Cuiabá, sexta-feira, 10/05/2024
04:00:50
informe o texto

Notícias / Entrevista da Semana

20/11/2022 às 08:00

Consciência Negra: a luta do movimento negro é para todos

"Tão importante quanto a população branca é a população negra”

Eloany Nascimento

O Dia da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro. A data faz referência a Zumbi dos Palmares, uma figura histórica que virou símbolo da luta e resistência dos negros. A data é importante para reforçar a importância da luta pela igualdade social, a luta contra o racismo, a busca pela inclusão do negro na sociedade, a importância de políticas públicas e a ampliação de debates acerca do tema.

A luta e discussões destas pautas são levantadas durante todo o ano, mas é durante a semana da Consciência Negra que elas são intensificadas e discutidas entre as rodas de conversas, estudos, universidades, e ganha destaque na mídia. Na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) o assunto é debatido e estudado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (Nepre).

O Leiagora entrevistou a coordenadora do Nepre, Cândida Soares da Silva, que destacou a importância da data e alertou sobre a ampliação da luta.

“A consagração do dia 20 de novembro como dia da Consciência Negra é resultado da luta dos movimentos sociais negros, mas a sua relevância não é somente para a população negra é para toda sociedade brasileira, ela também diz respeito ao reconhecimento no sentido de se reconhecer de tão importante quanto a população branca é a população negra ”, análisou.

Confira a entrevista na íntegra:

Leiagora- 20 de novembro é comemorado o dia da Consciência Negra. O que a data representa ? Como você vê a importância deste dia em 2022 ?

Cândida Soares da Silva - Dia 20 de Novembro é um dia muito importante para a população negra porque ela tem haver com uma conquista na luta por reconhecimento da importância que a população negra tem na sociedade brasileira, mas ela não é importante somente para a população negra ela é importante para toda população brasileira, porque é um dia para reflexão, tomadas de decisão, para pensar, formular políticas públicas que volte para a problemática das desigualdades raciais no sentido de minimizar essas desigualdades. 

Quando nós celebramos o dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra o que nós estamos colocando para reflexão é também, é quando a gente estuda sobre a formação do povo brasileiro. Os conhecimentos que nós temos dizem que  a população brasileira tem por base na sua formação três grupos, indígenas, brancos e negros. Quando a gente vê nas escolas, na educação, quando vai se estudar a gente só vê apenas a representação importante, reconhecida, aquilo que diz respeito  a população branca, a gente não vê também como destaque em importância a população negra. 

Celebrar o dia 20 de novembro como o dia da Consciência Negra diz respeito ao reconhecimento no sentido de se reconhecer de tão importante quanto a população branca é a população negra e se a gente for pensar um pouquinho mais adiante a população índigena também, mas quando nós estamos falando do dia 20 de novembro estamos falando sobre a população negra. 

Quando não temos acesso aos conhecimentos sobre o quanto a nossa sociedade somente é o que é em termos de cultura, a produção cultura material ou imaterial, porque tem a presença negra e índigena e quando nos deixamos de entender isso e de conhecer nos perdemos informações acerca de dois terços daquilo que somos, então é muito coisa quando a gente fala no dia da Consciência Negra, muita gente acha que diz respeito apenas a população negra. 

A consagração do dia 20 de novembro como dia da Consciência Negra ela é resultado da luta dos movimentos sociais negros, mas a sua relevância não é somente para a população negra é para toda sociedade brasileira.

Leiagora - Atualmente essa data não é tão discutida por toda sociedade como deveria. A senhora acredita que é preciso mudar essa realidade?

Cândida Soares da Silva - Nós vivemos em uma sociedade muito racista e um exemplo disso é que muito frequentemente a gente vê um político que ao invés de cuidar de questões importantes para nossa sociedade se ocupa o tempo para acabar com a celebração. 

Em Mato Grosso é feriado e volta e meia tem alguém querendo acabar com o feriado do dia 20 de novembro quando na verdade deveria se preocupar com políticas públicas e possibilitar-se a construção de uma sociedade mais equitativa, mais justa e que portanto neste sentido se mobiliza-se para formulação e execução de políticas públicas antirracismo e ao invés disso ainda há pessoas que acham que celebrar o 20 de novembro pode ser simplesmente apagado do mapa. 

Eu entendo que já houve avanços, mas a gente tá sempre nesse movimento de avançar, mas um avanço lento por causa inclusive dessa problemática que existe na sociedade brasileira de que nós ao mesmo tempo que declara uma povo não racista, mas ao mesmo tempo não reconhece nem a população negra e nem a indigena com a mesma importância de que se reconhece a população branca. 

Leiagora - Sabendo que a data é um momento de reflexão, combate ao racismo e ações afirmativas, o que a universidade tem feito nesse sentido para inserir no dia-a-dia da comunidade acadêmica reflexões sobre esse tema? 

Cândida Soares da Silva - Eu não posso responder pela Universidade como um todo, mas eu posso falar acerca de algumas coisas que se tem feito, por exemplo, a UFMT embora a gente compreenda que precisa fazer muito mais, ainda muito pouco, mas é por exemplo o curso de pedagogia, vários cursos da UFMT já possuem nos currículos disciplinas que tratam sobre educação nas relações étnicos raciais. Eu considero que ainda é pouco considerando o universo dos cursos ofertados e quantidade de cursos que já fazem isso, mas está fazendo esse movimento. 

Nós temos o Núcleo de Estudos de Pesquisas que completou neste ano 20 anos e durante todo esse tempo ele tem desenvolvido pesquisas , extensão e formação especialmente para professores e profissionais da educação base. Então eu penso que existem dentro da Universidade alguns movimentos nesse sentido, embora eu ainda considere que são iniciativas que poderiam ser mais ampliadas e que poderiam ter dimensões muito maiores do que tem, infelizmente ainda são iniciativas necessárias que ainda precisam avançar.

Leiagora - Na sua opinião, qual o papel da Universidade no combate ao racismo?

Cândida Soares da Silva - Universidade lida com produção de desenvolvimento, infelizmente o racismo no Brasil não se desenvolveu sem envolver as instituições e a Universidade não está fora disso, é uma instituição que existe nessa composição das instituições brasileiras. Em termos de conhecimento muito se foi produzido interpretando o ser humano em uma perspectiva hierarquizada sobre o entendimento de raça de que a humanidade é composta por raças e essas raças de formas hierarquizadas.

A Universidade não está longe disso, ela também ainda não conseguiu superar essa dimensão racial especialmente em termos epistemológicos.  Eu acho que  a Universidade tem um papel muito importante que é a questão de não somente produzir conhecimentos, como por exemplo, como trazer para o currículo para informação inicial, pós graduação, conhecimentos que contribuam para a compreensão da sociedade em uma perspectiva antirracismo. 

Infelizmente esse movimento dentro da Universidade ainda é muito frágil, ainda é muito pequeno, porque a universidade é uma instituição  grande, que tem só em Cuiabá milhares de estudantes, em termo dos quatros campus são muitas pessoas que a UFMT atua na formação continuamente e a maioria dessas pessoas que passam pelo processo formativo entram e saem sem estudar e ter na sua base formativa conhecimento que trazem a população brasileira sobre uma outra perspectiva e que nessa coloquem em nível igualdade tanto a matriz européia, ameríndia e africana. Então por exemplo, a gente tem cursos na Universidade que se quer focam no assunto, são pouquíssimos autores por exemplo, africanos e africanas, então é um percurso que ainda precisa ser feito.  Existem alguns avanços ainda existem, mas ainda existem muitas coisas ainda para serem feitas. 

Neste ano a UFMT retomou o programa de inclusão quilombola que é uma coisa importante, uma política para inclusão de estudantes quilombolas que inclusive estava parado. Então isso é um avanço, a gente não pode deixar de reconhecer isso, mas se vocês forem olhar em termos curriculares a muito pouca coisa, ao menos em termos de um política mais abrangente, em termos institucionais ainda há muito pouca coisa.

Leiagora - Qual é o principal desafio que Mato Grosso enfrenta no combate ao racismo?

Cândida Soares da Silva - Eu acho que os desafios são muitos, dentre eles está a ausência de políticas públicas. Por isso que eu disse no começo da entrevista que existem tantas frentes, tantas coisas que precisam ser feitas e que a gente espera quando a gente olha para as instâncias, tanto executiva e legislativa é que se espera que se tenha políticas públicas.

Nós sabemos que a mulher negra é mais penalizada em termos de acesso aos bens especiais, em termos de acesso aos direitos e a gente vê que não existem políticas públicas que tenham recorte pensando na população negra no intuito de superar as desigualdades que foram construídas historicamente sobre a perspectiva de raça.

Então o que eu penso é que a muitos problemas, mas um que é extremamente importante e que vai tendo continuidade, entra ano e sai ano é exatamente a ausência de política pública, porque a desigualdade raciais não foram produzidas sem a participação do estado e suas várias instâncias, então  a promoção da equidade racial somente será possível se o governo e suas diferentes instâncias também se responsabilizar pela superação dessas desigualdades, então eu penso que meu problemas centrais é ausência de política pública.

Leiagora - Um futuro sem racismo é possível? 

Cândida Soares da Silva - Eu acredito que na vida tudo seja possível, mas eu acredito que a superação do racismo ele não é fácil e tem enfrentado e continua enfrentando muitos desafios, porque muitas vezes nem sequer se admite a sua existência. 

Como combater algo que não se admite que existe? É necessário política pública que tenha o foco na população negra no sentido de fazer com que ela também tenha melhores condições de acesso a renda, a uma educação e saúde de qualidade. Existem possibilidades de fazerem que essas coisas sejam feitas, mas as vezes me parece que não a muita disposição para assumir a problemática  que existe um problema no Brasil e que esse problema é central o qual decorre a maioria dos outros e que muitas vezes a gente vê muitos discursos, palavras muito bonitas, alguns paliativos, mas sem encarar de fato a problemática central. 

Leiagora - Voltando ao tema educação e a importância de políticas públicas. Neste ano completou 10 anos da Lei de Cotas no país. Como avalia esta lei? Acredita que possa ter melhorias?

Cândida Soares da Silva - Ter uma política que possibilite condições a estudantes negros e negras ingressarem na Universidade nos cursos superiores é um desejo e uma luta do movimento negro com toda certeza. Na década de 80 se não me falha a memória já propunha uma política pública que já vinha nessa direção, mas com foco na população negra, essa proposta ela foi passando por todas instâncias sendo aprovados e aí de repente ela some do mapa, ela desaparece, aí depois de algum tempo ela aparece em uma portaria que vai dizer determinados projetos que estavam em tramitação. O curioso é que quando sai essa portaria o autor desse projeto não estava mais na Câmara Federal enquanto deputado.  Então não tinha como desativar, posteriormente um outro projeto vai na perspectiva de classe, depois de muitos debates ele foi aprovado em 2012 e com recorte da população negra e indigena.

Na verdade, a gente tem um projeto de lei que foi o que foi possível, a questão das cotas foi parar no supremo, então isso que nós temos hoje não é uma política de cotas para a população negra, é uma política de cotas para escola pública com recorte para população negra e indigena e posteriormente para as pessoas com deficiência. 

Nesses 10 anos foi importante embora não tenha sido o desejado, que foi possível e que foi importante várias pessoas conseguiram ingressar com a reserva de vagas, conseguiram sim, mas é necessário avanço porque se não houver avanço nós vamos estar com uma política que de fato não enfrenta a problemática da maneira como ela deve ser, porque ela faz um recorte então isso acaba servindo basicamente como evitando de certa forma também o ingresso, porque o percentual dentro de um recorte de 50% do  universo de ofertas.

É necessário que agora ao final dos 10 anos se pense como uma política para ser superada, mas como uma política que possa ser pensada em uma perspectiva de avanço, ou seja, de uma maneira que ela cumpra com seu objetivo em relação a população do que diz respeito em especialmente a população negra e indigena que tem haver o acesso a Universidade como uma das perspectivas de superação das equidades e desequilíbrio sociais e que foram ancorados e encontram ainda em suas sustentações em desequilíbrios no racismo. 
 
Leiagora - Como o Nepre atua em pautas relacionadas à comunidade negra?

Cândida Soares da Silva - Durante os seus 21 anos o Nepre produz conhecimentos considerando a realidade de Mato Grosso tanto em uma perspectiva de denúncia quanto propositiva, é desenvolver atividades. Por exemplo, como a que desenvolvemos o agora no início de novembro a 16° Jornada de Desigualdades Sociais na Educação Brasileira tendo como foco o debate de políticas afirmativas, nesta trouxemos uma conferência, roda de conversa com estudantes de graduação, pós graduação, de egressos que ingressaram na Universidade por políticas afirmativas e discutimos políticas afirmativas na região amazônica, já que Mato Grosso faz parte dessa região. 

Então esse é o coração do Nepre e o que ele faz, como termos de pesquisa, extensão e todas as ações focadas nas questões relacionadas no que se diz respeito às relações raciais da sociedade brasileira. 

Leiagora - Finalizando nossa entrevista, deixo esse espaço aberto para falar uma mensagem importante de reflexão acerca do assunto.

Cândida Soares da Silva - 20 de novembro, eu penso que, a nós enquanto sociedade Mato-grossense, enquanto sociedade brasileira, nós precisamos refletir, mas também desenvolver ações que envolve uma dimensão maior sobre como que os direitos estão sendo usufruídos, qual que é a qualidade da educação que nós temos, essa qualidade está sendo ofertada para toda população. 

Nós precisamos refletir sobre a qualidade da saúde, quais as condições de acesso que a população negra possui e quais serviços ela tem tido acesso e quais as qualidades desses serviços, então eu penso que é importante nós refletirmos, eu acho isso é responsabilidade de pessoas negras sim, mas não exclusivamente é uma responsabilidade também das pessoas brancas em problematizar os benefícios e os privilégios dos quais elas usufruem, porque em uma sociedade racista se um grupo é esfoliado dos bens deles, dos bens sociais um outro grupo é beneficiado por isso. 

Se a população negra sofre as consequências de uma desigualdade que foi historicamente construída tendo o estado brasileiro se ancorado no racismo como base não não é atoa que as condições de vida da população branca é melhor do que as condições de vida da população negra. Embora por mais de 400 anos esse Brasil tenha construído suas riquezas e seus bens culturais em auxílio construído por base o trabalho escravizado, então o Brasil após a abolição não se pensou em políticas públicas desse grupo, então o problema do racismo ele é da sociedade brasileira e portanto de responsabilidade também da população branca.
Clique aqui, entre na comunidade de WhatsApp do Leiagora e receba notícias em tempo real.

Siga-nos no Twitter e acompanhe as notícias em primeira mão.


 

0 comentários

AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do site. É vetada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O site poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.

 
Sitevip Internet