Cuiabá, sexta-feira, 10/05/2024
17:32:05
informe o texto

Notícias / Entrevista da Semana

24/10/2021 às 09:37

Enem e os desafios para a melhoria de aprendizado dos alunos na pandemia

Professor Carlos Leão fala de retorno 100% presencial, adaptações necessárias no ensino e até dicas para a redação do Enem

Priscila Mendes

Enem e os desafios para a melhoria de aprendizado dos alunos na pandemia

Foto: Foto: Divulgação / Arte: Leiagora

Esta semana, a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso convocou os alunos para retorno às aulas 100% presenciais. Tal medida gerou debates acerca da viabilidade, ora sob a perspectiva do fim do distanciamento social, ora pelo fato de o ano letivo estar no final.

Por outro lado, as escolas privadas já vivenciam há algum tempo o ensino presencial, permitindo aulas remotas conforme preferência dos pais e responsáveis e, com o avanço da vacinação, também convocaram os alunos para a presencialidade.

Ainda não se pode mensurar os impactos gerados pela pandemia na aprendizagem, mas, de antemão, viu-se uma redução de quase 2,4 milhões de inscritos no Enem 2021, em comparação ao número de inscritos em 2020: 5,8 milhões. Inclusive, as inscrições de 2020, longe de ser a maior concorrência que o exame já teve (ano de 2014, com 8,7 milhões), registraram uma abstenção de 55%.

O diretor-geral do Colégio Maxi, professor Carlos Leão, é reconhecido como referência no preparo de alunos para o Enem e o acompanhamento pedagógico dos estudantes. Uma semana depois do Dia dos Professores, ele os chama de “verdadeiros heróis” e faz uma análise sobre o Enem 2021 e o retorno presencial das aulas.

Confira a entrevista na íntegra:

Leiagora - O Enem já tem data, teve o menor número de inscritos desde 2005 e, neste fim de pandemia, qual a perspectiva sobre esse exame? Os alunos brasileiros estarão preparados, depois de um ano e meio de altos e baixos na Educação?

Professor Leão -
É difícil fazer essa afirmação de maneira categórica, "eles estarão preparados"... Eu vejo que o número de inscritos já é uma demonstração da dificuldade que grande parcela dos estudantes encontrou com o ensino remoto, e a gente tem que entender, também, que muitas escolas tiveram dificuldades para essa proposição acontecer de maneira a garantir a adesão dos alunos às aulas on-line. Então, o número de inscritos já é uma demonstração de que grande parte dos estudantes não se vê preparado suficientemente para encarar a prova do Enem. Esse grupo que fez inscrição - e pode ser que haja um número menor ainda fazendo a prova, já que a abstenção é sempre grande - pode ser que esse grupo venha das escolas que se prepararam, que conseguiram fazer o ensino remoto de qualidade e, neste ano, vivendo o ensino híbrido, professores que conseguiram, também, mantê-los antenados, ligados nas aulas, mesmo com essa sistemática de rodízio.

Leiagora - Você entende que, nessa perspectiva, a diferença de aproveitamento entre as escolas privadas e as escolas públicas pode ser acentuada?

Professor Leão -
Eu não duvido que isso vá acontecer. Quando nós observamos os resultados do Enem do ano passado, que teve também uma abstenção de mais de 50% e que nos cursos mais concorridos a nota de corte subiu, isso se deve, talvez, em função do universo de alunos que fez a prova estar melhor preparado. Então, essa distância, esse fosso entre as escolas privadas e as públicas talvez aumente mais ainda em consequência da pandemia.

Leiagora - Quando você fala de preparo, você fala também de estrutura? Tecnologias, professores que tiveram mais condições de adaptar, com uso de equipamentos e laboratórios, para o sistema EaD?

Professor Leão -
Exatamente! Partimos da estrutura necessária para fazer essa aula acontecer, mas a estrutura dos estudantes também para receber essas atividades. Uma plataforma que seja dimensionada para um ensino remoto, a formação de professores para essa nova sistemática... Não é a mesma aula reproduzida no vídeo. O professor precisa também de uma formação para que possa fazer uma aula de qualidade, que tenha aderência no projeto de vida dos estudantes que estão recebendo aquela aula em casa. É um conjunto de fatores que leva a essa problemática que a gente está falando aqui.

Leiagora - Como você avalia a adaptação dos professores, do ponto de vista geral, para aulas on-line e para o sistema híbrido?

Professor Leão -
Os professores foram verdadeiros heróis nesse processo todo. Porque, de maneira muito pronta, eles estavam dispostos a fazer a aula acontecer. É claro que as escolas privadas, até por uma estrutura física melhor, um aparelhamento para que essas aulas acontecessem, deu condições de formação para os professores trabalharem nessa nova sistemática. Então, os professores estavam ali preparados para levar a melhor aprendizagem para os estudantes. Mas precisamos sempre frisar que a instituição privada tem mais recursos ou até mesmo mais prontidão para levar esse processo de formação e de equipamentos, uma vez que os estudantes também têm condições de acessar a internet com qualidade, muitas vezes, as famílias para acompanhar esse aluno, as escolas privadas dispõem de orientadores educacionais para acompanhar as avaliações, as atividades... Tudo isso ajuda muito na permanência do estudante ligado nas aulas e, por consequência, sem desistência. O Estado está vivendo hoje uma verdadeira caça aos estudantes. Porque, mesmo voltando à sistemática presencial, como nós estamos assistindo aqui em Mato Grosso, a adesão dos estudantes ainda tem sido pequena. A crença de que, uma vez voltando presencial, todos os alunos já retornassem à escola, não aconteceu. Daí a necessidade de ir atrás dos estudantes, numa escola que seja cada vez mais aderente a esse projeto de vida, uma escola que seja cada vez mais significativa para aqueles estudantes que estão se preparando para o Enem.

Leiagora - Não tem como falar de Enem sem perguntar sobre temas da Redação. Nesse universo, segundo ano pandêmico e todas as questões econômicas, sociais e políticas, você pode projetar algumas pautas que podem cair?

Professor Leão -
Tentar adivinhar o tema da redação me preocupa, porque isso pode ser muito frustrante. Têm estudantes que vão com a redação pronta de casa: "me falaram que é esse o tema", "a prima da vizinha disse que será esse o tema". O que a gente tem observado ao longo desses anos do Enem é que os temas relacionados a questões sociais, culturais sempre ganham uma amplitude dentro dessa proposição. Então, em um ano como este, que nós estamos vivendo a questão da vacina, mas, mais do que isso, a importância nesse processo de salvar a humanidade... Talvez esteja aí um grande tema a ser observado. Mas eu não quero, com isso, criar expectativas. Primeiro porque, se eu soubesse desse tema antecipadamente, eu seria preso por divulgá-lo [risos]. Eu não sei qual vai ser o tema! O que eu diria para os estudantes que estão se preparando é ele pensar em grandes eixos temáticos. Dentro da Educação, existem grandes temas neste momento da pandemia. A questão ambiental também é um tema recorrente e importante, nós estamos vivendo uma crise hídrica! Energias alternativas... Para isso, a leitura é fundamental! E a gente aproveita para fazer divulgação do trabalho que vocês fazem: o quanto o Jornalismo é importante para manter os estudantes atualizados e com informações que sejam verídicas, para que possam identificar o que é fake news e observar que, dessa maneira, você não forma argumento, apenas forma achismo. E achar, todo mundo tem direito a achar, mas para argumentar, eu preciso ter sustentação, dados, informações corretas, estatísticas...

Leiagora - É possível mensurar o impacto na educação em razão da pandemia, do ponto de vista de aproveitamento dos alunos? Quais são os desafios para equilibrar o aprendizado de quase dois anos letivos?

Professor Leão
- Já têm muitos estudiosos se debruçando sobre esse tema. As consequências do isolamento social nas crianças, principalmente nos menores; os transtornos oriundos da dificuldade de socialização, por conta da necessidade do distanciamento; as consequências do ensino on-line... Nós ainda vamos levar um tempo para mensurar. Da nossa parte aqui, nós procuramos fazer avaliação diagnóstica para que tenhamos um termômetro desse processo. Inegável que vamos ter que retomar conteúdos, inegável que esse processo em espiral (ele avança na aprendizagem, retoma aprendizagem adquirida ou não adquirida)... e para isso é imprescindível avaliação diagnóstica, com dados precisos para que os professores possam fazer intervenções cirúrgicas nessas lacunas que porventura ficaram. Está cedo ainda para a gente dizer qual vai ser esse fosso. É no dia a dia que a gente vai observando, mensurando, fazendo aula de reforço, retoma-se conteúdos. E é super importante entender também que a nossa expectativa de aprendizagem nessas condições não pode ser a mesma expectativa de aprendizagem em condições normais de presencialidade 100% do tempo. Porque se nós não recalibrarmos nossa expectativa, vai ser muito frustrante. Olhar e pensar "esses alunos não aprenderam nada". Não se trata de "não aprenderam nada", eles aprenderam muito dentro desse contexto de pandemia. Cabe às escolas e aos professores olhar para essas lacunas e identificar, dentro da expectativa de aprendizagem, aquilo que é imprescindível, o que é relevante, aquilo que é importante para esse aluno ter progressão no ensino e, mais do que isso, para que ele possa progredir no mundo do trabalho futuramente, que possa exercer a cidadania... São questões importantes que a escola trata também.

Leiagora - Houve casos de pais que buscaram colocar o aluno novamente no início do ano letivo, repetir o ano. Como você avalia isso?

Professor Leão
- A retenção escolar nunca foi a saída. Se fosse a saída, a reprovação salvaria a humanidade. E não é dessa maneira. A reprovação leva não raras vezes à evasão. Porque o aluno vai se desmotivando a idade-série não corresponde mais, a expectativa de aprendizagem desse estudante também não se confirma na sala de aula, porque a idade-série já não bate... Eu não aconselharia fazer isso de maneira alguma. Temos que encontrar alternativas, para que tenhamos uma recuperação paralela à série que ele está fazendo. Não digo que isso seja fácil. As escolas privadas, dada à estrutura, é mais fácil de termos uma avaliação diagnóstica e poder trazer esse aluno no contraturno para fazer esse reforço para acompanhar a série em que ele está matriculado. Mas a retenção, não vejo como saída.

Leiagora - O contraturno seria, então, uma possibilidade para se pensar também no ensino público?

Professor Leão
- Com certeza. Eu não sou um especialista em educação pública, mas acredito que, quando falamos em uma escola de formação integral e período integral, tem a ver com isso. Que o aluno possa ter um período maior na escola, mas de aprendizagem significativa para esse estudante. Porque, se aquilo que ele estiver aprendendo não fizer nenhum sentido para ele, se não tiver aderência nesse projeto de vida que está se construindo, se descobrindo, esse aluno não vai ficar na sala de aula.

Leiagora - Nessa semana, a rede pública retornou 100% das aulas presenciais, dispensando o distanciamento social. Você avalia como válida essa iniciativa a cerca de 2 meses do fim do ano letivo?

Professor Leão
- Eu acho que sempre é possível resgatar esse estudante. Se o governo do Estado, por meio da Secretaria de Educação, entendeu que essa é a forma mais adequada, que trazer esse aluno para a sala de aula, uma vez que, no ensino on-line, ele não está participando das aulas, é o caminho. Eu não consigo ver que "são apenas dois meses", mas que, "puxa vida, ainda bem que temos mais dois meses pela frente". Aquela história do copo metade cheio ou metade vazio. Que bom que ainda há tempo para fazermos alguma coisa para esses estudantes, tentando trazer para a presencialidade, pro convívio, para a socialização, que, talvez, por meio da amizade, da força de um amigo, ele possa continuar seus estudos e não levá-lo a uma reprovação, uma retenção.

Leiagora - As escolas privadas tiveram evasão escolar em razão do sistema híbrido?

Professor Leão
- Aqui no Maxi, nós não tivemos evasão. O que nós fizemos: de pronto, tivemos uma plataforma que pudesse apresentar aulas com qualidade, professores bem preparados, acompanhamento por parte da orientação educacional, avaliações bem dimensionadas, um conjunto de fatores para que a gente pudesse garantir alunos engajados na escola. E não digo que foi fácil, não. Tivemos que contar com o apoio das famílias. Vários professores tiveram um desafio enorme, tiveram que se reinventar para uma proposta de ensino mais atrativa para os estudantes, parte na escola, parte em casa, no ano passado só em casa... Para as famílias também não foi fácil ter os filhos em casa, muitas vezes com equipamento que tem de ser dividido... A gente contou muito com o apoio das famílias. Sem essa participação, não teríamos tido êxito em garantir a permanência desses alunos aqui na escola.
Clique aqui, entre na comunidade de WhatsApp do Leiagora e receba notícias em tempo real.

Siga-nos no Twitter e acompanhe as notícias em primeira mão.


 

0 comentários

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do site. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
Sitevip Internet