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03/12/2022 às 11:41

Fanáticos por futebol de botão usam a Copa como motivo para manter viva a paixão por esporte centenário

Atividade começou como brincadeira e teve auge entre os anos 1970 e 1990

Do G1

Fanáticos por futebol de botão usam a Copa como motivo para manter viva a paixão por esporte centenário

Foto: Gabriel Lisboa/Divulgação

Craques como Messi, Cristiano Ronaldo e Lewandowski se multiplicam às dezenas pelo Brasil, reencarnados em peças redondas de plástico. Atletas que brilham no Catar são escalados por jogadores de futebol de botão em torneios inspirados na Copa do Mundo 2022.

De Norte a Sul do Brasil, praticantes do esporte organizam disputas entre seleções jogando sozinhos ou com amigos, seja em garagens ou mesmo em clubes dedicados somente ao botonismo. A Copa do Mundo para eles é mais uma boa oportunidade para rever amigos, treinar e divulgar o futebol de botão, que atualmente é mais conhecido como futebol de mesa (futmesa).

Mesmo quando divergem sobre regras, campo e até bolas, os botonistas compartilham um senso de urgência: sabem que é preciso lutar para que o esporte ganhe mais adeptos e cresça em um mundo cada vez mais digital e dominado pelos eSports.

Por isso tem sido no Instagram e no Tik Tok que fotos, vídeos e resultados de torneios inspirados nos jogos do Catar ganharam destaque desde meados de novembro. "Muito antes (do Instagram) o esporte já era difundido e tinha grande penetração, mas não dá para pensar (o futuro do botonismo) no mundo de hoje sem as redes sociais", afirma Jorge Farah Neto, presidente da Federação Paulista de Futebol de Mesa (FPFM).

Quando jogos de videogame como Fifa 22 ou Pro Evolution Soccer (PES) não existiam, o botonismo era febre entre os garotos e não havia preocupação quanto ao futuro da atividade. Embora sem data certa, a prática começou a partir dos anos 1920, tendo seu auge entre os anos 1970 e 1990, com alcance nacional.

Nos primórdios, os botões de roupas eram lixados e adaptados para disputas sobre o piso de varandas, calçadas ou mesas de cozinha. O botonista Chicão Virginelli, integrante do Dalmácia Futmesa, guarda um conjunto que pertenceu ao pai, Azael Virginelli. Ele conta que as disputas de Azael com primos e amigos eram feitas com uma bola de cortiça. “É uma relíquia que guardo com muito carinho”, conta Chicão.

Mas o botonismo evoluiu e a prática ganhou peças usinadas com o rigor de milímetros por artesãos habilidosos e ainda passou a contar com certa diversidade de botões industrializados. Até mesmo fabricantes conhecidos de brinquedos como Estrela e Gulliver chegaram a produzir os itens no auge da prática.

Das tampas de relógio aos Brianezi

Mas, para uma parcela dos adeptos, o sonho de consumo eram os chamados botões Brianezi, empresa familiar em atividade entre 1972 e 2000. A companhia produzia botões inspirados nas tampas de relógio que garotos recolhiam junto a relojoeiros para compor seus times, uma alternativa aos botões de roupa.

Os times da primeira geração da Brianezi são alvo de colecionadores até hoje. As seleções mundiais eram parte importante da produção, mas a marca também tinha no catálogo todos os times nacionais. E eles foram o motivo de sua derrocada: a produção foi paralisada depois da pressão do Clube dos Treze, que representava os times de futebol do Brasil. Os cartolas buscaram, no fim dos anos 90, cobrar royalties sobre o uso dos escudos. A cobrança veio quando a atividade já enfrentava forte concorrência (inclusive dos videogames) e a fábrica fechou as portas.

Só recentemente a marca Brianezi foi retomada, em novo modelo de negócio e com os distintivos das seleções mundiais atraindo novos jogadores e os antigos colecionadores, como conta Alexandre Badolato, atual diretor da Brianezi e CEO da AB Participações.

“Eu conheci a Brianezi às vésperas da Copa do Mundo da Argentina. Foi a Copa que motivou meu pai a trazer os botões para casa naquela época. Tenho a Alemanha e a Holanda que ganhei naquela época até hoje, mais de 40 anos depois”, conta Badolato, responsável por recolocar no mercado o legado da marca fundado por Paulo Brianezi (morto justamente no ano daquele mundial de 1978).

Foi em um carnaval de 2016 que Alexandre Badolato reencontrou seus botões antigos e ficou curioso sobre o destino da marca. Dois anos depois deu os primeiros passos para reativar a marca com a permissão do filho do fundador, Lúcio Brianezi. Para não repetir os problemas com os clubes, as seleções foram o foco na retomada do negócio. ““Não existe direito autoral sobre bandeira de país”, diz Alexandre.

Além dos escretes dos mais diversos países, o novo administrador da marca decidiu ir em busca de times que eventualmente topassem ceder direitos para manter viva uma prática “cultural” e em risco de “extinção”. “Eu digo que está em extinção porque tem muita gente que joga, mas a maioria está na faixa dos 50 e 55 anos. Molecada jogando é exceção da exceção”, comenta Alexandre.

Quando a Brianezi voltou à ativa, no meio da pandemia, foram lançadas 48 seleções, incluindo algumas de países já extintos e que estavam no catálogo original da empresa fundada em 1972. Para a Copa do Mundo de 2022, a empresa lançou uma série limitada com apenas mil caixinhas na cor grená.

“Mas sem referência a FIFA nem nada, e a gente colocou as 32 seleções que estão na Copa para que a gente pudesse ter uma coisa colecionável”, conta o administrador. “A seleção que a gente mais vendeu desde que a gente voltou foi a do Uruguai”, conta.

Disputa com amigos ou em ligas

Mesmo com as mudanças tecnológicas o futebol de mesa mostra resiliência. O país tem atualmente oito modalidades oficiais e recebeu em outubro, na cidade de São Paulo, um campeonato mundial de futmesa para três dessas regras.

Por isso, os atletas federados já têm sua própria Copa do Mundo, Campeonato brasileiro e Copa do Brasil. Mas o cenário das ligas e disputas de garagem muitas vezes prefere ignorar o circuito oficial e apostar no lado lúdico, criando suas próprias competições informais e nem por isso menos disputadas.

Usando botões semelhantes aos da Brianezi, um grupo de Mogi da Cruzes (São Paulo) vai reproduzir neste sábado (3) sua própria Copa com direito a presença das tais exceções apontadas como raras no meio.

“Como não temos (atletas) profissionais no grupo, abrimos e incentivamos os iniciantes a jogarem com a gente, inclusive nosso último torneio de dezembro terá um só para os garotos de até 15 anos”, conta Rodrigo Barreira, um dos fundadores do Clube de Futebol de Botão Gaspar Vaz.

Atualmente os cerca de quarenta frequentadores do grupo se reúnem em eventos temáticos: neste ano já disputaram versões da Champions League e da Libertadores. Só que, ao contrário das competições de futebol, os botonistas costumam resolver todas as etapas e rodadas da competição em um mesmo dia, saindo do local já carregando taças e medalhas.

No Rio de Janeiro, a Argentina venceu a Copa do Mundo organizada na garagem da casa de um dos integrantes da Turma Toque Toque (TTT). "A Argentina venceu nos penais depois de 5x5 no tempo normal e 1x1 na prorrogação", conta Alexandre Schmitt, que também mantém um canal no YouTube com curiosidades sobre o futebol de botão.

Atualmente a TTT reúne 15 sócios. "Pagamos uma anuidade. O dinheiro arrecadado banca a brincadeira, premiações, lanche e brindes. Geralmente jogamos no último sábado do mês e convidamos uma pessoa de fora da liga por etapa para jogar. Geralmente por indicação de algum sócio”, conta Schmitt.

Em Salinópolis, no Pará, uma disputa entre 12 seleções terminou com o título da Alemanha por 2 x 1 sobre a Alemanha na copa do grupo Salinas Futebol de Mesa. O ponto comum entre a vitória da Argentina no Rio de Janeiro e a dos alemães no norte do país foi o uso de uma "bola quadrada": o dadinho.

Gabriel Lisboa conta que o Salinas se reúne para treinos semanalmente. "Nosso espaço é uma sala cedida por uma tia minha. Hoje temos um ranking que é disputado uma etapa por mês, e mantemos uma rotina de treino todas as terças-feiras. Os campeonatos temáticos surgiram esse ano na nossa liga, com a Champions League e agora a Copa do Mundo", conta Lisboa.

Solitária? Tiktokers seguem 'Copa dos reciclados'

Há ainda um outro universo muito comum entre os "copeiros" do futebol de botão: jogadores que disputam campeonatos inteiros sozinhos, alternando-se no controle de cada time.

Mas para Vitor Cezar Pontes Simões, o Tico, jogar sua primeira Copa do Mundo sem ter um oponente não significa estar sozinho, e sim uma forma de terapia e encontrar amigos. Os números de seguidores no Instagram e no Tik Tok na verdade agora são de apoiadores em sua luta contra um quadro de agorofobia, depressão e ansiedade.

"Certo dia eu tive uma crise muito grande aqui em minha casa, e desse dia então não consegui sair mais. E o que me ajudou e ajuda muito é o futebol de botão, nessa brincadeira eu busquei auxílio para minha recuperação, é a minha terapia", conta Tico, que mantém a nada solitária Liga Sensação.

"Os seguidores e meus colegas botonistas começaram a me questionar sobre a Copa do Mundo, se eu iria fazer. No começo fiquei relutante, pois só queria ter meus times nacionais mesmo. Então, em uma das longas madrugadas sem dormir por causa da ansiedade, me veio a ideia de criar uma Copa do Mundo com botões recicláveis", conta o morador de São Vicente.

Desde abril ele começou a produzir times com tampas de leite, de refrigerante, de lubrificantes automotivos e ainda de outros tipos de embalagens.

"A Copa da Liga Sensação começou no mesmo dia da Copa do Mundo da FIFA. Os jogos estão sendo transmitidos ao vivo pela página no TikTok (@ligasensacaodefutbotao), todos os dias às 20 horas, com pico de até 500 pessoas assistindo", conta Tico.

Para o cartola da Liga Sensação, os números representam "grandes resultados", mas o mais importante vai além: "mostrar uma antiga brincadeira para uma geração que nunca sequer viu o futebol de botão. É fantástico o entusiasmo das crianças e adolescentes nas lives", resume Tico.
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