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Notícias / Entrevista da Semana

03/04/2022 às 08:00

Presidente da Funai defende autonomia dos indígenas e exploração comercial nas áreas deles

Marcelo Xavier diz que o etnodesenvolvimento é o futuro das terras indígenas, desde que seja da vontade da comunidade

Débora Siqueira

Presidente da Funai defende autonomia dos indígenas e exploração comercial nas áreas deles

Foto: Assessoria

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, veio a Mato Grosso para participar da Parecis SuperAgro, que neste ano teve um dia histórico. Os indígenas das etnias Haliti-paresi, Nambikwara e Manoky receberam o resultado do primeiro estudo de regularização ambiental e posterior licenciamento ambiental em área indígena no país.
 
O case dos indígenas produtores é um modelo de etnodesenvolvimento pregado pelo atual presidente da Funai. Ele defende a autonomia dos povos indígenas em dizer o que desejam para gerar renda e favorecer toda a comunidade. No caso destes povos, foi investir em lavoura mecanizada em 20 mil hectares de terra, menos de 2% do território deles.
 
Delegado da Polícia Federal e com atuação em Mato Grosso, Marcelo Xavier é crítico do que ele classifica como 'atravessadores', ou seja, as organizações não-governamentais, ambientalistas e outras entidades que procuram falar pelo indígena. Na Funai conduzida por ele, o presidente quer ouvir as lideranças de forma direta.
 
Nesta entrevista, ele também comenta as operações da Polícia Federal que levaram à prisão de servidores da Funai em Mato Grosso, o arrendamento e a exploração de garimpos em terras indígenas.
 
Leiagora – Quando a gente fala em terra indígena, o senso comum é de agricultura familiar, caça, pesca, mas em Campo Novo do Parecis, os indígenas são produtores rurais, têm lavoura mecanizada, o que tem gerado renda a eles. O senhor acha que o etnodesenvolvimento, a exploração da terra pelo indígena como ocorre em Mato Grosso, é um exemplo a ser replicado no país?
 
Marcelo –
Primeira coisa que temos que partir é a autonomia da vontade. Não há projeto de etnodesenvolvimento apenas de forma extensiva no Brasil. Nós temos turismo, nós temos artesanato, temos coleta de castanha, baru, pequi, outras essências dentro das terras indígenas. Se vende muito a ideia de que o etnodesenvolvimento nas áreas indígenas – o que é uma mentira – compreende apenas a agricultura desenvolvida em larga escala. Nós temos o caso do camarão dos potiguaras, o pirarucu do palmari, nós temos turismo do Mazinho no Parque do Xingu, nós temos cadeia de coleta de castanha dos cintas largas, ou seja, temos um monte de exemplo de potencialidades terras indígenas. Isso tem que passar pela autonomia e pela vontade dos indígenas. O que não dá mais são intermediários dizer que o indígena deseja. O indígena tem todo direito de ter seu direito e fazer as suas escolhas
 
Leiagora – Recentemente, teve duas operações da Polícia Federal em Mato Grosso com a prisão de lideranças indígenas e servidores da Funai em esquemas de arrendamento de terras indígenas para pecuária e garimpo. Não foi uma invasão, houve consentimento de índios e servidores do órgão. Os índios não podem explorar suas áreas como achar conveniente?
 
Marcelo –
Primeira coisa, maus funcionários existem em todas as carreiras. O arrendamento da terra indígena é vedado pela Constituição Federal, pois há subversão da posse. Mas as parcerias, com composição majoritariamente indígena e atividade desenvolvida pelos indígenas, é possível. As parcerias por meio das cooperativas entre indígenas e não indígenas, desde o capital seja majoritariamente indígena, é possível. Por isso que nós, da nova Funai, entendemos que precisa da capacitação do Senar, dos Sindicatos Rurais que têm que vir conosco e capacitar os indígenas respeitando a autonomia da vontade.
 
Leiagora – Essa é a principal diferença entre os casos de prisão da Polícia Federal e os cases de sucesso das cooperativas agrícolas do chapadão do Parecis?
 
Marcelo –
Nesses casos em específicos, o que houve foi um arrendamento ilegal, não foi projeto modulado pela Funai em Brasília, gera um problema na aldeia de concentração de renda. Nas cooperativas indígenas em Campo Novo do Parecis, os lucros auferidos pela cooperativa são divididos pelas comunidades, são cerca de 3 mil indígenas, isso é essencial. O projeto mal formulado gera problemas, no arrendamento, concentração de renda e dissidência na cacicância, isso a Funai não concorda. Inclusive, a atividade garimpeira em terra indígena, também não concordamos porque não existe um projeto de lei de mineração. A partir do momento que tiver, a Funai é favorável, pois pode ser uma solução para resolver e levar dignidade para as aldeias desde que feito de forma sustentável e respeitando as normas ambientais. Hoje o que existe é a exploração da atividade mineral de forma ilícita, ilegal com uma norma constitucional desde 1988 para regulamentar e até hoje não foi. Precisamos enfrentar esse problema porque a vontade do constituinte originário era de que essa norma fosse regulamentada e viabilizada nas áreas indígenas.
 
Leiagora – A agricultura mecanizada de larga escala nas aldeias mudou o cenário dos indígenas. A Funai tem trabalhado com essa ideia de agricultura em outras aldeias?
 
Marcelo –
Com certeza. O que precisamos entender é a autonomia da vontade. O indígena quer desenvolver a agricultura em larga escala? Ótimo. Tanto é que nós entregamos 40 tratores todos equipados com carretinha, plantadeira, calcareadeira, para que eles desenvolvam essas atividades, então eles estão podendo fazer essa imersão nessa nova realidade apresentadas a eles. Sempre lembrando, com apoio da Funai, com os lucros divididos de forma equânime para beneficiar toda a comunidade, pois a terra é coletiva.
 
Leiagora – Em Mato Grosso é somente na região de Campo Novo do Parecis?
 
Marcelo –
Nós temos outros exemplos em Mato Grosso, os bakairi em Nobres, os xavantes de Primavera do Leste, os guajajaras do Maranhão, enfim, há uma enormidade de potencialidade e um mundo que se abre para que os indígenas sejam os protagonistas de suas próprias histórias.
 
Leiagora – Como o senhor encara as críticas de que a Funai não incentiva que o índio viva de seus usos e costumes, viver da caça, da pesca ou ajude a recuperar as áreas degradadas pela invasão dos não indígenas?
 
Marcelo –
Eu acho que quem tem que decidir isso é o próprio indígena. Há um problema claro aí. Quem disse que a atividade em larga escala, ou o turismo, ou o desenvolvimento do artesanato, ele impede o uso e costumes e as tradições? Eu tenho certeza que aqui com os parecis eles continuam com os batismos, os trajes e as cerimônias típicas. Quem tem que decidir o que fazer ou deixar de fazer é o próprio índio.
 
Leiagora – O senhor veio para a Parecis Superagro 2022 e também trouxe os bancos públicos, é uma forma de fomentar os negócios indígenas?
 
Marcelo –
Atitude inédita nossa foi trazer para essa feira e conversar com os parecis o BNDES e a Caixa Econômica Federal. Nós entendemos que eles têm direito à acessibilidade do crédito, o problema estava na modulação da garantia, mas como os parecis têm um nível de maturidade de pagamento de vários anos de forma muito efetiva, vejo que é perfeitamente possível concessão de crédito. O que cabe é uma política bancária para eles, que precisam agora construir um silo, um secador, um centro tecnológico para desenvolver as potencialidades das áreas indígenas deles. Acho justo que os indígenas tenham o mesmo acesso ao crédito que um produtor brasileiro qualquer.
 
Leiagora – De que forma a Funai pode ajudar nisso?
 
Marcelo –
A Funai tem ajudado autorizando os projetos nas áreas indígenas. Nós temos chamado as instituições para conversar. A Funai não tem como adentrar nas políticas de crédito das instituições bancárias, mas cabe a gente como órgão de assessoramento das comunidades indígenas levar essa demanda para que as instituições financeiras deliberem e traga uma solução.
 
Leiagora – Há narrativa de que a agricultura de larga escala nas comunidades indígenas gera uma competitividade com os produtores rurais. Isso procede?
 
Marcelo –
Os indígenas têm os mesmos direitos e as mesmas oportunidades que outro brasileiro qualquer. Creio que eles podem desenvolver suas atividades porque, inclusive, reforça neles, o sentimento de permanência naquela localidade. Vejo os casos dos parecis, muitos estavam espalhados por aí, em situação precária, de forma miserável. Quando houve o etnodesenvolvimento, houve também a reafirmação do sentimento de permanência no local. Chamou os índios para voltar. Vejo o etnodesenvolvimento como a solução para as áreas indígenas para trazer o sentimento de permanência no local, alijando os intermediários. Onde tem dignidade e possibilidade deles gerar renda. No caso dos parecis, foram R$ 140 milhões no ano passado, não tem intermediário.
 
Leiagora –
A nova Funai não negocia com intermediários, apenas direto com as lideranças indígenas?
 
Marcelo –
Eu não negocio com as lideranças, eu só coloco as lideranças para expor o que eles efetivamente desejam. O indígena que deseja desenvolver, nós estamos de portas abertas para fazer encaminhamento. O indígena quer treinamento, nós vamos lá no Senar. O indígena quer crédito, vamos trazer para as instituições. Essa é a ideia.
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