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Notícias / Entrevista da Semana

09/04/2023 às 08:00

Paixão pela profissão: Elias Neto conta como foi acompanhar evolução do jornalismo durante 44 anos de carreira

Em comemoração ao Dia do Jornalista, uma das figuras mais famosas do telejornalismo em Mato Grosso conversa com o Leiagora e conta a sua trajetória em meio às notícias

Paulo Henrique Fanaia

Paixão pela profissão: Elias Neto conta como foi acompanhar evolução do jornalismo durante 44 anos de carreira

Foto: Foto: Eduarda Fernandes / Arte: Leiagora

A década era a de 1960. Aos cinco anos de idade um garoto morador do município de Cáceres sentava com toda a família ao redor de um rádio Phillips e se encantava com a tecnologia que trazia as notícias do Brasil e do mundo. O pequeno cacerense não entendia muito bem como tudo aquilo funcionava, ele até achava que um homenzinho pequenino morava dentro daquela caixinha e ficava a noite toda dando as notícias. Acontece que um dia contaram para ele a verdade, que uma transmissão trazia por meio de ondas aquelas notícias que vinham de lugares distantes que ele nem sonhava em conhecer.
 
A partir daí, o garoto ficou apaixonado pelo rádio e colocou uma ideia na cabeça: “vou trabalhar com isso”, e assim ele fez. Com um sonho na cabeça e com muita determinação, o jovem de 19 anos foi até a porta da Rádio Difusora de Cáceres e disse: “Oi, me chamo Elias Neto, quero trabalhar com vocês”. Assim começou a jornada profissional de um dos maiores nomes do jornalismo de Mato Grosso.
 
Aos 63 anos de idade e com 44 anos de profissão, Elias Neto não é apenas uma das figuras mais conhecidas do estado quando se trata de telejornal, mas também é uma enciclopédia do jornalismo mato-grossense. O apresentador, que se aposentou da televisão em 2021, é autor do livro “Do Rádio ao Telejornalismo: A Trajetória de um Aprendiz”, obra lançada em 2008 e que consiste em relatos que narram a formação do rádio no estado.
 
Conhecido por ser um profissional sempre acolhedor e disposto a ensinar, Elias Neto concedeu uma entrevista ao Leiagora em comemoração ao Dia do Jornalista, data celebrada em 7 de abril. Durante a conversa, ele falou sobre sua jornada profissional, as mudanças enfrentadas pelo jornalismo com a evolução tecnológica, os tempos sombrios de trabalhar com notícias durante a Ditadura Militar e até mesmo os desafios de apurar e dar as notícias em épocas de Fake News e internet.
 
Confira a entrevista na íntegra:
 
Leiagora – Como foi o seu primeiro contato com o jornalismo?
 
Elias Neto – Somente depois de adulto é que fui perceber que meu primeiro contato começou aos cinco anos de idade. Os meus pais tinham costume de ouvir rádio à noite, nós não tínhamos energia elétrica e eles ficavam ouvindo a Rádio Globo, a Bandeirantes, a Gaúcha, a Inconfidência Mineira, o Brasil Central de Goiânia, aquelas emissoras que sintonizam melhor durante a noite. Às vezes algumas só chiavam aí ficávamos sintonizando de uma pra outra com aquele rádio Philips enorme, uma antena lá no quintal, aí segurava na antena para sintonizar melhor. E eu ficava ao lado deles ouvindo o rádio e, sentados ali, a gente ouvia os programas.

Adelson Alves era um grande nome da Rádio Globo e eu ouvia esses programas. Tinha um programa chamado “Odair Manzano Show” que era da Rádio Tupi, eu adorava ouvir aquelas vinhetas: “notícias do mundo pela Rede Tupi”, e uma vinheta que está no ar até hoje que é o “Globo no ar”. Aí eu fui me apaixonando pela música, mas especialmente pela notícia, a forma dos locutores falarem, de noticiarem e chamarem os fatos, contarem os fatos. Isso me chamava muito a atenção e aí eu comecei a pensar: “eu quero fazer isso”.
 
Com cinco anos de idade eu já me apaixonei por ouvir rádio. Inicialmente eu não tinha ideia de como chegava aquele sinal. Eu imaginava que tinha um hominho lá dentro falando, depois o rádio teve um problema, estragou e aí veio um técnico, o único técnico da cidade, foi lá ver o que estava acontecendo. Ele virou o rádio e abriu aí eu falei: “o são aquelas válvulas?”. Aí o técnico começou a explicar pro meu pai e eu fiquei ali ouvindo, eu já estava com seis anos de idade. Foi então que entendi que era uma transmissão, mas mesmo assim, a transmissão era uma coisa muito distante na minha cabeça. Eu fiquei pensando: “como assim transmissão? Tem um estúdio?”. Foi dessa forma que começou.

Eu ouvi por exemplo a Copa do Mundo de 1970 pelo rádio, mas eu ainda não entendia muito bem. Eu tinha 11 anos de idade, mas não entendia muito bem porque os adultos não dialogavam com as crianças. Então eu não entendia muito bem onde que ocorria aquela Copa. Um tempo depois que eu fui entender que a decisão foi em Guadalajara no México. Tinha um jogador chamado Jairzinho e todo mundo gritava: “Gol, gol do Jairzinho”. Eu achava que o Jairzinho era um vizinho nosso chamado Jair. Mas achava isso porque o Jair também jogava futebol lá no campo Mato Grosso em frente à casa do meu avô, onde hoje é um supermercado na Rua Marechal Deodoro em Cáceres.
 
Leiagora – O senhor começou muito cedo na Rádio Difusora em Cáceres não é mesmo?
 
Elias Neto - Aos 19 anos. Incialmente eu cheguei na rádio e disse: “Quero trabalhar aqui”, e lá eu conversei com o senhor Vignardi que era dono da rádio em 1978. Fui lá e pedi o emprego pra ele, mas eu já fazia alto falante, porque antes do rádio eu fui para o teatro. Eu sou inicialmente marceneiro, minha primeira profissão é a marcenaria e aí, concomitante a marcenaria, eu estudava a noite e fazia outras atividades como teatro, escotismo, enfim, tudo isso em Cáceres.

Eu fui líder de líder de grupo jovem e tudo isso me ajudou na comunicação porque eu era muito tímido e aí surgiu uma chance, por meio de um padre, o Padre Geraldo, de fazer teatro. Na época eu estudava no Colégio Estadual Onze de Março (Ceom), mas já conhecia o Padre Geraldo por meio do grupo de jovens. Ele me convidou para fazer uma peça chamada “O Baralho da Sorte”. E eu achei tudo isso muito interessante, mas eu queria ir pro rádio, então fui lá e pedi emprego para o Vignardi. Só que ele me disse: “Você já fez rádio?”, e eu falei que não e ele respondeu: “No Dia do Trabalhador, 1º de maio, nós vamos inaugurar a rádio, aí você vem aqui e a gente vai aproveitar você”.

Confesso que não gostei dessa história. “Como assim vamos aproveitar você?”, pensei comigo, já achei que ele ia me colocar em uma função que não tem nada a ver e queria fazer notícias, queria falar notícias. Aí aconteceu uma promoção chamada “24h horas para Uma Criança”, que foi realizada em todos os municípios brasileiros e começou com a Rede Globo, que eu acho que depois se transformou no Criança Esperança. E Cáceres fez essa promoção e a rádio estava transmitindo e eu me juntei ali perto da rádio, levei os escoteiros pra lá e peguei o microfone e precisava de alguém falando. O Vignardi chegou na rádio por voltal das 19h e me viu falando e me chamou pra trabalhar. Depois disso eu fiz o teste, era uma segunda-feira e pensei que não ia passar, mas passei, fiquei mais dois meses ensaiando e fui paro o ar ao vivo.
  
Leiagora - Sempre dando notícias?
 
Elias Neto - Inicialmente, não. Na verdade eu achava que era mais fácil falar notícias. Depois eu percebi que era mais difícil você dar a credibilidade na notícia, interpretar o texto e tudo isso. De certa forma, era menos difícil anunciar a música.
 
Leiagora Por que?
 
Elias Neto - Porque era mais solto a música e a notícia, principalmente naquela época, era de uma formalidade imensa, isso em 1979. Ela tinha toda uma técnica para se aplicar. Claro que ainda existem muitas técnicas, mas hoje em dia é uma coisa mais solta, mais conversada e com isso torna-se um pouco mais fácil. Não digo tão fácil, mas um pouco mais tranquilo.
  
Leiagora – Como era a apuração da notícia naquela época, em uma cidade como Cáceres?
 
Elias Neto - Naquela época as emissoras de rádio do interior por exemplo elas evitavam dar notícias regionais e locais, criar notícias. As rádios reproduziam notícias nacionais e internacionais. Porque estava no regime militar, então havia essa preocupação e não havia ainda esse trabalho comunitário.

Por exemplo, a Rádio Difusora de Cáceres, os noticiários dela traziam notícias nacionais e internacionais e eu me lembro que no meu teste havia assim um calhamaço de notícias que falavam sobre o presidente norte-americano Jimmy Carter, do presidente João Batista Figueiredo, as notícias de Brasília, dos Estados Unidos, de Washington, das guerras no Iraque, no Vietnã, eram os resquícios da guerra do Camboja.

A apuração local, eu me lembro, nós fazíamos algumas coisas. Eu saia com um caderno debaixo do braço, não era nem gravador, ia até a secretaria tal da prefeitura e a pessoas ditavam o que ela queria que fosse divulgado. Às vezes o secretário pegava o caderno, escrevia pra gente trazer alguma noticia da prefeitura, da Câmara municipal, mas era bem incipiente, bem fraco.
  
Leiagora As rádios davam mais noticias nacionais e internacionais por causa da Ditadura? Isso era medo do período em que tínhamos a figura do censor?
 
Elias Neto - Eu não diria medo, mas como não havia uma concorrência, de certa forma tinha uma preocupação para não ter embaraços ou coisas parecidas. Em se tratando de uma concessão, naquela época era muito difícil conseguir a concessão de uma emissora, era complicado, por essa razão as rádios evitavam. Como você tinha só uma emissora na cidade então dar a notícia local ou não dar a notícia local, tanto faz como tanto fez e isso mudou no decorrer dos tempos com a chegada de novas emissoras em Cáceres. Teve a Rádio Difusora, depois o Rádio Jornal e depois a Centro América FM. A concorrência é muito salutar.
  
Leiagora - E como foi essa transição, o senhor saindo de Cáceres e indo para Cuiabá e depois do rádio para a televisão?
 
Elias Neto - Eu conheci a televisão com 13 para 14 anos de idade quando chegou a TV Centro América em Cáceres, isso em 1972 ou 1973. A transmissão era de forma física, de uma torre para outra. Quando eu vi o telejornal eu desisti um pouco do rádio e pensei: “Eu quero a televisão”.

Na época aparecia Macedo Filho, o saudoso Lino pinheiro, Edvaldo Ribeiro. Quando cheguei em Cuiabá em 1982, o Edvaldo já estava lá na TV. O Lúcio Sorge chegou acho que em 1980 na Centro América. João Roberto Curti, que depois foi meu diretor, ele fazia “O Jornal de Verdade”. Saudoso João Marinho foi um dos apresentadores. Infelizmente, a maioria dessas pessoas já partiu e tínhamos admiração por essas pessoas.
 
Em 1981 eu decidi que iria em dezembro para Cuiabá para procurar emprego, mas eu sabia que eu teria que fazer um trampolim de entrar no rádio para depois ir para a TV, eu sempre fui assim de fazer etapas, vencer etapas. Eu saía todo dia às 5h para procurar emprego, até ir pra rádio. Fui para a Rádio Voz do Oeste fazer teste. Estive na rádio Industrial de Várzea Grande, a conversa foi boa, mas não vingou. Até que uns dias depois, por coincidência, eu encontrei o Roberto França, que eu já conhecia do lado da casa da minha irmã onde eu estava hospedado.

Meu cunhado falou: “Ali tem um cara do rádio, o Roberto França”. Meu cunhado saiu e conversou com ele dizendo que eu estava procurando emprego e que trabalhava em rádio. Eu saí, apertei a mão dele e ele me apresentou o dono da rádio, o Fauzer Antunes dos Santos que me perguntou o que eu fazia. Claro que eu queria mostrar serviço e falei: “faço isso, isso, isso e isso”, fazia de tudo [risos], naquela época você fazia de tudo, mas na verdade eu fazia mesmo. Fiz programa musical, redigi notícia, fui redator na Difusora de Cáceres, fui o repórter musical.
 
Era um sábado e eles foram buscar gelo para fazer um churrasquinho e o Fauzer me falou para ir na segunda-feira e fazer um teste. Eu me lembro que chegando lá me deu um calafrio, frio na barriga, mas já foi diferente, eu entrei no estúdio, nessa época eu estava com 22 anos, era uma rádio linda, fiz o teste tranquilo, o Fauzer ouviu e falou: “conversa com nosso gerente e acerta aí”, aí eu fui buscar minha mala em Cáceres e voltei mesmo em janeiro de 1982. Mas a viagem demorou 24h.
 
Leiagora Como assim?
 
Elias Neto - Era estrada de terra, mas demorava umas 6 ou 7 horas de viagem de Cáceres até Cuiabá, mas a minha durou 24h. Eu faltei no primeiro dia de trabalho [gargalhada]. Tem um rio que chama Sangradouro e era o mês de janeiro, muita chuva, e caiu a ponte que ligava a estrada. Eu peguei o ônibus das 14h para chegar em Cuiabá às 00h ou 1h, mas o ônibus parou às 18h. Eu achei que ia só dar uma parada e acabei adormecendo e como estava cansado eu dormi e acordei só no outro dia, no mesmo lugar. Aí veio um outro ônibus fazer baldeação e eu cheguei em Cuiabá as 8h da manhã, mas não perdi o emprego.
 
Na época eu não tinha onde morar e tinha um quartinho lá no fundo da rádio e eu pedi moradia por lá. Eu trabalhei 1 ano e meio lá, trabalhando e morando na rádio, foi uma experiência fantástica porque às vezes faltava alguém às 2h, eu era chamado. Na época já tinha o trabalho de coberturas locais, cobria Assembleia Legislativa, Câmara de Vereadores, polícia, já tinha as editorias separadas, sendo que em Cáceres eu fazia de tudo. A partir daí eu não anunciei mais música, eu anunciei o jornal falado. Eu acordava às 4h para redigir, fazia o “Grande Jornal Falado” e as notícias de hora em hora, então ficava o dia todo na rádio. Depois que voltou um colega chamado Paulo Araújo e eu terminava o jornal e ele assumia o período da manhã e eu assumia o período da tarde.
 
Aí eu fui convidado para ir pra antiga Rádio Vila Real que era uma emissora muito cobiçada por profissionais e esse foi o pulo para a televisão. Foi lá que eu aprendi. O editor-chefe era o professor Pedro Pinto de Oliveira que hoje é aposentado e pós-doutor na UFMT. Nós lançamos lá o “Jornal da Manhã da Vila Real”, que era um jornal de uma hora e meia e ele tinha uma característica muito jovem e moderna, um trabalho que ainda hoje é feito praticamente assim, a diferença é que nós não tínhamos internet, então trabalhávamos com Telex, Fax e tinha um equipamento moderníssimo que se chamava Ponta a Ponta, que trazia as notícias. Ele era tipo um Fax que era interligado às agências de notícias como a France Press, e de repente você estava lá na redação e começava o barulhinho: “tec tec tec tec”, e as notícias iam chegando, ele era sóá para notícias e tínhamos essa facilidade para pegar as notícias internacionais, mas mesmo assim fazíamos o trabalho de radioescuta que você ligava nos noticiários das grandes emissoras, gravava e copiava. Muita coisa ficava pelo caminho.
  
Leiagora O senhor se aposentou em que ano?
 
Elias Neto - Na verdade me aposentei em 2017, mas continuei mais quatro anos na televisão. Aí veio o PDI, um Plano de Demissão Incentivada. Eu gostei do plano e decidi que assinaria esse plano para seguir novas rotas. Em 2021, eu assinei o PDI porque eu estava em home office na época da pandemia. Inclusive, foi uma experiência sensacional. Fiquei um ano e meio em home office e lá eu realizava a reportagem com o telefone celular e notebook e eu conseguia com muito sucesso. Foi um momento, uma janela da minha história que eu nunca imaginei que um dia faria reportagem por telefone celular, sem sair de casa, e conseguir fazer muitas reportagens.
  
Leiagora Podemos dizer que hoje em dia, com todas as facilidades de celular, chamada de vídeo, internet e computadores, “está mais fácil apurar as notícias?”.
 
Elias Neto - Eu diria que está mais rápido, e muito mais rápido, para você buscar a notícia, você buscar a informação. Mas com muito cuidado para não cair em fake news, por causa dessa ferramenta que nós temos aí, essa maravilha que é a internet.

E sou de uma época sem internet, da época da máquina de escrever, do Telex. Só que eu acho que não está mais fácil, eu acho que as dificuldades migraram, as dificuldades estão diferentes. Antigamente você tinha esta, aquela e outra notícia, três notícias. Hoje você tem 300 informações. Como fazer a triagem de tudo isso? Como ter o bom senso para você trazer a melhor informação? É uma coisa que meio que pira a sua cabeça. O jornalismo evoluiu muito, sem dúvida nenhuma, mas eu entendo que não ficou mais fácil, ficou mais rápido, mais criterioso, exige muito mais critério do jornalista do que naquela época, que também existia, mas como você tinha um volume menor, você tinha menos material, evidentemente que fica mais fácil você fazer a escolha.
  
Leiagora - O senhor trabalhou em dois períodos muito fortes da política brasileira. No começo da carreira em meio à Ditadura Militar e próximo de se aposentar, um período onde o Brasil encontra-se totalmente polarizado e se discute muito as fake nNews. Como foi tudo isso?
 
Elias Neto - Eu vejo que os momentos são igualmente difíceis. Naquela fase onde você tinha que pisar em ovos, eu me lembro de meu diretor era um dos donos da Rádio Vila Real, o João Roberto Curti. Nessa fase tinha um censor da Ditadura que ficava lá na redação acompanhando, olhando o que você estava falando, tinha ali um censor, um oficial do exército acompanhando aquela situação. Isso chega a ser vexatório. É uma situação muito difícil.

E hoje temos a polarização, onde nós podemos entrar num buraco sem fundo porque, como eu já disse, sem que tenhamos critérios bem definidos para evitar entrarmos em certas ondas e resolvermos defender um lado somente e esquecer do outro lado.

Enquanto jornalistas, acho isso muito perverso, que a gente corre o risco de ficar carimbado com a marca de uma ideologia que não sei se vai ser importante para nossa carreira, para o futuro, não só da gente, como da nossa família, para o futuro da humanidade. O jornalista tem que ter um cuidado muito fino para evitar ser um defensor de uma ideia que entrou na onda ou coisa parecida.
 
Leiagora - Ele tem que saber dividir a parte de jornalista e a parte de militante, é isso?
 
Elias Neto – Exatamente. Ele pode ser militante? Pode ser militante. Mas enquanto jornalista, não. Evidentemente que ninguém é santo. A gente termina às vezes esboçando as nossas ideias, até porque, quando nós escrevemos, quando nós falamos, nós falamos a partir de um ponto, a partir de uma ideia que existe em nossas mentes e das nossas referências.
  
Leiagora - Pode-se dizer então que não existe jornalismo imparcial?
 
Elias Neto - Eu acho que há, sim, imparcialidade. Essa imparcialidade é uma coisa muito difícil de se atingir, mas pelo menos a gente deve procurar ter uma um fiel da balança, que é uma ética. Uma ética de trabalhar em cima disso para, justamente aí, você não ser o defensor de uma ideia única. Quando você fala uma ideia única, aí sim a situação fica bem complicada, naquilo que a gente transmite e vamos correr o risco de transmitir simplesmente a inverdade.
  
Leiagora - Atualmente, nós vemos a proliferação de páginas na internet que se dizem páginas jornalísticas, como no Instagram por exemplo. Mas essas páginas se concentram em reproduzir vídeos que as pessoas mandam e acabam não apurando os fatos. Como é trabalhar com esse cenário?
 
Elias Neto - É preocupante. Eu acho muito preocupante quando você tem um material que ele vai para o ar, que ele é publicado, que ele é veiculado sem nenhuma apuração. Agora, por outro lado, eu vejo como uma ferramenta que ajuda. Você olha lá, vê aquele material, tá lá sem filtro nenhum, cabe ao jornalista que quer fazer um trabalho sério, fazer a apuração e realizar a cobertura dos fatos. Eles não deixam, de certa forma, de pautar o jornalismo diário, são coisas que estão acontecendo. Agora, a responsabilidade que devemos ter é pegar aquele material, vamos dizer assim “in-natura”, bruto e lapidar, ir atrás. Ok, aconteceu uma tragédia, um acidente ou coisa parecida. Vamos correr atrás também. Vamos lá. Vamos apurar, entrar em contato com os órgãos responsáveis pelo trânsito, com a polícia, com isso, aquilo e tal. Eu tenho aqui esse material. Chegou aqui e temos essa informação e aí confere como é que é apurado, de quem foi a responsabilidade daquela tragédia, quem estava no local, quem estava certo, quem estava errado, o que causou aquilo.
  
Leiagora - Essas páginas então não podem ser consideradas páginas jornalísticas, mas sim páginas de entretenimento?
 
Elias Neto – Pode-se dizer que, nessas hipóteses, são páginas de entretenimento, ou são páginas informativas, pois elas trazem, sim, algumas informações. É uma coisa, a grosso modo, sui generis, mas elas têm a sua importância, sem dúvida nenhuma. Agora, cabe aquele que consome a notícia, não sei nem se a palavra seria consumir notícia, mas as pessoas que querem se manter informados, de ter o bom senso de não acompanhar cegamente determinados canais, vamos dizer assim, e entender que ali existe a verdade não mais que a verdade. Você pode até assistir aquilo, mas buscar em outros veículos para você tirar a sua conclusão, não tirar a conclusão de imediato.
  
Leiagora - O bom jornalista, ele é uma pessoa que escreve bem, entrevista bem ou que apura bem?
 
Elias Neto - Inicialmente ele deveria escrever bem, entrevistar bem e apurar bem. Existem esses três tipos de jornalistas, os que escrevem bem, mas não entrevistam bem. O que entrevista bem, mas não escreve muito bem. E outros que apuram de uma forma magistral, mas escrevem mais ou menos e não conseguem entrevistar bem. Em uma redação você encontra produtores que os caras sabem de tudo, mas ele não vai conseguir passar a notícia ou ao mesmo tempo entrevistar alguém, a pessoa é extremamente tímida. São setores diferentes.
 
Leiagora - É um trabalho totalmente em grupo por assim dizer?

 
Elias Neto - O jornalismo não funciona individualmente, de jeito nenhum. O jornalismo é um trabalho em grupo. É uma equipe. Sem a equipe você não chega praticamente a lugar nenhum.
  
Leiagora - O senhor passou pela época em que para ser jornalista não precisava mais de diploma universitário. Como o senhor vê isso?
 
Elias Neto - Eu acho um desserviço, porque uma das formas de você filtrar e trazer melhores profissionais é sem dúvida nenhuma a formação. O Gilmar Mendes entendeu que era um interesse difuso, mas então, por que que não desregularizar outras profissões? Qual foi o interesse para vir desregularizar, justamente, esse setor tão importante da sociedade que é o Jornalismo, que é considerado o quarto poder. Quem gostaria de entrar também nessa área sem a necessidade de um registro? Mas, ainda bem que muitas empresas, as grandes empresas, elas estão tendo como base ainda o certificado. É só fazer o certificado e essas pessoas são contratadas. Eu não quero dizer que a pessoa que sai da universidade já esteja pronta.

O Nilson Lage, doutor em Jornalismo, certa vez me disse, eu perguntei para ele, eu fiz uma pergunta de estudante, - e eu já estava trabalhando quando fui para a faculdade de Jornalismo, já tinha 13 anos de profissão, me formei no IVE, pois quando eu comecei eu não tinha condições de ir para São Paulo, por exemplo, e fazer a faculdade, por isso contratava-se justamente aquela pessoa que tinha interesse e ia pra redação. Muitos não conseguiam e outros conseguiam e iam sendo trabalhados ali de forma prática, era um jornalista na raça.

Eu me lembro que eu estive num encontro na UFMT e o professor Nilson Lage estava ali e era um dos palestrantes e eu fiz essa pergunta para ele: “O que fazer para que o jornalista saísse da universidade com uma preparação melhor?”. Ele me respondeu que a universidade não existe para deixar as pessoas completamente prontas. Elas estão no caminho e você vai atrás, o tempo é que vai te deixar um bom jornalista, um grande jornalista, ou vai tirar você do mercado. As pessoas que chegam, elas chegam com suas dúvidas. Mas é muito importante que os novos jornalistas cheguem para as redações, porque eles trazem as dúvidas pra gente. E nós precisamos pensar também para dar a respostas a eles. E eles também nos ensinam com suas dúvidas e com novas informações, temos que fazer esse acolhimento. Ainda mais agora, depois que entramos na era da internet.
  
Leiagora Para finalizar. Nós vivemos em uma época em que a nossa profissão é muito atacada, nossa profissão é muito tachada mentirosa e está vindo uma nova geração por aí. Qual recado o senhor tem pra essa nova geração, que às vezes dá uma desanimada, fica triste com todos esses ataques?
 
Elias Neto - Tem que insistir, persistir, essa é uma das formas de enfrentar esta situação, que eu creio que uma hora vai passar. Isso é um jogo, você tirar a credibilidade daquele que trabalha de verdade, é uma forma de você vencer uma batalha, uma disputa às vezes covardemente. Infelizmente existe essa linha aí que ficou muito clara nos últimos tempos e mundialmente falando.

Aquele que tá chegando, antes de mais nada, é preciso muito estudo, estudar, não ser apenas um cara informado, uma pessoa bem informada é importante, mas que tenha cada vez mais a melhor formação, tenha conhecimento. Com o conhecimento você terá a possibilidade de debater sobre o assunto com capacidade. Você vai encontrar palavras adequadas e argumentos adequados, os melhores argumentos, para defender as suas ideias. Essa situação exige que nós sejamos cada vez mais preparados, cientificamente falando. Eu acredito nisso, acredito muito nessas pesquisas, acredito muito nas universidades, nos livros. Ler muito, ler, ler, ler e ler para que esse conhecimento não seja apenas uma coisa rasa, que seja um conhecimento profundo. Quando a gente conhece, a gente consegue, inclusive, simplificar uma ideia. Quando a gente não conhece, é melhor não dizer nada.
 
Eu comparo ao atleta de alto rendimento. Quem me vem à cabeça agora é o Usain Bolt. Ele fazia assim 100 metros em 9 segundos. O Usain bolt treinava 9 segundos por dia? Não! Ele treinava 8h por dia e ele não treinava só correr, ele fazia alongamento, fazia fortalecimento muscular, tinha psicólogos com ele, uma equipe toda com ele, médico, preparava-se a cabeça para enfrentar a fama, enfrentar essa coisa toda porque já sabia que era um cara de alta performance.

Aquele raio que ele fazia era nada mais nada menos que um marketing. Um dia ele fez isso, alguém falou: “é isso, faça, não pare de fazer isso”. Aí o mundo passou a fazer o sinal do raio e tal que foi implantado por ele. Então ele entrou pra história como esse grande nome do atletismo.

E a mesma coisa ocorre com a gente, precisamos nos preparar profundamente. É igual fazer uma palestra, eu dou aula de oratória e digo sempre: “você vai fazer uma palestra de 40 minutos? Prepare-se para 2h. Que aí você consegue fazer o resumo da sua preparação”. Não estando preparado você corre o risco de se perder no meio e não consegui concluir. E tudo isso é conhecimento.
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1 comentário

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  • Regiany Lucleicy 10/04/2023 às 00:00

    Elias Neto é um profissional fantástico. Meu respeito e admiração!

 
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