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Notícias / Entrevista da Semana

08/05/2022 às 08:02

Uma câmera, uma ideia e um cineasta do interior de MT rodando o mundo ao lado de um Cateto

Leandro Peska conversou com o Leiagora e falou sobre as filmagens do seu mais novo curta-metragem que já foi selecionado para quatro festivais mundo afora e ainda contou como é fazer cinema no interior do Brasil

Paulo Henrique Fanaia

Era uma vez um rapaz nascido em Cáceres (212 km de Cuiabá) que sempre foi apaixonado por cinema. Aos 18 anos esse jovem resolveu pegar uma câmera de mão e ir para o Rio de Janeiro cursar a faculdade de Cinema na Estácio de Sá. Depois de formado, ele colocou uma mochila nas costas e foi até Nova York fazer uma especialização em direção cinematográfica pela Academia de Cinema de Nova York. Encerrado o curso, ele resolve voltar para Cáceres onde fez um mestrado em educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat).

Esse é um pequeno resumo do currículo de Leandro Peska, um cineasta de 34 anos com três filmes já lançados e que atualmente está rodando o mundo com seu mais novo curta-metragem, “Cateto”.

Em fevereiro deste ano fizemos uma matéria contando um pouco sobre o diretor e também a trajetória do filme que na época havia sido selecionado para dois festivais, um na Turquia e outro na Inglaterra. Dois meses depois, o filme foi selecionado para mais dois festivais, desta vez na Grécia e na Índia.

Em uma conversa descontraída, o diretor falou com Leiagora sobre o sucesso do filme. Ele aproveitou e resolveu contar um pouco sobre como é fazer cinema no interior do Brasil e como foi a produção deste filme que anda encantando o púbico mundo afora.

Confira a entrevista na íntegra:

Leiagora - Primeiro vamos falar sobre o filme em si. Ele é um filme forte, com cenas fortes. Mas é uma cena que vemos todos os dias, em qualquer sítio do Brasil. De onde veio a ideia pra filmar o Cateto?

Leandro - O cateto foi mais uma coisa de momento. Não foi algo pensado, planejado anteriormente. Eu estava na propriedade rural dos meus avós na época. O filme é de 2021, mas eu filmei há dez anos atrás. Eu estava ali passando fim de ano e tinha ali a minha câmera, meu equipamento, algumas lentes e eu fiquei sabendo que iriam fazer o acontecimento do filme. E aí eu falei “bom vou filmar”. Não sei porque me deu isso, e eu decidi filmar aquele acontecimento diferente do que o nu e cru me apresenta. Então ele foi filmado todo em preto e branco, com a maioria dos seus planos em câmera fixa. Se não me engano tem um plano que é câmera na mão que tem um pouco mais de movimento ali. Mas a ideia era estar distante mas, ao mesmo tempo, estar presente, quase como se fosse encenado.

Apesar de ser um filme violento por conta do que acontece no filme, violento pra como você falou, pra quem não é daquele cotidiano. Mas pra quem vive aquilo, é só um trocar de pneus de carro, mais nada. Está feito e vamos pro próximo. Os enquadramentos, modéstia à parte são muito bem pensados, plasticamente falando eles têm uma beleza cruel por assim dizer. E por não ter diálogo, eu acho que o choque é maior. Porque a gente sabe como é o ao vivo e a cores, mas como a gente está sendo apresentado por um preto e branco, pela ação em preto e branco, eu acho que a nossa cabeça faz uma projeção do que seria o ao vivo em cores. Teve até pessoas que me perguntaram se eu não tinha filmado de maneira colorida, o que seria o usual e aí feito a edição, a saturação pra preto e branco. Eu disse que não, que a minha intenção era filmar em preto e branco e eu não editei esse material.

Leiagora - E por que o filme ficou tanto tempo parado?

Leandro - Eu acho que é por conta do assunto dele. Querendo ou não é uma coisa delicada. Tranquilamente você pode fazer uma leitura errada do filme, e aí, consequentemente, fazer uma leitura errada de mim.

LeiagoraVocê teve medo de lançar? Teve medo de ser julgado?

Leandro - Não sei. Não sei nem se é isso. A minha dúvida era: “pra quem que eu vou mostrar isso?”. Para quem eu vou mostrar isso para que a pessoa veja isso enquanto filme, não quanto o ato em si. Como ele pra mim é muito bonito esteticamente falando, mas ao mesmo tempo ele é muito cruel. Então isso me dava um certo receio. Um certo receio porque ele destoa completamente dos filmes que eu lancei. Volta e meia eu voltava nesse material, mostrava pra algumas pessoas próximas e aí depois de mostrar pra algumas pessoas próximas, a resposta era mais ou menos a mesma: "de que era cruel e tudo”, mas que alguma coisa elas tiravam daquele filme.

Leiagora - Sobre a produção do filme. Eu queria que você falasse um pouco sobre a equipe que te deu esse auxílio pra fazer o filme

Leandro - 
Isso é fácil. É a famosa “Euquipe”. Eu filmei, eu editei, eu dirigi, eu só não fiz a arte gráfica, o poster que eu paguei pra fazer só isso. Fui eu que estava ali no momento, eu fiz a fotografia, depois fiz a edição e consequentemente sou o diretor. O filme é realmente de uma pessoa só.

Leiagora - Afinal, em qual categoria do cinema está o Cateto? É terror? É um documentário? 

Leandro - 
A gente faz esse processo de categorizar o filme por conta do que a norma do mercado pede nos festivais. Pra mim ele é um documentário. Porque ele retrata um algo, entre aspas, real. Mas eu acho que ele também pode ser considerado um primo, um pouco distante, do experimental. Eu acho que vai muito ao encontro da mensagem que o filme passa quando ele é assistido. E essa mensagem muda de pessoa pra pessoa. Porque o filme pode ser tanto uma crítica social, já me falaram isso. Pode ser uma crítica ao consumo de carne. Pode ser uma crítica como a gente lida com a natureza. Pode ser um grito ao veganismo. Então pode ser um filme de terror também. Eu acho que a maior virtude do filme é essa múltipla possibilidade de acordo com quem assiste. Quem assiste e vai refletir o que é importante. Tem gente que veio me falar, por exemplo, que o filme é Cinema Novista do cinema novo dos anos 60 de Glauber Rocha. E isso nunca passou pela minha cabeça, sequer prestar uma homenagem. Obviamente se você for fazer uma leitura analítica do filme, realmente, até o próprio poster, é cinema novo tranquilamente. Mas nunca me passou pela cabeça. Foi uma coisa sem planejamento. Foi algo do momento. Por isso que eu falo que o Cateto é um filme do momento.

Leiagora - O filme foi indicado para alguns festivais né?

Leandro
- Ele começou a trajetória no ano passado, no segundo semestre do ano passado em que eu inscrevi ele em alguns festivais, dentre eles o Cine Urutu um festival do interior de São Paulo. E ali ele teve sua primeira seleção. Ele concorreu numa categoria de melhor edição. Foi inclusive algo inédito pra mim, eu nunca tinha tido um projeto que concorresse a um prêmio específico de melhor edição e pra mim foi muito significativo porque o filme de certa maneira ele é construído todo na edição. E aí depois disso eu me animei porque eu consegui participar do festival e inscrevi em mais festivais e como ele não tem diálogos facilita porque eu consegui fazer inscrição em vários festivais internacionais. No começo desse ano eu comecei receber as respostas das inscrições que eu tinha feito ali em novembro, dezembro. Primeiro ele foi selecionado pro Rofife que é um festival lá da Turquia, onde concorreu na categoria de melhor documentário é um festival que acontece há uns 14 anos se não me engano. Depois ele também foi selecionado pra um festival que acontece na Inglaterra que se chama Sessions by Lift-Off Global Network, que é um festival que traz novos cineastas que não digiram ou que dirigiram pouco. Ver o filme entre outros filme do mundo inteiro assim é uma sensação bacana.
Logo depois eu recebi outras duas de aceitação. Um festival de cinema independente da Grécia, que é de um clube de arte que existe lá que faz o seu festival de cinema independente também de maneira virtual e presencial e também em um outro festival chamado One Earth Awards, que é na Índia. E esse também é um festival que é completamente presencial e eles meio que selecionam e mostram isso pra um público fechado e aí eles mostram pro grande público

Leiagora - Quais são os seus próximos passos?

Leandro - Como eu faço por uma plataforma na internet então eu consigo fazer inscrição de um mesmo projeto em vários festivais de cinema. Minha intenção é seguir com isso. Se aparecer mais festival, talvez eu inscreva, mas a minha ideia é esperar esse momento de festival até mais ou menos agosto, setembro que foi quando eu lancei o trailer do filme no YouTube. Depois disso eu acho que provavelmente vou fazer um lançamento dele online só não descobri como porque ele tem classificação indicativa de dezoito anos

Leiagora - Como é trabalhar com cinema, em Cáceres, no interior do Brasil?

Leandro - Acho que é o mesmo desafio que todo artista tem no Brasil. Quanto mais você está distante dos grandes centros, maiores são as dificuldades. Fica mais difícil porque você tem menos profissional pra te dar suporte. Você tem menos possibilidade de equipamento. Então, por exemplo, se eu precisar alugar uma lente específica uma câmera específica ou até um drone específico, o lugar mais próximo que eu vou achar é Cuiabá. E é um perto que é longe. Então a dificuldade é nesse sentido, de ser uma cidade pequena do interior do interior, apesar de já ter bastante gente que tem experiências aqui em audiovisual tem um pessoal que está começando aqui também a fazer algo mais profissional. Ainda tem muita mística, porque tem pouquíssima gente que faz, fica parecendo aquela coisa de outro mundo e na verdade não é. Por esse lado é muito ruim, só que por outro lado você acaba desenvolvendo habilidades que talvez num centro maior você não desenvolveria. Entende? Porque aqui o meu olhar ele não pode ser só um olhar de diretor ou de fotógrafo, mas eu tenho que ter um olhar de tudo, porque eu que faço tudo na maioria das vezes. Então, nesse sentido, eu acho que a minha sensibilidade é muito maior. Às vezes cansa um pouco né? Tem que se virar demais. Pra conseguir os projetos e acaba que muito projeto que eu tenho é projeto fracassado. Agente acaba uma criando uma crosta meio grossa porque você pensa em fazer muita coisa e a cabeça acaba não parando, você recebe muito não e você também tem muito fracasso próprio sozinho.

Leiagora - Mas isso é um desânimo ou é uma força?

Leandro - Eu acho que é um pouco dos dois. Porque assim, independente do projeto você coloca sangue ali, entendeu? Então, quando dá certo a sensação é muito boa. Quando não passa você tem que tentar levar pelo lado positivo porque aí você aprende quando erra. E também se dá um parabéns assim de levinho pra continuar seguindo

Leiagora - Quando que nós vamos assistir o Cateto? Quando que ele vai lançado?

Leandro - A perspectiva é segundo semestre desse ano. Talvez mais próximo do fim ano. Mas eu ainda não descobri como fazer o lançamento, talvez eu faça uma sessão com outros filmes juntos e aí coloque classificação indicativa de dezoito anos, porque essa é a classificação indicativa do Cateto. Mas a minha vontade é colocar ele na internet porque aí facilita a visualização das pessoas. A grande maioria dos festivais, pra não dizer todos, quando você inscreve um filme, seja ele documentário ou ficção, o festival diz lá que uma das condições é que ele não esteja ao acesso do público. Então ele não pode estar por exemplo no YouTube, ou ele não pode fazer parte de um catálogo de Netflix da vida, para que o festival se interesse pelo produto que naquele período de tempo do festival o produto seja, entre aspas, exclusivo do festival. Por conta disso, como eu ainda tenho uma expectativa de ser aceito em outros festivais, eu não posso fazer esse lançamento público do filme ainda.
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2 comentários

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  • Alexander Silva 09/05/2022 às 00:00

    Sou fã desse diretor!

  • Leandro Peska 08/05/2022 às 00:00

    Muito obrigado ao Leiagora e Paulo Henrique pelo apoio de sempre.

 
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