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Notícias / Política

04/08/2023 às 08:15

MODELO DESATUALIZADO

Leitão crítica processo de demarcação de TI e destaca que produtores são criminalizados da 'noite pro dia'

O estudo de delimitação da Terra Indígena (TI) Kapôt Nhĩnore deve atingir os municípios de Vila Rica e Santa Cruz do Xingu em MT

Alline Marques

A publicação do estudo de Identificação e Delimitação da Terra Indígena (TI) Kapôt Nhĩnore, que atingirá os municípios de Vila Rica e Santa Cruz do Xingu em Mato Grosso, tem causado uma intensa movimentação da classe política, mas também gerou preocupação nas entidades ligadas ao agro. O presidente do Instituto Pensar Agro, Nilson Leitão, que conhece bem a realidade do estado, considerou a decisão totalmente unilateral e fez duras críticas também ao modelo atual de demarcação de TI no Brasil, além de destacar que produtores passam a ser criminalizados da ‘noite para o dia’.  

“Esse modelo da legislação brasileira a gente tenta mudar há muito tempo, porque ele é sórdido, traz um impacto socioeconômico pesado. E mais que isso, essa situação é ruim porque não é democratizado o rito da demarcação. É  um estudo baseado em apenas uma narrativa. Um antropólogo faz o laudo e depois disso é que a Funai homologa e publica o estudo como verdadeiro de forma unilateral. Até este período, nenhum produtor, município ou sociedade organizada não tem participação e nem conhecimento e nem é ouvido no processo. É totalmente unilateral, um problema grave”, declarou em entrevista ao Leiagora

O ex-deputado federal foi relator da CPI do Incra e da Funai e autor da PEC 215, que visava mudar justamente o regramento atual, incluindo dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. Porém, a proposta acabou sendo arquivada na Câmara Federal em 2003. 

Por meio do Instituto, Leitão orienta agora a bancada, tanto de Mato Grosso, quanto do Pará - estados que serão afetados pela demarcação - sobre as medidas a serem tomadas. Ele explica que somente após a publicação do estudo no diário oficial de Mato Grosso é que inicia-se o prazo de 90 dias para que haja a defesa, que deverá reunir os 201 produtores afetados pela demarcação. 

Os produtores e os municípios devem contratar um antropólogo para contrapor o estudo homologado pela Funai e, quando concluído, a própria entidade irá analisar o pedido. Porém, historicamente, nunca houve um revés na decisão de demarcação, o que acaba judicializando o fato. 

“Assim que ele terminar e ingressar com a defesa administrativa na Funai, quem vai julgar esse relatório é o próprio antropólogo que fez esse estudo para Funai. Então, o mesmo que afirma que precisa demarcar é quem julga a demarcação, totalmente contaminado na defesa que é outro grande problema. A partir daí passa pelo Ministério da Justiça, caso o antropólogo não acate, e não vai acatar porque nenhum laudo desse foi acatado, historicamente, vai para decreto presidencial e vira um tema judicializado”, explicou. 

O maior problema está no fato de que assim que publicado o estudo, os proprietários rurais ficam impedidos da comercialização de produtos rurais, as áreas ficam suspensas de buscar financiamento, o que acaba por gerar impacto social. 

“Se esse dinheiro não está circulando, o município sente a ausência desse recurso e vai causar empobrecimento da região, antes mesmo de concluir o processo. Já colocou sob suspeição aquela área, todos esses proprietários, alguns que estão lá há 25 anos e lembrando que essas áreas são documentadas, elas possuem escrituras”, explicou. 

Leitão aponta ainda que quando se trata de área indígena o que ocorre é uma expropriação, ou seja, as pessoas apenas são retiradas de suas terras. No entanto, vale destacar que pelo processo atual, todos que tiverem de posse os títulos e escrituras devem ser indenizados.

“Os impactos são os piores possíveis, sociais, econômicos, humano, em todos os sentidos, como em todos em casos houve, até mesmo casos de suicídio, porque não é apenas a terra, você está perdendo uma história. É da noite para o dia, a insegurança jurídica é algo gritante, por isso falamos sempre que a lei precisa ser mudada, se não mudar, não resolve”, finalizou.

Sobre a área

O estudo de identificação e delimitação da área foi publicado no diário oficial da União no dia 28 de julho e trata-se de um compromisso de campanha do presidente Lula com o cacique Raoni. O anúncio, inclusive, foi realizado durante  um evento convocado pelo Cacique Raoni Metuktire na Aldeia Piaraçu (MT), com a presença de lideranças indígenas de todo o país e autoridades. Participaram a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a presidenta da Funai, Joenia Wapichana, e o secretário Especial de Saúde Indígena, Weibe Tapeba, entre outros convidados. 

A presença de Lula era esperada, mas ele cancelou a agenda por conta de uma cirurgia no quadril, mas ainda assim recebeu uma cobrança, por meio de uma carta enviada pelo cacique Raoni relembrando de seu compromisso com os povos originários. Esta é uma área que já está em fase de estudo há cerca de 20 anos, conforme informações divulgadas pela Funai. 

A TI Kapôt Nhĩnore possui uma superfície aproximada de 362.243 hectares e é considerada um local sagrado para os povos de ocupação tradicional Yudjá (Juruna) e Mebengokrê (conhecidos como Kayapó). O território está localizado nos municípios de Vila Rica e Santa Cruz do Xingu, no Mato Grosso, e São Félix do Xingu, no Pará.



 
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