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Notícias / Agro e Economia

04/10/2020 às 14:21

Pecuaristas criticam ONG's e legislação ambiental que impedem 'fogo frio' no Pantanal

O produtor alega que a política ambiental adotada nos últimos 30 anos é a grande responsável pelos incêndios e critica as ONG's

Edyeverson Hilario

Pecuaristas criticam ONG's e legislação ambiental que impedem 'fogo frio' no Pantanal

Foto: Edyeverson Hilário / Leiagora

Com centenas de focos de incêndio, o Pantanal mato-grossense queima há mais de três meses. As chamas que começaram em diversos pontos do bioma está descontrolada e já consumiu quase 2 milhões de hectares de mata. Impacto que na visão de pantaneiros poderia ter sido evitado, se eles pudessem fazer a limpeza do Pantanal, como era de práxis anos atrás.
 
Segundo o relato, os pantaneiros, que lá nasceram ou que lá se tornaram, tinham o hábito de realizar o chamado “fogo frio”, que é uma espécie de queimada, feita em locais específicos do Pantanal. O objetivo era diminuir a quantidade de matéria orgânica da região. A ação era realizada no início ou próximo ao término do período chuvoso e, assim, havia menos chances de fugir do controle dos pantaneiros.
 
O fogo era usado para queimar os resíduos que ficam no solo. Folhas secas, galhos de árvores, gravetos, ervas daninhas e até restos de animais. O que dificultava a possibilidade de incêndios, como tem ocorrido nesse ano. Com o uso controlado, eles limpavam o pantanal, o que fazia com que a região tivesse áreas limpas e consecutivamente, uma grande quantidade de animais pastando.
 
“Quando o pantaneiro usava o fogo, era para proteger desse que tem agora. Nos primórdios usavam o fogo frio em dezembro, janeiro ou então em abril, maio. Faziam com muita clareza e dava tudo certo”, recordou o pantaneiro, pecuarista e médico veterinário aposentado, Cristóvão Afonso da Silva.
 
Ele afirma que esses incêndios ocorreram de forma acidental e que estão imputando aos pecuaristas o fato do pantanal estar queimando. “Isso é uma enganação. Ninguém pôs fogo. Ninguém é louco de fazer um negócio desses. Quem é louco de queimar comida. Como que você vai queimar a sua propriedade, que é o sustento do seu gado?”, rebate o pecuarista. Ele sustenta ainda que esse fogo ocorreu na hora errada, diferente do que os pantaneiros faziam.
 
Cristóvão conta que está reunindo entidades representativas e, também, os pantaneiros para tentar mudar as leis da região de acordo com a realidade do Pantanal. Eles têm o desejo de “voltar a limpar o pasto, fazer fogo frio e a ter criação de gado em grande intensidade”. Segundo ele, o último é fundamental para “combater” a matéria orgânica que tem em excesso no pantanal.
 
O pecuarista alega que a política ambiental adotada nos últimos 30 anos é a grande responsável pelos incêndios. “O pantanal era muito bem gerenciado sem a intromissão de ONGs e normas de governo. Quando o pantaneiro fazia isso sozinho, fazia muito bem”, relata.
 
As “sujeiras” – como ele chama as ervas daninhas da beira da estrada -, em sua opinião, não deveria existir. Contudo, eles não podem mexer, devido ao risco de tomar multa. “Os ambientalistas acham isso aqui bonito. Isso é horroroso, acaba com a natureza. Acaba com o pantanal. Bicho nenhum gosta disso. Isso só é bom para matar. O carro passa e atropela o animal. Se fosse limpo não morria”, desabafa.
 
Ele alega que um levantamento do número de animais mortos na beira de estrada, feito pelo Sindicato Rural de Poconé “aponta que onde a estrada é limpa, você não vê bicho morto. Eles têm a visão da estrada. O pantanal é limpo, são campos e cordilheiras. Isso era tudo limpo”, conclui.
 

                                                        Mato às margens da rodovia - Foto: Edyeverson Hilario
Com os incêndios e os olhos de todos os brasileiros voltados para o Pantanal, Cristóvão diz que espera que o viés político seja tirado da Lei do Pantanal, para que haja manutenção do bioma. “Se fizerem uma lei dentro do bioma do pantanal, em específico, o Pantanal está salvo, se não, está morto”, afirma. Ele ainda observa que muitas pessoas estão indo embora da região, por não conseguirem produzir e viver lá dentro.
 
Na opinião do pecuarista Breno Dorileo, se não houver mudança na lei, as perspectivas para o futuro do Pantanal não são boas. “Hoje já é preocupante o estado e para o futuro é ainda mais”, desabafa.
 
Com 46 anos, o pecuarista assumiu a gestão da fazenda da família após a morte do seu pai. Ele e a sua mãe são quem cuidam de tudo na fazenda. Segundo ele, o maior problema que enfrentam é a proibição de limpar o campo.
 
Quanto a isso, esclarece que quando eles falam em limpeza, não está defendendo a retirada de árvores. Pelo contrário, “aquilo ali são as cordilheiras. A parte aonde estão as árvores ninguém mexe. Nada mexe. Agora esse campo nativo precisa ser limpo, isso é só sujeira. Isso são ervas daninhas”, explica ao dizer que parte da vegetação do Pantanal não serve para nada e que precisam ser tiradas.
 

                                                                                                                                                          Foto: Edyeverson Hilário
Ainda conta que as cordilheiras, que são áreas de árvores e de campo são os espaços em que “pasta o veado, capivara, o boi, o porco, a anta, as queixadas, aonde tem harmonia entre os bichos” e, que devido à proibição do fogo frio, esses espaços estão cada vez mais escassos. “Tem lugar que você não anda”, justifica.
 
Ele desabafa que os pecuaristas da região têm recebido duras críticas e estão sendo taxados como criminosos, mas que eles são “o inimigo número um do fogo nessa época. Esse fogo agora é cruel para o Pantanal, para a pecuária. O que o gado vai comer? Pode dar o melhor sal do mundo, eles não têm nada para comer. Demora uns 10 anos para construir um solo, você vai queimar ele?”.
 
É importante pontuar que diferente de outras regiões do Estado, a maioria dos pecuaristas do pantanal trabalham com o sistema de cria e de forma extensiva, ou seja, trabalham apenas com reprodução de animais e não fazem o uso rações na alimentação do gado. Assim, eles vendem o gado quando estão ainda filhotes.
 
                                                                                                      Foto: Edyeverson HIlario
Tipo de manejo que fica comprometido, uma vez que a alimentação do rebanho depende exclusivamente do pasto, quando muito, do sal mineral, que serve para suplementar a alimentação do gado.
 
A proibição da limpeza do bioma, também é criticada por Jovandil Luiz, de 42 anos. Nascido e criado na região, o gerente da fazenda São José da Beira, mais conhecido como Buiu, recorda que desde criança conhece as fazendas. Ele acompanhava seus pais nos trajetos. “Era lotado de gado, limpo. Não tinha fogo assim”.
 
Realidade diferente do que ele vê hoje. Buiu conta que diariamente andava quilômetros no lombo de cavalo e que por isso, conhece toda a região. Mesmo pequeno, acompanhava sua mãe quando ela ia cozinhar nas fazendas. À frente de uma propriedade que fica as margens da Transpantaneira, em Poconé (a 175km de Cuiabá) ele defende que “Deus já pôs o homem pantaneiro para cuidar do Pantanal. Conheço o Pantanal dos meus avós, bisavô. Esse não é o Pantanal que me criei”, afirma.
 
Ele critica que nesse período “não tinha ONGs para botar ordem. Hoje as ONGs que quer mandar no Pantanal. Acho que cada um tem que cuidar da sua casa. O homem pantaneiro cuida do Pantanal e eles tem que cuidar de outras coisas, de um jeito que não prejudique o Pantanal. Fica bom para todo mundo”.

                                                                                                     Foto: Edyeverson Hilario 

Segundo ele, tem lugares que há uma década havia muitos animais e hoje está irreconhecível. “Sujou demais. Se você voltar de novo, fica perdido. Pombeiro vai encontrando um no outro. Cambarasá, pombá, aí não dá. Aí não tem bicho”, sustenta.
 
Relata que trabalhou em fazendas que eles contavam “rebanho de 50 anhuma, capivara via rebanho de 50. Hoje não vê, acabou as capivaras, acabou tudo. Não tem mais. Está sujo demais, sujeira. Ninguém gosta disso aí. Bota o povo das ONGs para dormir na casa suja, vamos ver se eles querem”.
 
Crítica que não querem deixar tirar as moitas que nasceram no campo. “As fazendas aqui do pantanal antigamente era toda cheia de porco monteiro, hoje não tem mais. Era demais de porco monteiro, queixada, tudo foi acabando, foi sujando. Não tem mais gado, foi sujando”, relata.
 
Em sua avaliação, do jeito que o Pantanal vai indo não vai durar muito tempo. “No máximo 15, 20 anos e acaba tudo. Por causa de não limpar mais. Não pode mais”. Sustenta que os animais gostam de ficar no meio do gado. Que por eles serem maiores, se sentem mais seguros. Os porcos e capivara ficam no meio do gado. Então se o gado correu, os bichos sabem que vem vindo alguma coisa. Ou é onça ou é nós cavaleiro, vaqueiro, alguma coisa. Aí eles vão caçar jeito de esconder”, explica.
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