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Notícias / Entrevista da Semana

12/06/2022 às 08:00

Psicóloga fala sobre atitudes que fortalecem relacionamentos, relações tóxicas e benefícios da terapia de casal

Leiagora conversou com a psicóloga e especialista em terapia sistêmica para família e casais, Gilvania Stefanello

Paulo Henrique Fanaia

Psicóloga fala sobre atitudes que fortalecem relacionamentos, relações tóxicas e benefícios da terapia de casal

Foto: Foto: Arquivo Pessoal / Arte: Leiagora

Neste domingo (12) é comemorado o Dia dos Namorados. A data movimenta o comércio e aflora a criativade dos casais na hora de demonstrar carinho pelo companheiro (a). Neste caso, pequenos gestos, ainda que não envolvam itens comprados, podem fortalecer o relacionamento. Mas, e quando a relação não vai bem, o que fazer? É possível 'salvar' uma relação?
 
Para responder a essas questões, o Leiagora conversou com a psicóloga e especialista em terapia sistêmica para família e casais, Gilvania Stefanello.

Ela fala sobre relacionamentos funcionais e disfuncionais, os benefícios que a terapia de casal pode trazer para a relação, quais foram os impactos da pandemia da covid-19 nos relacionamentos e se existe uma fórmula mágica para um relacionamento perfeito.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:
  
Leiagora - O Dia dos Namorados é uma data muito simbólica para casais. Então para começarmos, quais são as atitudes que ajudam a fortalecer um relacionamento?

Gilvania - De um modo geral, sejam casados, namorados, ou qualquer tipo de união estável, é muito importante desenvolver a comunicação entre os parceiros, o apoio mútuo entre eles e a empatia. Basicamente esses três pontos já são bom início para um relacionamento.

Hoje em dia há muitas dificuldades nas relações como um todo, e principalmente entre os casais é a questão da comunicação. Saber falar de uma forma assertiva. E também o outro exercitar a escuta, porque não adianta um falar e o outro não ouvir. Então essa prática da comunicação é importante, o saber falar e o saber ouvir.

Também o apoio, porque os casais de um modo geral eles têm que se apoiar nas suas questões do dia-a-dia, isso faz parte. É importante não só nas questões do relacionamento, mas o apoio nas outras áreas da vida também, como nas relações profissionais, nas relações com outros familiares, para quando estiver em uma dificuldade o outro estar ali te apoiando. A empatia principalmente, porque se colocar no lugar do outro para entender as complexidades que acontecem dentro do casal, dentro de uma relação a dois. Além de paciência também.
 
Leiagora - É óbvio que em qualquer relacionamento há brigas, o que acaba gerando um desgaste com o tempo. Qual é o principal motivo dessas brigas? E como podemos evitar isso?

Gilvania - Quando falamos sobre casal e relacionamento a dois, a gente tem uma questão que é a do imaginário. Muitas vezes eu estou me relacionando com outra pessoa, mas eu não estou vendo aquela pessoa com quem eu estou me relacionando. Eu estou me relacionando com algo que eu imaginei que aquela pessoa seja. E aí, durante um bom tempo, nós conseguimos manter esse imaginário, de viver com o que ela criou, sobre a imagem que ela criou na outra pessoa e com todo o encantamento que vem.

No início de uma relação que perdura até um certo momento, eu consigo ficar focado só nas questões que eu quero ver daquela pessoa. Vamos dizer assim, eu camuflo o restante ou eu racionalizo de uma forma a maquiar as outras questões que eu não quero ver daquela pessoa, que às vezes são as questões que entram em conflito comigo.

Porém, com o passar do tempo não há como negar essas questões, elas começam a aparecer. E aí é onde muitas vezes essas relações se deparam com o imaginário que eu tinha, de quem era aquela pessoa e a realidade de quem ela realmente é.

Quando a gente fala também que passa um pouco desse sentimento da paixão, e aí se o casal neste momento conseguir estabelecer, por exemplo, uma relação de apoio, uma comunicação assertiva entre eles, eles vão conseguir se adaptar a isso e verificar, enxergar o outro como ele é, e lidar com essas questões, com essas características diferentes entre os parceiros para conseguir passar por essa fase, eles permanecem juntos. Senão acaba o encanto. Então, para isso, é necessário que eu esteja aberta a ver quem é esta outra pessoa que está comigo e lidar com as características individuais dela e como isso vai se adequar às minhas questões também.
 
Leiagora - Sempre falamos que para dar certo um relacionamento, a gente tem que ceder em alguns pontos. Só que chega uma hora que a gente cede tanto que acabamos nos anulando. Como podemos evitar essas atitudes?

Gilvania - Nós vemos muito nos noticiários finais trágicos para relacionamentos muito tóxicos, assim como vemos no dia-a-dia. O ponto principal é a pessoa se conhecer. Então, eu devo procurar um processo de autoconhecimento - dependendo do nível desse relacionamento tóxico. Ir para uma terapia para poder me conhecer e entender quem eu sou, entender o porquê que eu cedo tanto em um relacionamento ao ponto de me perder, no sentido de 'quem eu sou ali?' ou no sentido de me anular, de aceitar tantas condições que entram mesmo nas questões de violência física, violência psicológica, violência patrimonial e assim entender o porquê que eu permito que isso acontece comigo.

Isso tem a ver com muitas questões que vêm das relações anteriores dessas pessoas, da constituição dela como indivíduo desde a infância. Normalmente a gente desenvolve relacionamentos tóxicos com as primeiras figuras de apoio, que as vezes são os pais os cuidadores e isso acabamos trazendo isso para a vida adulta.

O processo de terapia é importante para a pessoa conseguir identificar isso na história de vida dela, aonde que essas coisas começam. Elas começam pequenas e atingem patamares mais elevados.

Um relacionamento tóxico nunca é quando você conhece a pessoa. A pessoa é muito sutil, dá sinais de leve e aí vai progredindo. E por que eu permito isso? Que isso aconteça de um nível mais elevado de agressão verbal, física ou até mesmo sociológicas de atingir autoestima, auto confiança e a pessoa não se percebe nessa situação. Muitos casais que vivem esse relacionamento tóxico não percebem que essa relação é toxica. Muitas vezes na terapia, quando começa a trabalhar esses conceitos de o que é a violência física, psicológica, a pessoa começa a se dar conta do que ela vive e como ela está naquela relação ela não percebe.

Então a terapia é importante pra isso, para a pessoa enxergar na vida dela onde isso começou. Porque esse não é o primeiro relacionamento tóxico dela, ela já teve outros, mas por que isso se repete? Por que eu acabo repetindo padrões de comportamento ou procurando pessoas que tenham o mesmo padrão de comportamento? Em alguns casos as pessoas conseguem por si só serem mais funcionais, mais saudáveis na escolha dos relacionamentos, porém, às vezes a pessoa consegue sair de um relacionamento tóxico e arrumar outro igual. Ela só troca a pessoa.
 
Leiagora - Geralmente vemos só uma parte do casal sendo tóxico. Existe um casal que os dois são tóxicos um para o outro?

Gilvania - Sim. Quando pensamos em relacionamento tóxico normalmente pensamos naquele relacionamento muito abusivo fisicamente. Normalmente tem um que agride. Isso ainda é maior na violência direcionada do homem para a mulher, até mesmo por causa das questões fisiológicas do homem ser mais forte que a mulher, questão do machismo, mas sabemos que têm mulheres que agridem.

A gente pensa nessas questões físicas, mas dentro dessa díade tem o que os dois são tóxicos. A gente fala que o casal funciona junto, se tem um muito agressivo eu tenho o outro que é muito passivo, então ele aceita, eu permito que aquilo aconteça. E ao mesmo tempo, quando falamos 'passivo' imaginamos uma pessoa caladinha e tal, mas não, muitas vezes essa pessoa também aproveita de outros momentos. Ela não parte para uma agressão física, mas ela tem a forma dela de minar o outro. Aí ela vai mais para uma questão psicológica de desmerecimento, de afetar autoestima, de não dar apoio, de criticar o tempo todo. E essas relações vão sendo um círculo vicioso.
 
Leiagora - Como a terapia de casal pode ajudar?

Gilvania - Todo casal, mesmo namorados, noivos que não moram juntos, a terapia serve para todos esses casos. Se eu tenho uma questão que quero resolver, que não estou conseguindo, eu procuro a terapia de casal.

Na terapia não tratamos as questões individuais de cada um, mas, sim, a relação. A gente fala que o terceiro da relação é o casamento, que é o foco. O casal vai para a terapia e o paciente é o casamento e aí são trabalhadas as questões que afetam a relação. Então vai ser trabalhada a comunicação, o apoio, questões tóxicas. Trabalhar entre eles como eles percebem isso, de que forma isso acontece, qual é o gatilho dessas situações.

Quando o casal vai pra terapia já percebemos que esse casal merece ser trabalhado e ter essa oportunidade. Porque os dois foram procurar. Porque já é difícil, tem muitos casais que um já não quer mais ou acha que isso não funciona, que terapia não dá certo. Aí nesses casos vai só um indivíduo. Aí na terapia você vai trabalhar todas essas questões, inclusive as questões familiares que carregamos.

Por exemplo, um homem ou uma mulher sabe como ser marido ou esposa através dos exemplos eu ele teve na vida, através dos relacionamentos com os quais eu cresci. E se essa relação não foi boa, a tendência é que a gente reproduza isso, porque vimos aquilo no nosso dia-a-dia e aprendemos que aquilo é o certo. E isso é questionado na terapia para que encontrem um ponto em comum.
 
Leiagora - E quando uma das partes não quer ir à terapia. Vale a pena insistir?

Gilvania - Quando o outro bate o pé e diz que não vai, nós ainda tentamos persuadir no sentido de “vai uma vez”. Às vezes orientamos o paciente e pedimos para conversar, “pede pra vir uma vez junto pra ver se gosta, para esclarecer duvidas de como funciona uma terapia de casal”. Às vezes as pessoas vêm com crenças disfuncionais da terapia.

Não tendo como, nós recomendamos que a pessoa vá fazer a terapia individual, mas já colocamos claro que ela é para a pessoa e não para o parceiro. Claro que é uma consequência, que a partir que você se trata, faz uma terapia, você vai começar a questionar suas atitudes, seus comportamentos e isso gera uma mudança em você e automaticamente a outra pessoa vai acabar mudando também, porque ela vai ter que mudar a forma dela de reagir com você, porque a forma que estava antes não funciona mais. Isso acaba gerando reações em cadeia.

Mas é importante dizer que a terapia de casal nem sempre é para o casal ficar junto. Às vezes tem casais que vão para a terapia e durante a terapia, falando sobre suas questões e valores, as mudanças que tiveram, ciclos de vida, eles decidem que o melhor é se separar. E está tudo bem, porque a intenção da terapia de casal é que os dois fiquem bem, estando juntos ou não.
 
Leiagora - Esse é o primeiro ano depois do pico da pandemia, onde os casais ficaram dentro de casa, ficaram mais tempo juntos. Quais foram os impactos da pandemia nas relações?

Gilvania - Então esse impacto a gente percebe sendo muito grande com famílias inteiras e com casais. Porque a correria do dia-a-dia nos permite camuflar certas questões. Então eu estou com uma dificuldade no meu relacionamento, eu trabalho mais, eu estendo o meu horário no serviço, eu assumo mais responsabilidade, ocupo mais a minha cabeça, fico menos tempo em casa. E aí automaticamente eu não vou ter tempo para lidar com as questões da relação. É algo que a gente chama de “varrer a sujeirinha pra debaixo do tapete”.

O que aconteceu na pandemia foi que não tinha mais tapete pra varrer sujeirinha embaixo, porque as relações ficaram 24h. As pessoas estavam trabalhando em home office, elas tiveram que conviver 24h e aí os conflitos que estavam lá escondidos apareceram. Eles não surgiram do nada.

Claro que temos pessoas em que surgiram novas questões, mesmo porque tivemos muitas questões de luto, de perda de emprego e tudo isso afeta na relação. Mas também veio muito forte questões que, de alguma forma, estavam ali colocadas num cantinho escondidinhos, fingindo que elas não existem, que saíram debaixo do tapete. E as pessoas tiveram que lidar com isso. Realmente tiveram muitas separações na pandemia, muitos conflitos com esse período todo. Eu acho que agora é o momento em que os casais estão vendo isso e estão tentando se reestruturar dentro dessa relação novamente
 
Leiagora - A senhora percebeu que teve uma maior procura para as terapias de casal?

Gilvania
- Aumentou, mas aumentou também mais o individual. Como eu trabalho no Conselho de Psicologia, teve uma demanda muito grande de pessoas se cadastrando paro o atendimento on-line. Muitos profissionais começaram a solicitar autorização para o atendimento on-line.

E realmente, não foi regularizado pelas resoluções do conselho o atendimento para casais on-line. Mesmo porque o atendimento de casal é feito os dois juntos, não atendemos de forma separada.

É bem colocado que, o que é discutido ali são questões do casal. Se a gente percebe alguma questão muito específica que o indivíduo tem que trabalhar aquilo, que são questões do passado, algum trauma, aí a gente pode encaminhar para um atendimento individual ou fazer uma outra sessão com aquela pessoa, mas aí o parceiro está à parte que vai ser feito esse atendimento, que vão ser discutidas as questões relacionadas ao indivíduo especificamente não sobre a relação do casal.
 
Leiagora - Ainda sobre os reflexos da pandemia, pesquisas apontam que os aplicativos de namoro tiveram um aumento muito grande de usuários durante o período pandêmico. Esses relacionamentos que começaram pelos aplicativos de namoro ainda perduram? Isso é uma nova tendência dos dias atuais?

Gilvania - Olha, eu acredito que com a pandemia começaram várias tendências que vão perdurar. A gente vê isso, por exemplo, em nível acadêmico, as aulas remotas, a questão da procura por terapia on-line que é uma coisa que era muito pouca antes, agora já tem bastante. Mas a questão dos relacionamentos por aplicativo como sabemos, as pessoas não estavam tendo contato, não podiam ter contato. Os restaurantes, bares, lanchonetes e assim por diante estavam todos fechados. A única coisa que a gente tinha disponível era a internet. O ser humano de modo geral não vive sozinho, isolado. Então utilizam-se os mecanismos que tem no momento, e foram os aplicativos. Acredito que deve haver uma diminuição agora. Mas não seja algo que vá sumir.
 
Leiagora - E afinal, existe uma fórmula secreta para um relacionamento saudável e duradouro?

Gilvania - Não, não tem uma fórmula secreta. Nas teorias de estudo de casal a gente fala que existem algumas habilidades a serem desenvolvidas pelos indivíduos para manterem as suas relações. A empatia, a comunicação, o apoio ao outro indivíduo, a flexibilidade. Viver a dois é diferente de viver sozinho, porque você tem que fazer adaptações, você tem que abrir mão de algumas coisas. O relacionamento é uma via de mão dupla, funciona a partir do momento que o outro estiver também pensando e agindo em cima dessas mesmas características. Então a gente fala que, o que difere um relacionamento funcional de um relacionamento disfuncional é a forma como eles resolvem os seus problemas.

Então, quanto mais habilidades eu tiver na resolução de conflitos na relação com o outro e o outro estiver nesse mesmo nível que o meu, neste mesmo caminhar, o relacionamento vai ser mais saudável. Mas não quer dizer que não vai haver problemas ou questões a serem resolvidas. O que diferencia são as habilidades e como eles vão agir quando tiver essas questões a serem resolvidas.
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