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Notícias / Entrevista da Semana

18/12/2022 às 08:00

Casa do Migrante aguarda convênio com a Prefeitura de Cuiabá para continuar mantendo os trabalhos

Em entrevista ao Leiagora, o padre Valdecir Mayer, diretor do local, explicou o assunto

Gabriella Arantes

Casa do Migrante aguarda convênio com a Prefeitura de Cuiabá para continuar mantendo os trabalhos

Foto: Arte: Leiagora / Foto: Arquivo pessoal

O Dia Internacional do Migrante é celebrado neste domingo (18). A data tem o objetivo de reconhecer a contribuição de tantos migrantes em diversos países do mundo, mas também evidencia uma realidade sofrida. Em Cuiabá, por exemplo, há apenas um lugar que acolhe essas pessoas: o Centro de Pastoral Para Migrante, que fica localizado na Av. Gonçalo Antunes de Barros, bairro Carumbé.

O lugar é muitas vezes a única esperança para muitas famílias, no entanto, passa por dificuldades e corre o risco de não ter o mesmo atendimento no ano que vem por falta de recursos. A esperança de quem trabalha lá é que seja firmado um convênio com a Prefeitura da Capital, para que o município auxilie no custeio mensal da Casa. 

Quem falou sobre o assunto durante a entrevista da semana do Leiagora foi o padre Valdecir Mayer, diretor do Centro.

Confira a entrevista na íntegra:

Leiagora - Como funciona o Centro de Pastoral Para Migrantes? Quantas familías vocês atendem? 

Padre Valdecir Mayer - A Casa ela hoje acolhe a maior parte de famílias, tendo em vista também que não temos no município uma casa que acolha essas pessoas. Então hoje nós estamos com um atendimento praticamente mais focado nessa atenção à família. Essa é a primeira questão, outra é que estamos com uma Casa praticamente cheia o tempo todo, que varia de 70 a 75 pessoas diariamente.

A Casa trabalha em cima de quatro eixos, que são um pouco dos quatro verbos do Papa Francisco. Que são: acolher, proteger, promover e integrar. Dentro do acolhimento entra toda questão que a Casa oferece alimentação, o local para descansar e dormir e, tem essa preocupação destas duas garantias. Depois temos toda uma preocupação com a questão da documentação, que é aquilo que é fundamental para que o migrante possa se inserir na sociedade e no mercado de trabalho.

Aqui a gente faz toda a documentação, até mesmo digitalizando toda ela e encaminhando para a Polícia Federal. Até mesmo para facilitar tanto o atendimento da polícia, como também facilitar essa ida e vinda dos migrantes que muitas vezes acontecia. Vai na polícia, falta isso e falta aquilo. Então hoje a gente possibilita através do serviço que a Pastoral oferece, a gente digitaliza toda essa documentação e o migrante só vai na Polícia Federal  para poder estar assinando e pegar a documentação dele. Depois temos todo um outro olhar dentro do aspecto da proteção que é preparar os migrantes para o mundo do trabalho, tanto através dos cursos profissionalizantes que nós buscamos realizar ao longo do ano aqui na Casa, e principalmente oferecendo o aprendizado de uma língua, no caso a portuguesa. Para que eles possam estar mais preparados para a inserção tanto no mercado de trabalho quanto na própria sociedade.

Outro aspecto daquilo que nós realizamos foi a atenção a essa situação de família que tem muitas crianças e com isso a gente acabou criando uma extensão, abrindo duas salas como se fosse uma pequena creche para que as mães tenham como deixar os filhos aos cuidados de uma equipe que fica responsável por isso. Para que elas possam estar indo atrás de trabalho ou de atividades que realizam durante o dia. Então são várias ações que a gente tem nesse sentido de que a pessoa que chega aqui na Casa ela tem um tempo para poder descansar, se preparar através dos cursos e do aprendizado da língua, como também uma equipe que ajuda encontrar trabalho. Além desses serviços, temos toda uma questão que vem após essa inserção no mundo trabalho que é a saída da Casa, e essa saída que é o grande desafio que a gente encontra. Porque os migrantes quando chegam vem praticamente com uma mala, quando eles encontram um lugar para poder estar morando, além da precariedade dos locais de moradia, dos aluguéis que estão bastante caros, ainda tem toda a dificuldade de estar equipando a casa. Então a gente tem algumas parcerias, inclusive com as comunidades na qual a gente atua na Paróquia do Divino Espírito Santo e também de outras pessoas amigas, que às vezes colaboram com doações de um fogão, geladeira e de botijão de gás. 

Leiagora - Vocês tem uma parceria com a comunidade e também sobrevivem de doações? 


Padre Valdecir Mayer - Isso, a gente vive bastante das doações que são direcionadas mais para os migrantes e também temos aqueles que colaboram ajudando com a Casa. Mas é claro que o nosso sustento maior é fruto de uma congregação religiosa na qual a gente pertence que é os padres descalavrenianos que mantêm essa obra aqui. Temos também algumas parcerias, que temos com a OIT, que é a Organização Internacional do Trabalho que possibilita a gente dar uma qualidade melhor nesse atendimento. Nessas ajudas, seja através da congregação, da OIT, da comunidade, de projetos que conseguimos com o Ministério Público,  por exemplo, este ano conseguimos dar 150 cestas básicas para as famílias que já saíram da Casa, mas que ainda vivem a dificuldade de ter e sobrar recursos para a comida. Porque o salário é baixo, o aluguel é caro, o custo de vida ficou bastante difícil e com isso muitas famílias passam hoje necessidade. Então a gente tem graças a este projeto que conseguimos com o Ministério Público possibilitar essas 150 cestas básicas que distribuímos todos os meses. 

Leiagora - O senhor acredita que o poder público poderia ajudar a melhorar a situação de vocês?


Padre Valdecir Mayer - Sem dúvida, inclusive nós estamos lutando pra um convênio com a Prefeitura de Cuiabá, já foi prometido pelo próprio prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), em uma visita que fez na Casa. Está tramitando há mais de quatro meses, essa nossa busca por esse convênio que tivemos todos os acenos possíveis. Na época tivemos muita ajuda tanto da deputada federal Rosa Neide (PT), como do deputado estadual Valdir Brranco (PT), que ajudou nessa articulação com a prefeitura. O nosso principal problema é dar continuidade com o trabalho, porque nós temos uma equipe e que vivemos muitas vezes de projetos. E a cada ano ficamos na eminência se vamos conseguir renovar ou não. Se vamos conseguir continuar dando o mesmo atendimento ou se não vamos conseguir. Porque não tem como a gente arcar com toda essa despesa pelo volume de trabalho que nós temos aqui hoje. Então claro, se a gente conseguisse ter esse convênio com a prefeitura, isso daria tranquilidade tanto pra gente pode trabalhar e também buscar outras parcerias mais pontual para ajudar os migrantes. O que a gente sente é que não é fácil pra quem chega só com uma mala, de repente começar uma vida sem ter o mínimo de apoio. Então a gente hoje tem que ter duas preocupações, uma é manter a Casa, alimentação e a estrutura de serviço que a gente oferece. E outra é como a gente garantir a continuidade dos trabalhos que a gente realiza.

Leiagora - Vocês atendem imigrantes de todas as regiões? Não tem uma restrição?


Padre Valdecir Mayer - Nós atendemos os imigrantes, então a Casa é focada na migração estrangeira. Tendo em vista que também temos uma migração interna que a prefeitura tem alguns abrigos que atendem moradores de rua e acaba atendendo alguns migrante que estão sozinhos. Mas a grande preocupação que nós temos é justamente conseguir dar um bom atendimento.

Leiagora - Como vocês lidam com essas famílias que infelizmente pedem dinheiro no trânsito de Cuiabá? Como funciona essa parte com vocês?


Padre Valdecir Mayer - Claro que a migração é muito maior do aquilo que a gente abrange né e não conseguimos abranger todas as pessoas. A grande discussão que sempre eu vi, é que como a gente vai abordar uma família que está na rua com criança, se nós não temos nenhuma proposta de uma oferta de oportunidade que ela encontra na rua. É o que eu falo, se a pessoa encontra uma oportunidade na rua e vê que isso é melhor, é porque não estamos conseguindo oferecer algo que seja mais atrativo. Acho que revela uma sociedade que está em decadência. Se a rua passa a ser uma opção melhor para uma família com criança, isso deve questionar profundamente esse modelo de sociedade que nós temos. Nesse sentido, a gente pensou nessa Casa de Apoio às mães. Porque a maioria das mães que chegam com crianças não encontram creche. Não encontram a oportunidade de colocar os filhos na creche porque o migrante não tem hora pra chegar. Todo o dia vai chegando gente, e eu não consigo colocar todo o dia as mães que querem buscar emprego e colocar na creche. Então por isso que a gente se obrigou a seguir esses passos do Centro Pastoral que não é um serviço que a gente executava e não era uma missão nossa, mas que a gente viu como necessidade para que essas mães não tenham que ir pra rua levando os filhos. Nesse sentido a gente vem fazendo a nossa parte, para que essas mães que aqui chegam não tenham que buscar a rua. Eu escutava muitas vezes as mães que estavam aqui dizendo “olha, não tem como eu fazer uma diária porque não tenho com quem deixar a criança, não tenho como começar um trabalho porque não tenho como deixar o meu filho”. Então claro que a rua passava a ser uma opção para que a pessoa pudesse pelo menos tirar algum recurso pra ela poder ter algum ganho. A gente já teve esse olhar, tendo em vista esse momento que vive essas famílias que vem chegando cada vez mais numerosas, com duas ou três crianças e que temos que dar uma resposta rápida para elas. Não adianta falar que vai garantir vaga para o ano que vem, mas o problema dela é o amanhã. Então essas situações que são muito urgentes deveriam ter respostas mais rápidas. O poder público deveria ter essa preocupação. Até mesmo estamos realizando um seminário, que vou trazer essa realidade dentro daquilo que são as garantias dos direitos humanos, para pessoa ser acolhida dentro da sua realidade, em um momento delicado.

Leiagora - Por parte do poder público, você acredita que há dificuldade no Estado de conseguir inserir essas pessoas na sociedade e no mercado de trabalho?


Padre Valdecir Mayer - Eu acho que o poder público tenta dar algumas ajudas, mas eu vejo que por termos um estado considerado rico, onde tem um PIB bastante grande, claro que poderia ter uma atenção maior. Nós não nos omitimos de realizar um trabalho até maior e melhor aqui, mas nós precisamos contar com esse apoio. Se nós pudéssemos contar com mais apoio a nível mesmo do Governo Estadual, que praticamente nós não temos nenhum. Nós temos algum apoio da prefeitura, que pelo menos nos ajuda pagando a luz e ajuda semanal com uma pequena ajuda com frutas e verduras né, que não atende a necessidade, mas ajuda. Mas é o pouco que às vezes o poder público acaba não fazendo. Mas eu vejo que o Estado tem como pensar não só nessa questão do migrante, mas em todas as demais necessidades que vive muitos dos nossos irmãos e irmãs que também moram aqui no país. Então os migrantes hoje encontram muita dificuldade, mas fruto também da realidade com que muitos estão passando hoje aqui. Então acho que o que a gente vem discutindo é que é possível ter políticas públicas que atendam de uma maneira mais satisfatória a migração. O Brasil tem um olhar de um país acolhedor, de um país que abriu as portas para acolher a migração, só que às vezes a compreensão é que acolher o migrante é só deixar entrar no país e dar um visto de permanência. Então não é só isso, precisamos inserir eles em outras políticas públicas que não são só essas emergenciais. Quando se fala que o imigrante está sendo assistido porque tem direito a saúde e a educação que são as necessidades básicas e até primitivas. Que é comer, ter direito à saúde limitada né. Porque é muito limitado esse atendimento à saúde, falta remédio e a gente convive com essa realidade que as pessoas vão e são atendidas nos postos de saúde e vem com a receita aqui pedindo que a gente compre os medicamentos porque não encontram na farmácia pública. Então, são essas situações que a gente precisa realmente estar debatendo, estar refletindo porque temos condições. Como sociedade, como poder público, e facilitar e diminuir a dor e o sofrimento de tantas pessoas.

Leiagora - Há alguma meta ou projeto que a Pastoral está planejando para 2023?


Padre Valdecir Mayer - Essa é a grande dificuldade nossa. Para o ano que vem temos esperança que esse convênio com a prefeitura saia. Pelas mensagens que eu troco sempre está dizendo que está tramitando, então não sei quanto tempo vai continuar assim. Mas tenho esperança, porque não tenho em vista que mesmo o projeto que temos com a OIT que nos possibilita essa atenção mais específica ao migrante é um projeto que termina em junho e que não tenho perspectiva de renovar. Já é o terceiro ano e eles não queriam renovar este ano, mas mediante a necessidade eles atenderam a nossa solicitação. Mas já não tenho mais a garantia para o ano que vem. Nós fizemos um outro projeto com o Ministério Público do Trabalho para continuar com as cestas básicas e estamos aguardando. Mas a gente vê a necessidade de continuar dando esse apoio. Enquanto ainda não tiver uma concretização dessa ajuda governamental que a gente acredita que isso vai estar melhorando, mas enquanto não tiver isso temos que pensar na forma que vamos auxiliar essas famílias. Claro que temos uma boa vontade e temos uma limitação de poder não ter clareza naquilo que nós não temos de perspectiva para o ano que vem. Como congregação, não vamos deixar que a Casa feche, pelo menos mantendo aquilo que é o básico do acolhimento e da comida, mas não é só isso. Até mesmo nas próprias palavras do Papa Francisco. Como são uma coligação religiosa que trabalha com o migrante desde a sua fundação que nasceu com essa finalidade, mas a gente tinha as Casas de migrantes mais com a visão de acolher e dar comida. Mas hoje a gente vê que não é mais o suficiente. Porque o mundo também tem desafios maiores e os migrantes têm que estar mais preparado para essa realidade. Antigamente a gente falava que precisávamos não dar o peixe, mas ensinar a pescar. Hoje não basta mais ensinar a pescar, tem que ajudar a saber onde tem peixe. Então é a mesma situação da realidade, hoje se o migrante não estiver preparado para enfrentar os desafios do tempo presente, é complicado. Se ele não souber a língua portuguesa ele vai ter muita dificuldade de conseguir tanto trabalho como inserção no mundo do trabalho. 
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