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Notícias / Entrevista da Semana

06/02/2022 às 08:00

Pediatra infectologista desmistifica vacinação infantil contra covid

Apesar da Anvisa ter aprovado o imunizante para crianças, ainda existem muitos pais e responsáveis com dúvidas e inseguranças a respeito dos imunizantes da Pfizer e da Coronavac

Angélica Callejas

Pediatra infectologista desmistifica vacinação infantil contra covid

Foto: Reprodução

Após ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a vacina contra covid-19 para crianças começaram a ser aplicadas pelos municípios brasileiros em janeiro deste ano. Entretanto, ainda existem muitos pais e responsáveis com dúvidas e inseguranças a respeito dos imunizantes da Pfizer e da CoronaVac.

Diante disso, o Leiagora entrevistou a médica pediatra Dra. Silvia Nunes Szente Fonseca, formada pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em doença infecciosa pela Universidade de Yale, e integrante do sistema Hapvida, para desmistificar esse tema.

Veja abaixo a entrevista na íntegra


Leiagora - A vacina da Pfizer é segura? Qual a importância de levar a criança e o adolescente para se imunizar contra a covid-19?

Dra. Silvia - Ela é muito segura. Essa tecnologia usada, que é a tecnologia do RNA mensageiro, soa diferente para a sociedade, mas quem trabalha com vacina conhece essa tecnologia há décadas. São tecnologias que foram sendo desenvolvidas para que a gente pudesse fazer vacinas numa quantidade maior, em pouco tempo.

Então, essa técnica do RNA mensageiro nada mais é que: na vacina tem uma proteína, e uma vez que essa proteína entra no organismo, ela não entra no código genético, ela passa longe do núcleo, que é onde fica nosso DNA. A proteína entra num pedacinho da célula, chamado citoplasma, e ensina nosso corpo a produzir a proteína spike. Após a produção da proteína, nosso corpo imediatamente cria os anticorpos.

Quando o vírus da covid infecta a gente, ele entra com o RNA original e ele, sim, produz proteínas estranhas ao nosso corpo, que podem inclusive mexer no nosso DNA. Já o RNA mensageiro da vacina da Pfizer é só um pedacinho do vírus.

Em relação à segurança dela, hoje, vários países a utilizam. O maior deles é os Estados Unidos, que já vacinou em torno de 9 milhões de crianças de 5 a 11 anos. E eles não tiveram nenhum evento adverso que levou à morte. Quando as pessoas acham que o vírus natural não faz nada e o vírus da vacina que pode ser letal, que pode fazer muito mal, é uma ignorância muito grande. 

O vírus que está circulando, principalmente esse ômicron, que é muito transmissível, numa minoria de crianças ele faz um estrago muito grande. Tanto é que nós estamos vendo as crianças sendo internadas, as crianças indo para a UTI. Mas a gente não vê crianças que se vacinaram sendo internadas, indo para as UTIs. Então, respondendo a sua pergunta: A vacina ela é segura em todas as faixas etárias onde ela foi usada, e, particularmente nessa faixa sensível das crianças.

Fazendo um parênteses, hoje, esta é uma pandemia dos não vacinados. Por quê? Porque o que a gente vê hoje nas UTIs, tanto pediátricas quanto UTIs de adulto, a imensa maioria de gente ou não tomou nenhuma dose da vacina ou está com vacinação incompleta. Então, é necessário vacinar hoje para que a gente consiga parar essa replicação do vírus, porque cada vez que os vírus se replicam, podem surgir mutações.

E quando há uma replicação desenfreada, como aconteceu com a gente o ano passado nessa época, lá em Manaus, o que está acontecendo na África do Sul, propicia o aparecimento de variantes, e às vezes é uma variante que não para por ali mesmo. Às vezes é uma como a ômicron, que é muito transmissível. 

Aquela que a gente teve no Brasil, P1, era muito deletéria. Ela fazia muito mal para o organismo, tanto é que muita gente morreu. Então, a gente deve vacinar todas as pessoas que são elegíveis para a vacina, para primeiro parar essa replicação, porque senão isso não vai acabar nunca. Segundo, apesar das crianças, na maioria, terem quadros leves com o vírus natural, hoje cada vez mais a gente está descobrindo algumas coisas. 

Primeiro: uma porcentagem pequena das crianças pode ter uma covid grave que leve ela a internar, mas também já está claro para nós, que algumas crianças têm covid levinha e depois de algumas semanas elas desenvolvem a síndrome inflamatória, e isso também mata. A gente também está diagnosticando crianças com covid longa. Ou seja, já passou a covid e ela ainda aparece em dias com febre, tem falta de ar, não consegue se concentrar, está apática. Então, hoje a gente já está descobrindo os efeitos.

Esse é um vírus que não é bonzinho, não.. Só o fato de você, por exemplo, ficar sem olfato, sem paladar, quer dizer que o vírus invadiu o seu sistema nervoso central. Esse não é um vírus de brincadeira, ele é muito real e a gente sabe que mesmo quem teve um quadro leve pode desenvolver formas que prejudiquem a saúde a longo prazo. 

Essas crianças estão indo pra escola agora, não dá mais para segurar a criança em casa. A escola é um lugar muito importante para algumas crianças por questão de sobrevivência, né? Existem crianças que não tem segurança alimentar, tem crianças que só fazem a refeição na escola. É questão de segurança também, às vezes elas vem de lares onde ocorre abuso físico e psicológico.

Então, a gente precisa voltar as crianças para escola. Se elas não estiverem vacinadas, a gente vai ter um surto atrás do outro. É uma porcentagem pequena, mas que em número absoluto vai ser muita gente, vai começar a ter casos graves. Uma coisa que me preocupa as nossas UTIs ficarem cheias de crianças com problema respiratório, por conta da covid, sendo que existem outras coisas também pra tratar na UTI. Como, por exemplo, criança que foi atropelada, criança com diabetes, criança que tem tumor e precisa fazer cirurgia. Então, não tem nada de bonzinho nessa ômicron. A nossa saída realmente é a vacinação infantil.


Leiagora - O que deve ser observado na hora da aplicação? Local da aplicação, ambiente, dose...

Dra. Silvia - A vacina da Pfizer, ela vem num frasco com tampa laranja, e deve ser aplicado na criança 0,2 mL. Os lugares têm que estar organizados no sentido que: você tem uma criança de 5 anos, e ela é elegível à vacinação, mas essa criança, hoje, pela Anvisa e o Ministério da Saúde, só pode tomar a vacina da Pfizer. Uma criança de 8 anos com asma, também deve tomar a vacina da Pfizer. Se a criança tem acima de 6 anos e nenhuma doença, tanto faz a vacina que ela for tomar. Isso é uma distinção técnica. Então, o pessoal do posto de saúde deve lembrar aos responsáveis qual categoria aquela criança se encaixa.

Uma coisa que é importante a gente falar, é sobre a não recomendação da vacina da CoronaVac em crianças com tratamento de imunossupressão. Não é porque a vacina vai fazer mal, é que talvez a vacina não ofereça toda proteção necessária, talvez não produza tanta defesa quanto a da Pfizer vai produzir nesse tipo de criança.

A outra coisa é verificar se a vacina está sendo corretamente aplicada. Também é muito importante dizer que não precisa assinar papel nenhum. É uma vacina como todas as outras várias vacinas que a criança toma a vida inteira.

O Programa Nacional de Imunização (PNI) na criança começa quando ela nasce e toma a primeira vacina, que é a vacina da hepatite B. Aliás, a criança já recebe vacina durante a gestação. A partir do 5º mês, a mãe já toma a vacina da coqueluche para ajudar a criança.

Leiagora - Existe contraindicações? Se sim, quais?

Dra. Silvia - Então, a gente só não vacina criança que está com uma doença febril. Se está com 38,5º, naquele momento ela não deve ser vacinada. Mas não é porque a vacina pode fazer mal, é porque pode ser que a criança não tenha a mesma boa resposta que ela teria se tivesse com a temperatura normal. E também é recomendado que a criança que teve covid espere um mês pra ser vacinada. Mas a gente não tem nada dessas coisas de 'tem que assinar um papel. Tem que ter a recomendação do pedriatra'. Isso não existe. 

A vacina foi liberada pela Anvisa, que é um órgão sério e que já fez todo esse questionamento, já olhou todos os dados e considerou que essas duas são vacinas seguras e necessárias.


Leiagora Os pequenos irão ter reações? Como febre, dores no corpo?

A maioria das crianças não vai ter nada. Algumas poucas crianças podem ter um pouco de febre, algumas poucas crianças podem ter dor no braço, algumas poucas crianças podem ter vermelhidão no lugar da injeção, que é, na verdade, uma resposta do organismo àquela proteína.

Agora, se fala muito da miocardite, e eu quero esclarecer. Miocardite é uma inflamação do coração. Hoje, a gente sabe que a miocardite causada pelo vírus da covid é, primeiro, muito mais frequente. Segundo: muito mais grave do que a raríssima complicação que foi vista em crianças até um pouco maiores, em adolescentes, e foi visto miocardite mais leve em pouquíssimas crianças. Se não me engano, nas milhões de doses  da Pfizer aplicadas em crianças de 5 a 11 anos nos Estados Unidos, houve 6 ou 9 relatos de miocardite, dividido pelas 9 milhões de doses aplicadas. E todas essas crianças evoluíram muito bem.

Em relação à miocardite da covid, ela complica a infecção e, infelizmente, várias crianças vão a óbito por causa dela. Então, vender a ideia de que a covid é só um resfriadinho e que a vacina pode matar, é uma ideia baseada em ignorância e até criminosa. Porque, se alguém desistir da vacina por acreditar que a vacina faz mais mal que o coronavírus, essa pessoa está cometendo um crime. Não existe nenhuma organização de saúde séria que hoje não apoie a vacina. 

A Organização Mundial de Saúde também apoia a vacinação infantil. No Brasil, que conseguiu vacinar os idosos com três doses, conseguiu vacinar a imensa população acima de 18 anos até com as três doses, a gente deve dar para as crianças agora. É necessário e importante que isso aconteça. 

Então, a Organização Mundial de Saúde, Anvisa, Ministério da Saúde são todas organizações sérias e todas estão apoiando a vacinação. Quem compra a vacina é o Ministério da Saúde. Ele está comprando as doses. Então, apesar de às vezes parecer que tem dúvida, eles estão comprando a vacina, os Estados estão distribuindo e as prefeituras estão aplicando. Então assim, faz parte do programa nacional de vacinação. 

Leiagora - E sobre a obrigatoriedade da vacinação? O que a senhora pode falar sobre isso?

Dra. Silvia - Isso é mais velho do que andar pra frente. A gente já precisa mostrar a carteirinha de vacinação quando matricula a criança na creche, porque a gente precisa proteger o coletivo. Quando eu escolho não vacinar com nenhuma dose a minha criança, eu estou não só expondo aquela criança às doenças, como eu também posso estar expondo mais gente que talvez não tenha feito uma resposta boa para a vacina e tem ali aquela fonte de transmissão agora.

Então, quando a gente vive em comunidade, é uma questão de saúde pública, né? No público, a gente não pode ter tanta individualidade de assunto. Eu não sou favorável a catar alguém na força e aplicar uma injeção, mas sou favorável que a gente tenha políticas públicas e também esclarecimento. Alguma vez você fez entrevista questionando porquê a gente deve vacinar contra a poliomielite? Já questionaram se a gente precisa de vacina contra o tétano? Por que a gente está discutindo isso?

Nós só não estamos tendo poliomielite porque nós fizemos o Programa Nacional de Imunização na década de 80. Ele é um case de sucesso para muitos países. A gente erradicou a poliomielite do Brasil em 94, e ninguém discutiu. Não tinha na televisão alguém falando assim 'ah, mas eu acho que a gente não deve vacinar'. Sabe por quê? Porque a pólio aleija, porque a pólio mata. Quem é daquela época viu crianças com problema para o resto da vida, crianças que morreram.

Então, assim, o que eu vejo agora é que as vacinas são uma vítima da própria competência. Elas foram eliminando tanta doença que as pessoas começaram com essas teorias de que o corpo pode se defender sozinho. Em 2016, o Brasil recebeu certificado de erradicação do sarampo no Brasil. As pessoas já vinham com essa história de não querer vacinar, e em 2018 tivemos um grande surto no país e em 2019 um grande surto de casos em São Paulo.

Então, as vacinas, de uma maneira geral, para elas estarem no posto de saúde, para elas estarem numa injeção que vai ser colocada no bracinho de alguém, elas são muito estudadas.

Nós vacinamos bebê que acabou de nascer. E ninguém fala: 'ah, mas tem o direito de pegar hepatite B'. Sabe quando ela vai pegar hepatite B? Quando ela cresce, quando ela começa a ter em relação sexual, quando começa a usar drogas intravenosas. E essa estratégia de vacinar desde que nasce, é para que ninguém corra o risco de pegar hepatite B. E aquela mãe que teve hepatite B na gestação e passou despercebida, a criança vacinada não pega hepatite da mãe. Porque a hepatite quando ela é pega bem no comecinho de vida, ela pode desenvolver cirrose, câncer. 


Leiagora - Como devem ser os cuidados pós-vacina covid? O que deve ser observado? 

Dra. Silvia - Os responsáveis devem observar, mas não existem grandes preocupações. Se der febre, dor no braço, mediquem os sintomas. A mensagem que eu queria transmitir é: essa é só mais uma vacina dentre todas as outras que a criança recebe. A vacina da febre amarela, por exemplo, dá muita reação! Ela é conhecida por isso e ela está no nosso calendário do Programa Nacional de Imunização aos 9 meses e aos 4 anos.

Então, uma criança de 9 meses toma essa vacina. Essa vacina dá febrão, é uma vacina chata, feita com o vírus atenuado. Mas ninguém está fazendo campanha contra a vacina da febre amarela. E por que a gente tem que vacinar? Porque corre o risco da gente ter febre amarela urbana, que foi erradicada do Brasil na década de 40. E ninguém discute.

Já viu a vacina da coqueluche? Geralmente, a primeira dose faz parte daquela pentavalente. Dá febre na criança e ninguém faz campanha contra a pentavalente. Porque a pentavalente previne contra meningite, hepatite, coqueluche, difteria… É uma vacina espetacular, mas também dá reação. Entretanto, a gente não fica tendo essa conversa. A minha sugestão é que as pessoas ouçam as sociedades brasileiras técnicas científicas. 


Leiagora Recentemente a Anvisa liberou o uso da CoronaVac em crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. O que você pode falar a respeito dessa vacina? Também é segura?

Dra. Silvia - Ela tem a mesma tecnologia que a gente conhece desde a década de 1950, com a vacina VOP, que é a primeira vacina que a gente teve contra a poliomielite. É o vírus da poliomielite morto, desativado. Então, essa vacina da CoronaVac usa essa tecnologia consagrada desde a década de 50 e hoje as nossas crianças, quando elas têm dois meses de idade, elas tomam essa vacina VOP.

A CoronaVac usa essa tecnologia e ela é uma tecnologia interessante na criança, porque a criança responde com muito anticorpo. Um pouco diferente das pessoas muito mais velhas que a gente precisou fazer doses de reforço.

Hoje a gente ainda não está falando sobre doses de reforço em crianças, talvez porque nós começamos a vacinar depois. Mas talvez também porque elas respondem muito bem. Então, essa tecnologia do vírus inativado é uma tecnologia muito conhecida. As mães já deram vacinas com essa tecnologia e ela faz uma resposta sensacional.

A  grande vantagem da CoronaVac é que a gente consegue fazer ela aqui no Brasil. Então, você tem um um acesso a ela melhor do que comprar a vacina importada, né?

Hoje a gente tem monte de CoronaVac, já está pronta. E vacina boa é vacina no braço. Então, tanto a Pfizer quanto a CoronaVac, o responsável não tem que ser sommelier de vacina. Tem que dar aqui a que está indicada, com aquelas ressalvas: Crianças de 5 anos, vai ser Pfizer sempre. Criança com comorbidade, principalmente imunológica, vai ser Pfizer. O resto é CoronaVac. 


Leiagora - A senhora gostaria de complementar a entrevista com outras informações?

Dra. Silvia - Uma coisa que acho muito importante é que a gente tem que olhar as fontes de quem é que está falando sobre vacina. Porque, na verdade, tem médicos que não são da especialidade, que não tiveram o trabalho de ler os artigos científicos, falando sobre a vacina. E hoje a vacina para as crianças ela está sendo recomendada não só pela Anvisa e o Ministério da Saúde, mas pela Sociedade Brasileira de Pediatria, Sociedade Brasileira de Infectologia e pela Sociedade Brasileira de Imunização. Então, assim não há dúvida nenhuma que é uma vacina segura e necessária.

Quando eu dou aula de vacina, sempre coloco slide com essa frase: "As vacinas são presentes da ciência para a humanidade". A gente só saiu daquele horror que a gente estava o ano passado, por conta da vacina aqui no Brasil. E hoje, com essa ômicron, a gente só vai sair dessa situação se a gente conseguir vacinar também as crianças. Para esse vírus, se Deus quiser, parar de circular.
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