Cuiabá, quinta-feira, 09/05/2024
20:50:25
informe o texto

Notícias / Entrevista da Semana

16/01/2022 às 08:00

Empreendedor social ensina que depressão não é frescura, falta de Deus ou ingratidão

Alan Barros fala que empatia é o caminho para ajudar e jamais usar de discursos rasos e preconceituosos

Angélica Callejas

Empreendedor social ensina que depressão não é frescura, falta de Deus ou ingratidão

Foto: Reprodução

Em reconhecimento ao Janeiro Branco, mês que promove o debate e reflexão sobre temas ligados à saúde mental, o Leiagora entrevistou o empreendedor social e um dos embaixadores da campanha no país, Alan Barros. Ele fala da perspectiva de quem enfrenta depressão, ansiedade e pensamentos suicidas. 

Alan também é idealizador do projeto "Tenho depressão. E agora?", que resultou na criação de um grupo de apoio e acolhimento terapêutico gratuito, assim como na publicação de um livro com a mesma intitulação.

Diagnosticado com depressão aos 15 anos, Alan relata como e porquê escolheu dedicar sua vida a ajudar outras pessoas a lidarem com transtornos psicológicos e como o autoconhecimento o ajudou a compreender a doença.


Leia a entrevista na íntegra:

Leiagora - Qual a importância do Janeiro Branco?


Alan Barros - Essencial. Fundamental. Vital. O Janeiro Branco é o mês dedicado à importância de falarmos abertamente sobre saúde mental, da mesma forma que temos o Setembro Amarelo, que é dedicado ao combate e prevenção ao suicídio, e a cada ano tem ficado mais forte. Temos o Outubro Rosa do câncer de mama, o Novembro Azul sobre câncer de próstata, entre outros.

Sou um dos embaixadores nacionais da campanha e fui convidado pelo idealizador, o psicólogo
 brasileiro Leonardo Abraahão, para compor o time de divulgação e trabalho. É uma campanha que eu tenho muito amor e carinho em trabalhar e contribuir porque eu acredito muito no poder do “falar”. Acredito que sim, falar é a melhor solução, e que se tivermos a oportunidade de falar abertamente sobre saúde mental, muitos dos nossos sofrimentos, preconceitos e resistências vão sendo quebrados, dando lugar à compreensão, compaixão e principalmente amor e empatia.

O tema central da campanha este ano é “O Mundo Pede Saúde Mental”. Nunca se viu tanta necessidade e importância em falar sobre saúde mental, necessidade em tirar todo o preconceito que envolve esse tema e ajudar todos aqueles que carregam esse transtorno e que não se compreendem, assim como aqueles que não possuem nenhum transtorno e que também não compreendem quem passa por isso. Essa campanha é um grande ato de amor e compreensão.
 
Leiagora - Como você identificou que estava com depressão?

Alan Barros - Meu diagnóstico veio aos 15 anos de idade, quando os meus pais estavam fazendo terapia de casal, ou melhor, terapia familiar, em que todos nós [pais e filhos], estávamos fazendo terapia para amenizar os reflexos negativos emocionais da relação conjugal não saudável dos meus pais.

Conforme as terapias foram acontecendo, chegou um momento em que a psicóloga começou a fazer terapia individualmente comigo e com meus irmãos, cada um no seu horário e na sua privacidade. Com o passar das sessões, ela identificou que havia algo no meu olhar, nas minhas atitudes, na forma que eu exercia meu papel como ser humano e na forma que eu enxergava o futuro e o passado.
 
Leiagora - Conte sobre a experiência de escrever um livro sobre a depressão

Alan Barros - No livro eu falo que ser “portador” de um transtorno emocional (ou de humor) já é muito desafiador e difícil, mas ter um transtorno emocional tão grave como a depressão e ansiedade na sociedade em que vivemos é muito pior. Eu me apresento assim, sou um depressivo em superação, um suicida em processo de cura e um ansioso nas piores horas.

Foi a partir daí que decidi que eu deveria e queria escrever um livro contando um pouco sobre as minhas dores. Eu, na minha essência, lá no fundo do coração, sabia que se eu escrevesse um livro e contasse o que eu estava passando ou já tinha passado, muitas pessoas fariam a mesma coisa e contariam para mim o que elas estavam passando ou tinham passado.

Assim surgiu o livro 'Tenho Depressão. E Agora?', em que conto meus 20 anos convivendo, sobrevivendo e compreendendo a depressão, a ansiedade, e meus 12 anos com pensamentos e tentativas suicidas.

Em abril de 2017, em um momento de catarse emocional, eu abri o Facebook e escrevi parte da minha história, postei e fui dormir. Isso era de madrugada. Quando acordei de manhã o post havia viralizado, com inúmeros compartilhamentos, muitos comentários, muitas mensagens no meu inbox. A partir daí, a imprensa teve acesso a minha história, e começaram a me chamar carinhosamente para participar de algumas entrevistas de TV, rádio e jornal.

Desde então, eu já sonhava com o livro. Criei uma vaquinha na internet pedindo que as pessoas me ajudassem a produzir meu livro, fiz meu 1º evento em junho de 2017, no qual, pela 1ª vez, abri meu coração em público. No evento, mais de 650 pessoas compareceram.

Isolei-me em um hotel fazenda aqui de Mato Grosso, o Hotel Águas Quentes, eu, meu notebook, meu celular e minha impressora. Fiquei imerso em meio à natureza, sendo fortalecido espiritualmente, e assim surgiu a minha parte do livro que são sete capitulos.

O livro TDEA só poderia existir se respeitasse três grandes pilares, sendo eles: primeiro, tinha que ser colorido; segundo, não podia ser só meu, ou seja, tinha que ter outras histórias de dor, amor e superação; terceiro, tinha que ser 100% verdadeiro. Eu tinha que trabalhar com a verdade absoluta, por mais dolorosa que fosse para mim.
 
Leiagora - Como ajudar alguém próximo com sinais de depressão?

Alan Barros - Antes de mais nada, com muita empatia. Eu sempre peço que toda vez que alguém for falar com uma pessoa que está abalada emocionalmente, sofrendo de alguns sintomas de depressão, ansiedade ou outros transtornos, que ela vá sem qualquer julgamento. Que ela não dê conselhos ou sugestões fáceis que deixam a pessoa ainda mais deprimida e frustrada.

Precisa ir totalmente sem julgamento, precisa realmente ouvir com amor e fraternidade. Jamais falar aqueles discursos rasos, preconceitosos e tão dolorosos de ouvir, tais como: “nossa, mas você tem tudo, deveria ser grato”, ou “meu Deus, você precisa rezar mais, isso é falta de Deus”, ou “depressão é frescura, você precisa de dedicar mais ao estudo ou ao trabalho que isso passa”, dentre outras milhares de frases que afetam ainda mais os depressivos e ansiosos. Tem que ter um olhar de acolhimento.

A família e os amigos são as peças fundamentais dentro da rede de apoio que falo nas minhas palestras. Essa rede inclui psicólogos, psiquiatras, terapeutas integrativos, assistente social, enfermeiros, religiosidade, espiritualidade, entre outros componentes. É importante perceber os sinais
de mudança de comportamento, que às vezes são sutis, e falar abertamente com aquela pessoa sobre suas dores emocionais.

Se, por algum motivo, quem quiser ajudar não se sentir preparada para ter essa conversa com quem sofre, pode pensar em alguém que a pessoa confie, ou escute e pedir que entre em contato. Com muito jeitinho e humildade, direcionar e ajudar essa pessoa em sofrimento a buscar ajuda de um profissional da saúde mental, a princípio psicólogos e psiquiatras.

A partir daí, ajudá-la a buscar um contato maior com a espiritualidade, mudar os comportamentos alimentares, incluir exercício físico em seu dia, nutrir os pensamentos de pensamentos positivos e assim por diante.
 
Leiagora - Por que é tão importante um profissional qualificado para tratar doenças psicológicas?

Alan Barros - Buscar ajuda profissional não é apenas essencial, mas é vital. No livro, eu dedico um capítulo inteiro só falando da importância que o psicólogo e o psiquiatra tiveram na minha vida. A frase que eu uso pra assinar esse capítulo é: “sem eles, talvez eu não estivesse mais aqui”.

A minha pulsão de morte era muito grande, foram 12 anos lutando principalmente contra os pensamentos diários suicidas. Então eu costumo dizer que o psicólogos e psiquiatras são os responsáveis por eu estar vivo hoje em dia, podendo falar sobre isso, e inclusive ter escrito um livro. Eu realmente não sei se eu estaria aqui, nessa experiência terrena, se eu não tivesse tido o apoio e o tratamento dos profissionais da saúde mental. Provavelmente não estaria.

Quando eu falo sobre esse tema, eu sempre destaco as dimensões da saúde mental, que são: mente, corpo e espírito. Eu realmente acredito que um excelente tratamento é aquele que envolve as três dimensões, por meio do qual podemos buscar o tão desejado equilíbrio.

Com essas três dimensões em ajuste, provavelmente nos sentiremos bem melhor e conseguiremos voltar a ter esperança na vida, nas pessoas, nos projetos, nas coisas, no amor, etc. O primeiro sentimento ou emoção que uma pessoa com depressão perde é a esperança. A desesperança é o sentimento que mais encontramos dentro de um quadro depressivo.

O meu diagnóstico é depressão bipolar, ou seja, depressão e ansiedade no mesmo transtorno, e muito disso por conta de tratamento não adequado. Eu tinha muito preconceito com terapia, e muito mais com psiquiatra, então acabei sabotando o meu tratamento e isso resultou em um agravamento dos transtornos.
 
Leiagora - De onde tirou a ideia de montar um grupo de apoio? E como funciona, qual local, dia, hora?

Alan Barros - Eu frequento grupos de apoio desde os 12 anos de idade. Já frequentei o Alcóolicos Anônimos (AA), depois o Narcóticos Anônimos (NA), depois o Amor Exigente, não por mim, mas por alguém muito próximo que sempre lutou contra a dependência química.

Na época que comecei a frequentar, fui para acompanhar minha mãe, para entendermos melhor as reações e como poderíamos ajudar essa pessoa próxima a nós, e acabei me apaixonando pelo trabalho grandioso feito nos grupos de apoio. Vi tanto amor, tanto acolhimento e tanta superação que sempre tive um carinho especial por todos eles.

Mais pra frente, com o meu quadro depressivo, ansioso e suicida se agravando, tive a oportunidade de conhecer o trabalho do CVV e acabei me apaixonando também pela grandeza do trabalho e disponibilidade incansável de todos os voluntários.

Participando de todos esses grupos e já no processo de escrita do meu livro, comecei a idealizar como seria o meu grupo de apoio. Pensei que aqui, em Cuiabá, não existia um grupo de apoio focado em depressivos, ansiosos e suicidas, e foi assim que surgiu o grupo de apoio e acolhimento terapêutico #Fale.

O grupo foi fundado e idealizado por mim, em conjunto com a psicóloga Flávia Haddad, e juntos o conduzimos há quase três anos. Iniciado em fevereiro de 2019, já passaram por lá mais de 2 mil pessoas. É um grupo anônimo, confidencial, sigiloso, gratuito e é um momento de acolhimento supremo.

Sempre aconteceu semanalmente, às 19h30 das terças-feiras, no Cine Teatro Cuiabá. Tivemos que nos adaptar durante a pandemia e passamos a oferecer online.

No ano passado, retornamos para o presencial de forma quinzenal, por conta da aglomeração e dos cuidados que o Cine Teatro tem em relação aos protocolos de segurança.

Retornaremos agora em fevereiro de forma quinzenal novamente, e será sempre às 19h30, no Cine Teatro Cuiabá.

Leiagora - Estuda ampliar esse grupo para outras localidades?

Alan Barros - É um grande sonho poder ampliar o trabalho do #Fale. Tanto eu quanto a Flávia organizamos o grupo com muito amor e carinho. Sempre falamos o quanto coordenar o grupo de apoio nos dá sentido em nossa vida, sendo, sem dúvida, minha maior paixão dentro do Projeto TDEA - Tenho Depressão. E Agora?, e adoraria levar o grupo para outros lugares.

Estou estudando iniciar, a princípio de forma online, para que pessoas de outras localidades possam participar. Presencialmente, a princípio, ficaria complicado, mas um dos meus grandes sonhos é poder multiplicar o grupo #Fale, ou outros grupos de apoio pelo Brasil e pelo Mundo.

Poder ensinar como criar um grupo de apoio e mostrar para quem necessita o poder e a luz que um grupo tem na vida das pessoas é, sem sombra de dúvida, uma parte importantíssima dentro da rede de apoio da saúde mental.
 
Leiagora - Como é para você, que já teve contato com a doença, ajudar outras pessoas? Sua vivência torna isso mais fácil ou mais difícil?

Alan Barros - Sem dúvida alguma fica muito mais fácil ajudar outras pessoas que estão passando ou já passaram por algum transtorno emocional. Além de trazer à tona e falar abertamente sobre a minha história, sobre as minhas dores, eu estudo bastante sobre autoconhecimento, estudo muito a psique humana, os comportamentos e reações.

Sou estudante de suicidologia, que é a ciência que estuda o comportamento suicida. Já fiz inúmeros cursos e vivências de autoconhecimento para obter apoio para os meus próprios transtornos. Quando decidi falar abertamente sobre a minha história, eu decidi também ser um mensageiro de boas práticas. Sempre que começo uma entrevista, palestra ou curso, eu falo assim: "não sou psicólogo e nem psiquiatra, sou um sobrevivente da depressão, da ansiedade e do suicídio, e estou aqui para falar sobre a minha experiência e tudo que aprendi".

Um dos meus maiores objetivos é levar para as pessoas, de forma um pouco mais leve, a compreensão sobre os transtornos e principalmente informá-las da importância do trabalho dos psicólogos e psiquiatras na superação. Desse modo, vou contando as minhas experiências e as pessoas vão se conectando comigo por conta da forma simples como eu trabalho esses temas que a principio são pesados e difíceis. Eu sempre digo que o meu propósito é transformar dor em amor, e a minha missão é falar sobre temas difíceis com cor, amor e amor.
Clique aqui, entre na comunidade de WhatsApp do Leiagora e receba notícias em tempo real.

Siga-nos no Twitter e acompanhe as notícias em primeira mão.


 

0 comentários

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do site. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
Sitevip Internet