Saúde, como ações para o município e o Estado de priorização das mulheres vítimas de violência em programações sociais, a presença de assistente social e psicóloga nas delegacias e especialmente as redes de enfrentamento nos municípios. Tudo isto estava previsto neste plano e observamos isto acontece, efetivamente. 

Leiagora - A pandemia obrigou o isolamento social e com isto o número de casos de violência doméstica contra mulher aumentou, enquanto as denúncias diminuíram, crescendo as subnotificações dos crimes. Como o conselho analisa esta situação?

Gláucia Amaral – A diminuição das denúncias poderia significar a redução da violência, mas não foi o caso, porque vimos que o feminicídio explodiu. Então, isto demostrou que a violência ficou escondida. Verificamos duas informações em relação à questão do ciclo da violência durante a pandemia. A primeira é que muitas mulheres denunciam o agressor no momento em que elas ou o homem sai de casa, mas, com a pandemia, isto deixou de acontecer e ela ficou mais presa ao ambiente doméstico. Então, este foi um fator que fez diminuir as denúncias. 

Outro fator que fez aumentar a violência é que a sociedade acredita que existe um determinado papel para a mulher e um determinado papel para o homem.  E na pandemia as funções que são atribuídas às mulheres aumentaram como, por exemplo, cuidar dos filhos e ser professora em casa. Então, estas funções tidas como, classicamente, de mulheres foram se acumulando. Observamos isto na classe mais baixa, como na mais alta. A pandemia intensificou estes tais papeis e por tanto explodiu as possibilidades de violência .

Leiagora - Dados apontam que 70% das mulheres vítimas de feminicídio não haviam registrado ocorrência. O que fazer para incentivar a mulher denunciar?

Gláucia Amaral – Muitas mulheres não têm noção de que são vítimas de violência, especialmente, quando se trata de violência psicológica ou patrimonial e, mesmo no curso do casamento, da violência sexual, que é a obrigatoriedade de estar à disposição sexualmente do marido independente da vontade. E mesmo as que já sofreram violência física é preciso dizer com muita clareza que não aceitem uma segunda vez, porque é muito perigoso. Então, em primeiro lugar, precisamos aumentar a consciência das mulheres.

Em segundo lugar, hoje, em boa parte das cidades de Mato Grosso, a mulher que denuncia vai encontrar uma rede com órgãos que já estão preparados para garantir que a medida protetiva feita pelo Judiciário não seja só um papel e que ela, efetivamente, funcione na prática, para que a mulher possa sair desta situação.  

Leiagora - Além da questão da dependência financeira, existe também a questão da dependência emocional. Como romper com isso? 

Gláucia Amaral – A maior dependência é sempre a emocional. Existe a situação da mulher que deixa de sair, porque ela tem dependência financeira. Temos ainda muitos casos de mulheres que denunciam e a sociedade não apoia, não acredita. Também existem casos que a família não apoia, que entende que a mulher está exagerando e que o homem é um bom marido. Então, existem diversos casos, mas a dependência emocional é a maior. 

Precisamos lembrar que a violência doméstica é um tipo de crime que é praticado, na sua maioria, pelo companheiro e que esta relação começou em uma situação de afetividade. Então, é difícil o rompimento de uma relação nas situações normais e, com ciclo de violência instalado, é ainda pior. 

Para romper isto precisamos ter instrumentos sociais públicos, porque violência doméstica é um problema de segurança pública e social, por isto insistimos na presença da assistente social, e psicólogo na delegacia e no trabalho que é feito posteriormente pelo Judiciário, para que esta mulher tenha estrutura para deixar esta relação, mas é necessário também que a gente trabalhe o empoderamento desta mulher, para que ela recupere a autoestima e possa sair do ciclo da violência. 

Leiagora - Como amigos e familiares podem auxiliar a vítima de violência doméstica a romper este ciclo? Em briga de marido e mulher, se mete a colher?

Gláucia Amaral -
O fato que inspirou esta frase, foram aquelas cenas grotescas em relação ao DJ Ivis e a então esposa dele, porque haviam pessoas presentes. Ela apanhou diante de um homem e de uma mulher. Então, esta frase foi recriada neste momento de comoção social, mas ela é uma realidade. Em briga de marido e mulher, se mete a colher, sim, porque é um problema social, não só entre parentes e amigos, mas vizinhos que escutam uma mulher sendo vítima de violência devem ligar para polícia. 

A interferência da família e amigos é apoio. A mulher precisa sentir que ela tem este apoio e que a decisão dela não vai ser reprovada. O que falta à mulher que não denúncia é uma rede de apoio, seja da família, dos amigos ou da sociedade. Por isto que a lei prevê que o conselho insista que em todas as cidades tenham uma rede de enfretamento a violência contra a mulher. 

Em Mato Grosso temos um exemplo mundial de rede de enfrentamento, que é na cidade de Barra do Garças. Lá, nos últimos seis, sete anos teve um feminicídio. Então, veja como a rede de enfrentamento funciona e a mulher sente que ela pode tomar uma decisão e vai ter para onde seguir depois disto. 

Leiagora - A mulher denunciou o agressor e deu o primeiro passo para sair do ciclo da violência, existe uma rede de acolhimento para ela e familiares? Como ela funciona? 

Gláucia Amaral -
 Existe a previsão legal de uma rede de enfrentamento da violência e esta rede prevê que a mulher seja auxiliada a ingressar no mercado de trabalho e que ela tenha apoio psicológico. Estas redes precisam funcionar de cidade em cidade. Temos funcionando em Barra do Garças e em Várzea Grande ela já foi implantada. Aqui em Cuiabá também se trabalha e em Sorriso a rede também está sendo implementada, mas este apoio, da forma que imaginamos, ainda não existe. Não existe no próprio Sistema Único de Saúde (SUS), para que possamos implementar. 
 
Leiagora - Quais são as políticas voltadas para o agressor?

Gláucia Amaral -
Entendemos que é precisa mudar a cultura, integralmente. A grande questão é o machismo. É ele que acaba fazendo que isto veia à tona. Machismo é a ideia de que mulheres estão em uma posição de inferioridade em relação ao homem. Inferioridade de direitos e de características intelectuais e morais.

Então, precisamos produzir esta modificação, caso contrário, não vamos conseguir romper este ciclo. Já existem inciativas aqui de falar diretamente ao agressores e, inclusive, aos homens antes que eles agridam. Já tive a oportunidade de falar em empresas, que ao final da palestra, homens me abordaram para dizer que não sabiam que já estavam no ciclo de violência, pois já estavam quebrando os móveis da casa. Esta pessoa inclusive se separou porque ele achou que o comportamento dele estava diferente do seu comportamento normal.      

Leiagora - O que o Conselho preparou para o Agosto Lílas?

Gláucia Amaral -
Vamos ter uma série de lives e toda a divulgação dos nossos eventos será feita no instagram do conselho (@cedm_mt)
. É importante dizer também que quando falamos da violência contra a mulher, que precisamos quebrar o ciclo que ainda existe de que o objetivo da mulher é casar e ter filhos. Este é um dos objetivos de todos os seres humanos e ainda há aqueles que não desejam e são livres, mas precisamos incentivar e cultivar o desejo pela independência, estudo e profissionalização tanto para homens, enquanto para mulheres.
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