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Notícias / Entrevista da Semana

21/11/2021 às 08:01

Políticas públicas para a população negra e combate ao racismo

Na Semana da Consciência Negra, Professor Carlão, presidente do Cepir/MT, propõe soluções para acabar com as diferenças sociais por raça

Priscila Mendes

Políticas públicas para a população negra e combate ao racismo

Foto: Divulgação / Arte: Leiagora

O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, em 20 de novembro, foi criado por lei federal em 2011, com a finalidade de marcar a data da morte de Zumbi - o último líder do Quilombo dos Palmares, o maior do período colonial - em 1695. Anos antes, em 2002, Mato Grosso já instituíra tal data, elevando, inclusive, a feriado estadual.

O dia é relevante para a comunidade negra, por entender ser mais significativa do que o ‘13 de maio’, data da promulgação da Lei Áurea pela Princesa Isabel, em 1888, lida pelo movimento negro como uma ação meramente formal, atendendo aos preceitos burgueses da época, sem prever, todavia, condições de vida para os negros libertos.

Por outro lado, o Dia da Consciência Negra está no mesmo mês de outros dois feriados nacionais - um católico e outro cívico. E, por esse motivo, repetidamente, há projetos de lei de alteração do status de feriado para ponto facultativo, pelo argumento de impacto econômico, especialmente próximo às vendas de Natal.

Professor Carlos Alberto Caetano, presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Cepir/MT) - biênio 2021 - 2023, conversou com o Leiagora sobre a data, sobre políticas públicas de combate ao racismo e sobre inclusão social da população negra, grupo mais vulnerável socialmente.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:


Leiagora - Está tramitando na Assembleia Legislativa de Mato Grosso um projeto de lei que torna ponto facultativo o feriado de Dia da Consciência Negra. Por que o movimento negro de Mato Grosso é contrário? Qual é a importância da data?

Prof. Carlão - O feriado é uma reparação histórica, porque ele é a culminância de todo um processo de discussão e de trabalho que vem sendo organizado no Brasil inteiro pelo movimento negro e ele acontece justamente no dia da morte de Zumbi dos Palmares, que é um dos maiores líderes que lutou pelo povo negro no Brasil. Mas o setor lojista argumenta que em novembro tem três feriados e portanto nós deveríamos ter um feriado facultativo. O entendimento nosso, do movimento negro, é que essa é uma da política de reparação. Ela não pode ser mexida e se tiver de mexer com algum tipo de feriado teria que ver os outros feriados. O Dia de Finados, por exemplo, que é um feriado nacional, para nós que acompanhamos a história da ancestralidade, também comemoramos o Dia de Finados no Dia de Zumbi.

Leiagora - Como combater o racismo em Mato Grosso?


Prof. Carlão - Nós entendemos que o caminho é implantando políticas afirmativas e de reparação. Para isso nós temos que ocupar os espaços políticos dentro dos partidos políticos, dentro de todas as instâncias de decisão de políticas públicas, acompanhar o processo orçamentário nos municípios, no Estado, de maneira que seja de fato aplicado o recurso em políticas de reparação.

Nós precisamos que educação escolar quilombola e a educação das relações etnico-raciais seja parte dos currículos escolares durante o ano inteiro e não só na data do 20 de novembro, do 13 de maio [assinatura da Lei Áurea] ou do 25 de julho, quando comemoramos o Dia de Tereza de Benguela. E nós entendemos que Mato Grosso, que é o estado onde já temos mapeadas 129 áreas de quilombo, inclusive com quilombos urbanos históricos, como é o caso de Vila Bela da Santíssima Trindade, que nós precisamos avançar na implantação de política pública. E é o trabalho que nós temos feito dentro do conselho. Temos ido aos municípios, ajudado as Câmaras de Vereadores a elaborar projetos de lei que criam os conselho municipais, fazendo a composição dos conselhos, que são paritários entre governo e sociedade civil, e, a partir daí, propondo políticas para o Parlamento e garantindo que essas políticas, de fato, venham com orçamento público, já que se trata de uma reparação.

Nós do Conselho estamos fazendo este trabalho: implantar o Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, por onde vem a chamada pública de programas e projetos, financiando essa política no nível nacional, estadual e municipal.

Leiagora - Você começou a falar outro ponto importante. Qual é a atuação do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial?

Prof. Carlão - Atualmente nós estamos atuando por quatro grandes linhas de trabalho. Nós estamos no apoio a políticas de ações afirmativas e reparativas que passam pela luta, pelo reconhecimento das religiões de matriz africana e povos de terreiro, passa pela luta contra a violência à população negra, que tem os maiores indicadores de feminicídio e de juventude negra assassinada no Brasil...

Hoje nós temos cerca de 77 jovens negros mortos por arma branca e arma de fogo todos os dias, segundo o Mapa da Violência de 2020, lançado pela própria CPI do Senado Federal. Então, nós temos aí um indicador muito alto de violência. Essa é a segunda bandeira.

A terceira bandeira é a regulamentação da terras de quilombo. Embora tenhamos hoje um indicador de mais de três mil áreas em todo o Brasil, na grande maioria dos estados, essas áreas ainda não foram mapeadas, certificadas e devolvidas à população negra.

Existe uma luta para que haja, de fato, a devolução das áreas de quilombo à população negra quilombola, conforme fala o aritigo 68 da Constituição Federal, que fala que todas as terras de quilombo deverão ser tituladas e devolvidas às populações negras através de títulos coletivos. É uma luta que está em processamento na maioria dos estados e aqui em Mato Grosso é a mesma coisa. E a última bandeira de luta que nós estamos levando à frente e a de implantação de políticas de ocupação de espaços de decisão para a população negra. 

Entendemos que a população negra tenha que estar nos partidos políticos, tem que estar participando do processo eleitoral. Atualmente já com cotas eleitorais também: foi votado pelo STF no ano passado uma certa cota para os candidatos negros no Brasil. A grande maioria dos partidos não obedeceram a legislação... Nós vamos fazer com que essa legislação seja de fato cumprida à risca, porque, se há uma reparação, ela é por aí também, já que a maioria dos candidatos negros é oriunda de setores mais empobrecidos da sociedade. No Brasil, nós herdamos um empobrecimento muito grande após a abolição, já que os negros não puderam voltar para o seu país de origem e não tiveram também nenhuma apoio pós a abolição da escravatura. Nós temos nas grandes capitais os grandes bolsões de miséria e, na sua grande maioria, os indicadores são ocupados pela população negra em geral.

Leiagora - A população negra é a com menor renda familiar, menor grau de instrução e, do outro lado, o maior índice de encarceramento? Como é possível mudar esse cenário?


Prof. Carlão - Nós temos duas grandes bandeiras que a gente vem defendendo. Uma é o reconhecimento da identidade da cultura da população negra. Temos o entendimento de que não basta não ser racista, você tem que lutar contra o racismo. E isso cabe aos negros e aos não negros. Nós estamos discutindo privilégios que estão colocados à sociedade onde há uma naturalização que só a população não negra desfruta desses privilégios. E quando nós temos essa concessão, ela vem somente para os indicadores não negros de beleza. E isso faz que, na verdade, você não avance na discussão de que nós precisamos de reconhecimento. Porque quando a gente vai para a universidade e lutamos por cota, essa cota muitas vezes também é ocupada por elite não negro que entra nessa disputa ou, muitas vezes, não aceita que haja cotas raciais nas universidades, porque os cursos são ocupados na sua maioria por uma elite branca e que às vezes não tem consciência de que é preciso haver as políticas afirmativas.

Leiagora - Quais avanços podemos apontar para a comunidade negra em Mato Grosso? Em outras palavras, há o que se comemorar?


Prof. Carlão - Temos o que comemorar, quando nós nos organizamos entre nós para a reflexão a partir do reconhecimento das nossas lutas. Hoje a luta do movimento negro, da população negra está na agenda dos governos. Então nós comemoramos a entrada na agenda dos governos. Agora, nós entendemos com clareza que esse é o campo de disputa. A cada vez que nós achamos que a política já está consolidada, surge um deputado querendo tirar uma conquista dessa população. Nós nunca teremos só o que comemorar. Nós entendemos que a felicidade do negro é uma felicidade guerreira, já dizia a música. Quando nós paramos para fazer a reflexão, nós temos que nos deparar com aqueles que são contra e nós lutamos em uma sociedade que é racializada, mas que ainda nega o racismo. Então, o que nós temos a comemorar? É o encontro com essa identidade, com essa cultura, é a ampliação da luta, porque hoje nós temos muitas pessoas que não são negras e que lutam contra o racismo [inclusive, nos espaços de decisão política]... Vai ter uma parcela ainda pequena? Sim. Mas é uma parcela que faz a diferença.
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