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Notícias / Entrevista da Semana

27/11/2022 às 08:00

Pantanal: A beleza dos animais, a força do turismo e papel da mídia na conservação

Encontro dos turistas e animais são o carro-chefe do turismo e molda expectativa dos visitantes

Denise Soares

Pantanal: A beleza dos animais, a força do turismo e papel da mídia na conservação

Foto: Arte: Leiagora / Foto: Arquivo pessoal

Assuntos que envolvem o Pantanal estão sempre vindo à tona na mídia, em novelas e entrevistas. O bioma que ocupa parte da região Centro-Oeste do Brasil, nos estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, próxima às fronteiras com a Bolívia e o Paraguai, atrai milhares de pessoas para o turismo de contemplação.

Mas qual a importância do Pantanal no turismo e qual o papel das pessoas e da mídia? Não há como negar: existe algum animal mais bonito do que uma onça-pintada ou mais encantador que uma ave sobrevoando os rios pantaneiros?

Para falar sobre esse tema, o Leiagora conversou com a pesquisadora e professora de jornalismo na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Eveline Teixeira Baptistella.

Leia a entrevista na íntegra:    
  
Leiagora Você tem uma vasta experiência com o Pantanal. Em uma delas, fala sobre a contribuição dos animais no turismo mato-grossense. Fale um pouco sobre isso.

Eveline Baptistella - Venho desenvolvendo a pesquisa sobre as relações entre nós, humanos, e os outros animais já há uma década e o objetivo do trabalho no Pantanal foi investigar a representação dos animais na mídia e como isso impacta o turismo na região. A pesquisa foi dividida em três etapas. Analisei documentários audiovisuais nacionais e internacionais sobre o bioma. Depois, elaborei um levantamento sobre a publicidade dos hotéis. Por fim, fiz uma pesquisa etnográfica na região de Poconé e Porto Jofre, acompanhando turistas do mundo todo, em diversas atividades. Os encontros com animais são o carro-chefe do turismo e foi possível verificar como a mídia molda as expectativas dos visitantes. Eles já têm um Pantanal criado na cabeça e buscam repetir experiências que viram em filmes, reportagens, postagens de redes sociais e propagandas. Quando um animal aparece de forma positiva, seja na publicidade, seja na imprensa, isso se reflete numa rede de proteção ampliada, pois a espécie passa a ser valorizada como atrativo turístico – ou seja, contribui economicamente para o setor.

Leiagora – Quais são esses animais e de que forma eles estimulam o turismo? É bom ou ruim?

Eveline Baptistella -
Estudei o turismo de vida livre, ou seja, os animais silvestres não são mantidos em cativeiro nem obrigados a interagir com os visitantes – práticas que, inclusive, podem configurar maus-tratos. O que acontece no Pantanal é que muitos animais são “habituados” à presença humana. Isso permite uma experiência única de observação de vida silvestre, que é estar perto de indivíduos magníficos como tuiuiús, bugios, tachãs, jacarés-do-Pantanal, tamanduás-bandeira... Poderia passar o resto do dia listando as espécies, tamanha a diversidade da fauna pantaneira. Há turistas que chegam a chorar de tão emocionados. Essa proximidade é positiva desde que o espaço do animal seja respeitado e não haja tentativas indevidas de contato físico ou ceva, que é a oferta de alimentos como forma de atração.

Leiagora – A onça-pintada seria um dos animais mais encantadores, no caso.
Eveline Baptistella - As onças-pintadas de Porto Jofre, por exemplo, são habituadas e é possível observá-las a partir de barcos, com bastante proximidade. Mas não podemos esquecer que no início dos anos 2000 houve um movimento de ceva para os grandes felinos, para favorecer os encontros. O governo atuou para coibir a prática, pois ela é perigosa para todos os envolvidos. O que muitos desconhecem é que diversos animais têm cultura, eles transmitem saberes e hábitos para seus filhos. No caso de Porto Jofre, as onças habituadas ensinaram aos seus filhotes quais grupos temer ou não. Eu falo isso porque você perguntou se isso é bom ou ruim. Uma das minhas grandes perguntas na pesquisa era se essas onças estavam mais vulneráveis a caçadores e a maus-tratos em geral. Em entrevistas com guias e especialistas, foi possível verificar que elas sabem identificar os grupos de turistas, por características como número de barcos e até mesmo os sons que envolvem a aproximação. Quando elas veem poucos barcos ou humanos a cavalo, tendem a fugir, pois conectam esses cenários a situações de risco. O que só mostra o quanto os animais são inteligentes e complexos. Mas é claro que isso não elimina a necessidade de políticas públicas e leis que promovam a proteção integral da nossa fauna.

Leiagora – Qual a história mais marcante do Pantanal durante todos esses anos de pesquisa?

Eveline Baptistella -
Me marcou muito ver como o Pantanal e seus animais se envolvem e conquistam os turistas. Acho que um momento que traduz isso foi durante um passeio em março, época de chuva, em que é mais difícil ver aquelas cenas consagradas na mídia, como as praias cheias de jacarés, por exemplo. Então, os visitantes tendem a ficar um pouco frustrados. Nós estávamos num carro adaptado e os turistas estavam ansiosos para que algum animal aparecesse. Eu avistei lá longe um tuiuiú e fiquei esperando a hora em que os outros também veriam a ave. Foi incrível, porque todos enxergaram o tuiuiú ao mesmo tempo, já bem de perto. Foi um suspiro coletivo. Aquele som de admiração seguido por um silêncio incrível, das pessoas extasiadas. O tuiuiú, por sua vez, fez um belo espetáculo, caminhando por entre alguns bois. Isso é importante para lembrarmos que esses animais, ao cooperarem com a atividade turística, também estão nos mandando uma mensagem séria: eles têm direito a viver com dignidade e merecem ser respeitados.

Leiagora –Você participa de projetos e tenta aproximar os universitários desse tema ambiental.

Eveline Baptistella - Sou professora de Jornalismo e pesquisadora na Universidade do Estado de Mato Grosso e também sou pesquisadora do Grupo Mídia, Conhecimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Roraima. Ainda faço parte de grupos internacionais, como a Global Research Network e o Hub de Estudos Humano-Animal da Universidade de Lisboa.

Leiagora – Qual a importância disso na formação acadêmica? Teve resultados?   

Eveline Baptistella -
A temática ambiental é a questão mais urgente da atualidade. Jornalistas que têm preparo e conhecimento para atuar na área são um ativo importante para que a gente consiga refrear a crise ecológica e inventar modos de viver que sejam menos nocivos para o planeta como um todo. A proposta do meu projeto, hoje, é que os animais sejam inseridos na esfera de consideração ética da imprensa. Os ex-alunos dos projetos estão no mercado, atuando de forma responsável em relação às outras espécies e mudando padrões dentro das redações. O resultado geral são melhores condições de vida para os animais. Na Unemat, atualmente, além de oferecer cursos de jornalismo ambiental, coordeno o projeto de extensão chamado Abc do Pantanal (@abcpantanal), no qual estudantes trabalham com divulgação científica, transformando as pesquisas a respeito do bioma em informações acessíveis para a população em geral.

Leiagora – O Pantanal sempre está em alta. Chamou a atenção do mundo em um grande incêndio, é alvo de projetos na Assembleia e é tema de novela. Como usar essa atenção em benefício da região e não apenas exploração econômica?

Eveline Baptistella -
Infelizmente, existe uma ideia generalizada de que uma área só é útil se estiver sendo explorada economicamente, gerando lucros financeiros. Pouco se pensa nos dividendos emocionais, por exemplo, que temos ao conviver com outras espécies em um ambiente rico como o Pantanal. Foi isso que testemunhei durante a pesquisa no bioma: como as pessoas sentem falta daquilo que chamamos de “natureza” e como viver esta experiência pode ser transformador. Ao mesmo tempo, ficou claro que a proteção dos animais está muito ligada ao fato deles serem cooperativos com o turismo.
Creio que precisamos de mudanças profundas na nossa relação com a chamada natureza. Contudo, considerando o contexto cultural em que vivemos, seria importante canalizar essa atenção para fomentar atividades de menor impacto ambiental, como o turismo praticado de forma sustentável. A região de Poconé, inclusive, é referência em empreendimentos turísticos ecologicamente orientados.

Leiagora – Com o andar da carruagem, qual será o futuro do pantanal? Podemos conviver em equilíbrio ou já não há tempo para isso?
  
Eveline Baptistella - Acredito que já passamos do ponto em que é possível acreditar nesse ideal de convivência harmônica. O Pantanal está em sofrimento. Passou por uma catástrofe em 2020: os incêndios atingiram 30% do bioma e a estimativa é que pelo menos 17 milhões de animais vertebrados morreram. Teve as piores secas dos últimos 50 anos, sua massa d'água está se reduzindo. Isso para não falar dos impactos da poluição e de outras ações humanas. Infelizmente, a mídia insiste em um discurso de “resiliência”, afirmando que o Pantanal tem um poder sobrenatural de regeneração. É muito poético, mas não há bioma que resista a agressões ano após ano. Mais do que isso, é uma mensagem ruim para a sociedade, pois as pessoas passam a achar que o Pantanal se recupera “sozinho” e não se mobilizam para protegê-lo. Eu quero sempre acreditar num futuro positivo, mas o primeiro passo para que ele se concretize é admitir que estamos vivendo uma situação crítica e que demanda esforços de todos os segmentos sociais.

Leiagora –  Você escreveu o livro 'Animais e fronteiras – um estudo sobre as relações entre animais humanos e não humanos', que fala sobre a relação do homem com o meio ambiente. Fale um pouco sobre o livro e o tema.

Eveline Baptistella - O livro é um estudo sobre as relações entre nós, humanos, e os outros animais. Durante a pesquisa, analisei os relacionamentos no contexto de Cuiabá e registrei muitas histórias emocionantes, que mostram a importância da nossa ligação com as outras espécies. Reflito sobre nosso amor pelos pets, especialmente cães e gatos. Mas também falo sobre a crueldade e o descaso com esses mesmos animais quando estão em situação de abandono. Trato da maneira como as obras da copa do mundo impactaram as vidas dos animais na cidade e investigo a presença de diversas espécies silvestres vivendo dentro da área urbana. Há ainda a questão dos chamados animais de produção – bois, galinhas, porcos – e como eles escapam da morte quando consolidam amizades com os humanos.

A mensagem da obra é que os animais têm inteligência, sentimentos e direito à vida. Precisamos começar a prestar atenção no que eles têm a nos dizer, pois a maior parte dos problemas ambientais que enfrentamos hoje jamais teria se materializado se houvesse uma atitude geral de respeito por todas as formas de vida.   

Leiagora –  Qual último trabalho que desenvolveu?

Eveline Baptistella - Atualmente, os animais que venho escutando com mais atenção são os silvestres que estão vivendo nas cidades. Na pesquisa encontrei jacarés, tucanos, araras, macacos, jabutis, pequenos e grandes felinos, capivaras... enfim, uma infinidade de animais silvestres se adaptando ao espaço urbano. Essa questão é mundial. Estamos vivendo o maior evento de auto domesticação da história:  os animais silvestres estão ficando mais tolerantes ao contato humano, mais submissos e passivos. Estão fazendo isso porque não têm mais habitats adequados e precisam se adaptar a novos espaços. São refugiados ambientais que estão mudando completamente seu estilo de vida numa tentativa de continuar existindo. Parece algo muito bonito, mas, na verdade, esconde um grito de socorro.

Essa situação vai se intensificar mais e mais. É preciso que a sociedade esteja preparada para acolhê-los.  O poder público precisa encampar essa pauta urgentemente, criando estruturas para possibilitar essa convivência e políticas de gestão de conflitos que também levem em consideração os interesses dos animais. Além disso, é preciso que se comece a construir uma cultura de respeito às outras espécies, pois elas têm tanto direito à vida quanto nós.
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