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Notícias / Entrevista da Semana

13/02/2022 às 08:00

Alimentação: nutricionista fala sobre relação com a comida e transtornos

Especialista comentou sobre afeto com a comida e como lidar com problemas alimentares

Denise Soares

Alimentação: nutricionista fala sobre relação com a comida e transtornos

Foto: Arte: Leiagora / Foto: Arquivo pessoal

Como é a sua relação com a comida? Você sente culpa ao se alimentar ou se sente bem? Essa e outras questões sobre comportamento alimentar estão presentes no dia a dia de nutricionistas.

Sobre isso, o Leiagora conversou com Iohana Muxfeldt, nutricionista especializada em comportamento alimentar. Ela defende, através de conteúdos afetivos, a ‘fazer as pazes’ com a comida e com seu corpo.

Leia a entrevista na íntegra:

Leiagora - De que forma a comida, o corpo e o comportamento estão conectados?

Iohana Muxfeldt – Achei interessante você usar o termo comida, na pergunta. A comida é diferente do alimento, que carrega sua função nutricional e está relacionada mais com seus aspectos nutricionais. Já a comida ela está relacionada com os nossos aspectos sociais e culturais, a nossa história com a alimentação. Comer é a nossa relação com nós mesmos, com as outras pessoas, com a nossa cultura e faz parte da nossa história. Posso dizer que a comida está relacionada com o nosso corpo dessa forma. Tem uma autora, a Ellyn Satter, que fala que comer é mais do que por uma lenha na fogueira: comer tem uma relação de auto respeito, uma relação com nossos corpos e o nosso compromisso com a nossa vida.

Leiagora - Como ter uma boa relação com a comida?

Iohana Muxfeldt – uma boa relação com a comida é a gente observar a comida como uma boa aliada. Olhar os aspectos que a comida tem na nossa vida, das memórias afetivas. Perceber a comida, enquanto nutritiva, nos dando energia e qualidade de vida, sendo um acalento quando for necessário. A comida no lugar de comida mesmo, como aliada, e não como foco principal da nossa vida e nem esquecendo ela totalmente.

Leiagora – Com perceber isso?

Iohana Muxfeldt –  Podemos pensar em uma boa relação com a comida quando ela não traz sofrimento, perceber se ela é uma fonte de prazer em todos os sentidos, tanto emocional quanto na saúde, uma forma de cuidado com nosso corpo. Seria uma boa forma de ver uma relação boa e tranquila com a comida.

Leiagora - O que é uma comida afetiva e de que forma ela nos afeta/ajuda?

Iohana Muxfeldt
– Cada um vai ter um afeto com a comida e carrega uma memória afetiva com uma comida específica que associa a uma pessoa, a alguma época da vida, uma memória, a comida tem esse lugar de ser uma extensão de carinho. Então, se eu for receber alguém, eu vou querer preparar algo para essa pessoa comer, ou pelo menos preparar um café. A comida tem esse lugar e ajuda muito porque ela diz sobre as nossas relações, ela diz sobre nossos afetos com outras pessoas e com a gente mesmo, dependendo do que eu gosto de comer, então isso faz parte de quem eu sou. Ela [a comida] preserva nossa cultura, então, é por isso que a gente [os cuiabanos] tem tanto carinho pelo bolo de queijo e bolo de arroz, né? É um afeto que a gente tem com essas comidas é que vai preservando. Então, dependendo da situação, em certa medida, a comida afetiva traz acolhimento e pode ajudar muito.

Leiagora - As pessoas associam comidas a ‘gordices’. Como parar de utilizar termos como esse e outros pejorativos? (pensamento gordo, magro de ruim, etc)

Iohana Muxfeldt –
Quando utilizados esses tipos de termos, só está reforçando um estereótipo muito preconceituoso com as pessoas gordas. Quando alguém utiliza esse termo, geralmente a pessoa está se referindo a alimentos gostosos ou calóricos. Então, quando a gente associa isso ao corpo gordo, a gente está querendo dizer que a pessoa gorda só é gorda porque ela comeu esses alimentos que são calóricos e isso não é uma verdade. Quando a gente fala desses alimentos, como pizza, hambúrguer, doces, que são alimentos que podemos ter uma relação tranquila, a gente já associa ao corpo gordo e mostra o pavor social, que é engordar. Não melhora nem a relação com o corpo, nem melhora a relação com os alimentos. É importante a gente refletir de quanto é preconceituoso a gente ficar utilizando esses termos e dizer que não existe um alimento específico que vai engordar e nem um corpo específico que vai comer esse tipo de alimento.

Leiagora – Quais são os principais transtornos alimentares?

Iohana Muxfeldt – Existem três transtornos que são mais estudados: a anorexia, que é a restrição do alimento, a bulimia, que é a purgação, seja por vômito, laxantes, diuréticos ou remédios para emagrecer. Tem a purgação pela atividade física e exaustiva, com o intuito de compensar a comida. E temos o transtorno da compulsão alimentar, que diferente do que muita gente acha, não é só exagerar, é um transtorno que tem que ter outros parâmetros para fechar o diagnóstico. Tem a ortorexia, que está sendo estudada agora também, que é essa necessidade, principalmente com profissionais da área da saúde, que é a necessidade de só manter uma alimentação muito saudável e não permitindo comer outros alimentos.

Leiagora – E como esses transtornos podem afetar a vida de alguém? Como identificá-los?

Iohana Muxfeldt – Isso acaba afetando muito as relações sociais. Como a gente identifica esses transtornos: se a alimentação está gerando muita culpa, você pensa muito em comida, pensa muito nas calorias e a comida gera sofrimento. Quando a comida começa a te gerar sofrimento, talvez seja o momento de você buscar ajuda. É muito importante lembrar que os transtornos alimentares são transtornos mentais, então, é importante buscar ajuda profissional e que ele seja capacitado, que ele tenha conhecimento na área de transtornos alimentares. O auxílio da família é muito importante nesses casos e não se pode minimizar. Ninguém escolhe ter um transtorno alimentar, geralmente a pessoa está em um grande sofrimento e o tratamento base seria psicólogo, psiquiatra (sendo um transtorno mental) e nutricionista especializado em transtornos alimentares.

Leiagora - Nunca se falou tanto em dieta, treino, low carb, detox, lifestyle, etc. Há algum problema no popular arroz e feijão, ou as pessoas problematizaram a alimentação?

Iohana Muxfeldt –
Problematizaram. Essa é uma das questões que os estudos do comportamento alimentar vêm apontando. Ao mesmo tempo que aumentou essas informações sobre alimentação, teve um aumento de dietas novas e cada vez que o verão vem chegando surgem dietas novas prometendo resultados milagrosos e imediatos, nem sempre com uma base científica. Isso não vem contribuindo para a diminuição das doenças crônicas, por exemplo, pelo contrário, o número de doenças crônicas relacionadas à alimentação vêm aumentando. O número de transtornos alimentares vem aumentando e isso dá esse sinal de alerta.

Leiagora – Como é esse alerta?

Iohana Muxfeldt –
Ver a alimentação dessa forma, vinculada ao nutricionismo e excesso de informações que nem sempre vêm com embasamento, fazem a gente ver a alimentação de uma forma muito restrita e dicotômica, aquilo do saudável e não saudável. Então, se a pessoa come um alimento fora da dieta dela, ela vai comer carregada de culpa e aí causa esse terrorismo nutricional, que surgem as pessoas com medo de comer pão e comer arroz e feijão. Situações de pessoas com medo de comer fruta. Então dá um sinal de alerta para a gente começar a recalcular a nossa rota para uma mudança de comportamento alimentar saudável. O primeiro passo é ver a alimentação de uma forma mais tranquila, sem isso de estar carregado de culpa.

Leiagora - Sobre alimentação e corpo: muitas pessoas deixaram de se cuidar e outras passaram a se cuidar mais durante a pandemia. Você, como nutricionista, o que percebeu durante seus atendimentos?

Iohana Muxfeldt –
Aconteceram as duas coisas. Por um lado, pessoas que já tinham algum transtorno instalado ou comportamento transtornado, como o medo de comer e fazer compensações, ter uma relação ruim com a imagem corporal, isso ficou aumentando com o medo de engordar e ter que ficar mais em casa, sair da academia. Isso foi um pouco complicado. Aumentou o sofrimento entre a comida e o corpo. Ao mesmo tempo, quando a gente fala da comida, que ela tem esse lugar de alívio e válvula de escape para algumas pessoas, aumentou alguns transtornos como a compulsão alimentar, enfim. Tem esse lado, e por outro, nesse cantinho de reclusão que todo mundo teve que ficar, algumas pessoas utilizaram isso para o despertar, quem teve covid, ou teve alguém próximo, a pandemia fez a gente refletir muito sobre a nossa vida. A morte faz a gente refletir sobre a nossa vida, sobre isso teve mais procura de se cuidar e buscar fazer boas escolhas alimentares e cuidar um pouco mais da alimentação.
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