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Notícias / Entrevista da Semana

12/09/2021 às 09:00

Psicóloga fala sobre formas de ajudar crianças e adolescentes com sofrimento psíquico

Leiagora entrevistou a psicóloga Andréia Freitas, que faz parte do grupo de profissionais que atuam no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Capsi Adolescer)

Angélica Callejas

Psicóloga fala sobre formas de ajudar crianças e adolescentes com sofrimento psíquico

Foto: Foto: Arquivo Pessoal / Arte: Leiagora

O Setembro Amarelo, Mês de Prevenção ao Suicídio, tem como foco o debate sobre as formas de cuidado com a saúde mental, também uma questão de saúde pública. Neste cenário pandêmico, especialistas têm notado um triste dado, o aumento de tentativas ou casos concretos de autoextermínio por crianças.

Falar sobre o suicídio ainda pode ser considerado um tabu em muitas culturas, mas colocar o assunto em pauta é uma das formas de auxiliar quem está em sofrimento. 

Sobre isso, 
Leiagora entrevistou a psicóloga Andréia Freitas, que faz parte do grupo de profissionais que atuam no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Capsi Adolescer), auxiliando crianças e adolescentes a lidarem com o sofrimento psíquico.

O Capsi é um serviço público de saúde mental, oferecido através do Sistema de Saúde Pública (SUS), ou seja, é gratuito e atende à toda sociedade. 


Leiagora - Por que falar sobre o suicídio?

Andréia Freitas - O suicídio é um fenômeno complexo, que se constitui num grave problema de saúde pública. Então se faz necessário falar sobre essas questões para mobilizar a ampliação de estudos, de programas de prevenção mundial relacionadas a essa temática. E eu compreendo também que falar de morte é muito difícil, principalmente quando se trata de autoextermínio. Por muito tempo essa questão do suicídio foi considerada tabu. Então, falar sobre propicia às pessoas procurar outros escapes para o seu sofrimento psíquico, auxilia essa pessoa a refletir a sua dor e as decisões de enfrentamento, de que elas não estão só, que existem outras alternativas para que elas consigam se expressar e se colocar diante desse sofrimento.


Leiagora - Você vê um índice de tentativa de suicídio maior entre as crianças e adolescentes?

Andréia Freitas - O que a gente observou, aqui no Capsi, foi um aumento, principalmente nessa pandemia em que nós estamos inseridos. Aumentou muito significativamente os casos entre adolescentes. O que a gente percebe aqui é a idade. Antes a gente tinha adolescentes acima de 14 anos. Hoje nós temos crianças de 10 anos com tentativas de suicídio. Então nós percebemos que reduziu a idade, diminuiu, e houve um aumento muito significativo entre crianças e adolescentes.

Leiagora Como o tratamento psicológico influencia nesses casos?

Andréia Freitas - É fundamental esse apoio psicológico nessas tentativas, para poder propiciar ao sujeito um espaço de acolhimento e tratamento. Onde ele possa ser escutado com atenção. Porque a gente fala dessa escuta com atenção e com neutralidade ativa, sem críticas ou julgamentos, e considerando também que, ao falar, o sujeito traduz essa angústia em significantes. Quando o sujeito não utiliza as palavras, ele tende a ser impulsionado a expressar esse mal estar em seu próprio corpo. Isso acontece pelo fato do nosso corpo ser sensível ao significante, que são as palavras. Então, quando o corpo é oferecido para esse fim, ele torna a fala em ato. Quando ele não fala, ele torna isso em ato, que a gente considera como fala atuada no próprio corpo.

Nós temos como exemplo esses casos de automutilação, com cortes nos braços, nas pernas, que é o que a gente mais tem acompanhado com as crianças e adolescentes. E o ato que é considerado mais agressivo de todos é o suicídio. Então quando a gente convida, no tratamento psicológico, a gente convida esse sujeito a falar, isso permite que ele não somente possa falar sobre a morte ou desejo de eliminar a sua dor através da escolha do suicídio, mas, sobretudo, ele acaba falando sobre a vida e do que tem sido insuportável para ele nesse momento.

Leiagora - A automutilação é um indício de que a criança ou adolescente pensa em cometer suicídio?

Andréia Freitas - Sim. É um indício. Porque já mostra que ele tem um sofrimento intenso, que ele não consegue por palavras nesse sofrimento, e ele expressa no corpo, que é essa fala atuada.

Leiagora - Sobre o cyberbullying: existem maneiras de prevenir?


Andréia Freitas - Existe, sim. O que a gente aqui mais trabalha no Capsi... Não tem como a gente falar de crianças e adolescentes sem inserir a família, o cuidador. E é fundamental que os pais propiciem aos filhos uma relação de confiança e abertura para o diálogo.

Inserir nesse ambiente familiar discussões acerca da utilização da internet e como isso pode impactar no desenvolvimento cognitivo, social. Os pais devem fazer esse acompanhamento frequente quanto ao uso da internet pelo filho, de fazer com que as crianças, os adolescentes, eles pensem antes de publicar. Então trazer essa discussão, esse diálogo para dentro do lar, e abordar com as crianças também, os adolescentes, o risco que existe no mundo virtual.

A internet é algo benéfico, mas também existem malefícios. Existem esses riscos. Então, orientar para não aceitar pedidos de amizades, de conversas de estranhos. Ensinar as crianças e os jovens a identificar o cyberbullying. Porque muitas vezes eles nem dão a devida importância. Recebem mensagem, encaminham a mensagem, e muitas vezes não se atentam de que esse é um caso de cyberbullying. E aí, quando a situação se agrava, às vezes fica até difícil uma intervenção.

Então quando essa criança, esse adolescente está bem orientado quanto a isso, é uma forma de apoio para evitar, algo preventivo. E evitar também expor. Conversar com eles para evitar expor informações pessoais, como vídeos, fotos, que podem ser utilizados para montagens maldosas. Adolescentes têm muito de confiar em amigos, fornecer senhas, aquela troca, relação de confiança. Então fazer esse tipo de orientação e falar mais sobre a existência desse espaço que está tão real e significativo na nossa realidade.


Leiagora - E caso já tenha acontecido?

Andréia Freitas - É importante estar sempre atento às mudanças de comportamento de humor das crianças e adolescentes. Isso pode ser observado através do isolamento social, ele começa a não querer mais estar envolvido no meio das pessoas, fica mais fechado, retraído. Apresenta baixo rendimento escolar, o humor fica mais reprimido. Em questão da auto-estima, fica com baixa estima. Aquela coisa de valorização, desvalia do próprio corpo. Uma tristeza mais exacerbada e até mesmo evidencia a questão dos pensamentos suicidas. Então tudo isso é importante investigar, porque caso a criança apresente esses comportamentos, essas questões, pode estar ocorrendo, sim, o cyberbullying.

Leiagora - Se nós, pessoas comuns, formos procuradas por quem precisa de ajuda psicológica, como proceder?

Andréia Freitas - Inicialmente é importante oferecer apoio. Dizer: “Olha, estou aqui. Vou te apoiar.” Compreender que o sofrimento dessa pessoa, sem julgar, sem banalizar e jamais ficar oferecendo conselhos. Então, a orientação é para procurar ajuda de profissionais de saúde mental. Caso necessário, acompanhá-lo até um serviço de atendimento. Porque dessa forma ele acaba se sentindo mais confortável e seguro, tendo alguém para acompanhar ou procurar uma rede de apoio dessa pessoa ou familiar, amigo que seja de sua confiança. Informar sobre o acontecimento, sobre o fato. E também nós temos os serviços de saúde, como o Caps. Encaminhar para as unidades básicas de saúdes, as UPAs e até mesmo CVV através do 188.

Leiagora - E se esse adolescente, essa criança já tentou recorrer aos familiares e próximos, porém não conseguiu ajuda?

Andréia Freitas - É importante buscar a rede de proteção da criança e do adolescente. No caso, acionar o Conselho Tutelar e informar sobre o ocorrido. E aí, tem essas orientações dessas unidades de saúde que eu falei anteriormente. Mas essa rede de proteção da criança precisa ser informada. Em muitos casos aqui, que a gente recebe... Tem até casos de adolescentes que estão aqui, que têm amigos que estão passando por essa situação, mas a família não compreende. Então um responsável, um adulto, traz até o Capsi. Porque a criança, para poder ser inserida aqui no Capsi, precisa estar acompanhada de um adulto, um maior de 18 anos. E nós fazemos esse contato com a família, com o Conselho Tutelar. A gente envolve toda esse rede de proteção da criança e do adolescente. Então o Conselho, principalmente, precisa ser informado.

Leiagora - Se essa criança já tentou esse meios e ainda sim não foi escutada?

Andréia Freitas - Ela pode vir ao Capsi. Não que ela não vá ser escutada por não vir com um familiar ou alguém [adulto]. Mas ela pode vir e aí nós vamos fazer esse papel, essa ponte. Procurar essa ponte. O serviço de saúde é essencial. Seja onde for, a criança e o adolescente pode procurar para estar sendo inserido.

Leiagora - Por fim, gostaria que explicasse como funciona o CAPS infantojuvenil; as formas de acesso ao atendimento; como funcionam as consultas; se é necessário desembolsar algum valor; e, caso não consiga acesso, qual outro meio?

Andréia Freitas - O Caps atende conforme as diretrizes do SUS e da política nacional de saúde mental, baseado na portaria 336 do Ministério da Saúde na portaria 3088 e tem como objetivo oferecer o cuidado à criança e ao adolescente. Então, inicialmente, para acolhimento, nós atendemos adolescentes até 17 anos e 11 meses, que são moradores do município de Cuiabá, que possuem um transtorno mental de desenvolvimento moderado a severo, decorrente ou não do uso de substâncias psicoativas. Que tenha prejuízo familiar, social, escolar.

Então a pessoa, a criança ou adolescente com sofrimento de caráter intenso a severo, eles são acolhidos aqui no Caps. E esse acesso se dá de forma espontânea. O Caps não precisa de encaminhamento ou agendamento. É só vir até a unidade, é feito inicialmente aqui o acolhimento. Aqui nós fazemos assim: um técnico faz a escuta da família, outro técnico a escuta da criança, do adolescente. Ou faz a escuta juntos, isso varia muito, depende de cada situação. E é feito o acolhimento, onde a gente faz a escuta dessa demanda, qual é o sofrimento, avalia os prejuízos que essa criança apresenta. E depois nós discutimos o caso em equipe. Aqui nós trabalhamos com uma equipe multiprofissional... Nós temos psicólogos, enfermeiras, assistente social, psicopedagogos, educador físico, fonoaudiólogo, redutor de danos.

A gente faz um estudo de caso e avalia se esse adolescente, essa criança, tem prejuízos significativos, tem um sofrimento psíquico de caráter grave a severo e ele passa a ser inserido para atendimento aqui no Capsi.

É elaborado um projeto terapêutico singular. Então assim, dentro daquele caso, como é que vamos trabalhar com aquele adolescente? Então a gente traça todo um projeto terapêutico singular e a equipe multi trabalha com oficinas, com grupos, com atendimento individual. Temos médicos psiquiatras aqui também. Caso não seja uma demanda para atendimento em Capsi, nós fazemos os devidos encaminhamentos. A gente encaminha para atendimento ambulatorial, que hoje o ambulatório de saúde mental funciona dentro das policlínicas do Coxipó, Planalto e Verdão. E na parte da psiquiatria no HMC, que é o que nós temos hoje. O Capsi funciona através do SUS, e não tem custo nenhum para o usuário.


Leiagora - Quando são encaminhados para o ambulatorial?

Andréia Freitas - Quando ele apresenta um sofrimento que nós não consideramos como grave a severo. É um sofrimento que é possível que ele fale sobre isso dentro de um espaço de ambulatório. Não tem essa necessidade da equipe multi. O Capsi é para esses casos graves, que precisam ser acompanhados por uma equipe multiprofissional.

Leiagora - Fale um pouco mais sobre o Capsi.

Andréia Freitas - O Capsi precisa aparecer mais, porque as pessoas não sabem sequer que ele existe. É um serviço gratuito, e aqui a gente atende toda a classe social, temos adolescentes da classe média, alta e baixa. É para atender toda a população.

Cuiabá tem dois Capsi. O nosso, o Capsi AD, é municipal. Antes, o nosso Capsi atendia somente crianças e adolescentes em uso de substância psicoativa, álcool e drogas.

Em 2018, começou o processo para inserir transtorno mental também. Então, hoje somos o Capsi que atende transtornos mentais e usuários de substâncias psicoativas.

E tem a gestão estadual, que fica no anexo do Adauto Botelho, que atende crianças e adolescentes somente com transtorno mental. Olha só, numa capital, nós temos esses dois Capsi e ainda sim existem pessoas que não têm essa informação.

 
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