A reforma tributária irá acarretar em um aumento no custo de vida do cidadão mato-grossense. Essa é a avaliação do secretário de Fazenda,Rogério Gallo, que tem travado uma batalha junto ao Congresso para evitar também que a mudança prejudique as receitas de Mato Grosso.
Em seu entendimento, o novo modelo de tributação que vem sendo desenhado pelo Congresso Nacional acabará com a política de incentivos fiscais do Estado, e consequentemente, deve aumentar o custo dos alimentos.
“Fiquemos atentos, haverá sim um aumento de custo de vida sobretudo para a classe média”, explicou.
O integrante do primeiro escalão estadual frisa que, a fim de evitar que isso ocorra, o governo do Estado vem trabalhando junto à bancada federal para o acolhimento de duas propostas: a manutenção de um benefício fiscal de 5% para a indústria localizada nos estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, e uma transição a longo prazo.
Leiagora - Secretário, primeiramente, já foi entregue esse novo texto da reforma. O que o senhor achou desse novo texto?
Gallo - Muito ruim, muito ruim. Ele não reflete os pontos que nós temos colocado como importantes para ter uma reforma que seja equilibrada com o interesse dos estados produtores e estados consumidores, e também muito ruim para o setor produtivo.
E aí eu menciono explicitamente a indústria, que vai perder um programa de desenvolvimento industrial que nós temos hoje, que é o Prodeic, e também o setor agropecuário, setor agrícola, que vai ter, sim, um aumento de custo de produção. Você vai aumentar, hoje, uma desoneração que existe sobre os insumos, que são aplicados, fertilizantes, sementes, defensivos agrícolas, e isso vai passar a ser tributado. Então, você vai ter, sim, um aumento do custo de produção.
Então, no conjunto, é uma proposta muito desequilibrada, onde ônus está ficando muito para a indústria, para o agro e para os estados produtores desta, com ganhadores explícitos, que seriam os estados que não produzem, que são mais consumidores, a grande indústria, que vai ser a grande beneficiada, porque vai desaparecer muitos negócios industriais país afora, sobretudo nas regiões menos desenvolvidas, e o setor financeiro, as tradings, todos esses setores foram contemplados nesse relatório.
Infelizmente, os nossos pontos ainda não foram contemplados. Espero que na semana que vem a gente consiga sensibilizar, com o trabalho do governador Mauro, dos demais governadores, da nossa bancada federal, sobretudo nesse momento aí da Câmara dos Deputados, dos nossos deputados, a articular para que as nossas propostas sejam acolhidas.
Leiagora - Vocês ficaram cerca de dois meses indo para Brasília, tendo essas conversas. De todas essas propostas que foram apresentadas por Mato Grosso, o que foi acatado, o que não foi acatado?
Gallo - Então, dos nossos pontos, da questão da indústria, isso não foi acatado. Nós tínhamos uma proposta para a manutenção de um benefício fiscal de 5% para a indústria localizada nos estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, quando ela fizesse uma operação para outros estados, ela enviaria junto um crédito tributário de 5%.
Isso não foi acolhido e é fundamental para que a gente continue com a competitividade da nossa indústria. A gente tem que reconhecer que a nossa indústria local não tem os mesmos fatores de competitividade que uma indústria localizada no Sul e Sudeste hoje detém, como custo de energia, logística, proximidade dos portos, conectividade, enfim, uma série de fatores que implicam em uma maior competitividade dessas indústrias que estão localizadas nesses locais, em detrimento da nossa.
Então, nós precisamos de um fator que nos distingue, e o fundo de desenvolvimento regional que está sendo colocado, de R$ 40 bilhões de reais, que substituiria esses benefícios tributários que hoje são consolidados pelo Prodeic aqui no Estado, que são do ICMS, é absolutamente insuficiente, é irrisório até.
Para você ter uma ideia, só em Mato Grosso nós concedemos de benefícios fiscais para a indústria todos os anos R$ 4,5 bilhões de reais. Eles deixam de recolher esse valor, porque isso é para que eles fiquem competitivos e consigam ter preços competitivos dos nossos produtos, além de gerar emprego e renda aqui no estado.
Como que R$ 40 bilhões vai ser suficiente para o país inteiro, se nós em um ano concedemos já 10% disso?
Então, é absolutamente irrisória a proposta do fundo de desenvolvimento regional, nós temos que ter uma outra proposta, e a proposta que nós apresentamos, concreta para salvar os empregos e manter o estado competitivo para a indústria vir se instalar aqui, é a manutenção de um benefício tributário nesse novo imposto de 5%.
Com isso, acabaria com a guerra fiscal, porque nós teríamos o mesmo benefício de 5% para a indústria localizada em todas essas regiões que eu mencionei: Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Então, acabaria com a guerra fiscal e se estabeleceria em local onde tem melhor condição de insumo, melhor logística, mas dentro dos estados em desenvolvimento. Isso é fundamental.
Outro ponto que também não foi acolhido é a questão da transição. Mato Grosso perde a arrecadação, Mato Grosso perde algo em torno de, 7 bilhões de arrecadação nesse novo tributo, porque nós somos um estado que mais produz do que consome. Quer dizer, a gente exporta mais do que importa produtos e consome produtos aqui dentro do Estado.
Então, nossa balança comercial é superavitária. Neste sentido, a gente perde a arrecadação quando o tributo passa a ser cobrado apenas onde é consumido o produto e não onde é produzido. Essa perda, se nós não tivermos uma longa transição que garanta para os cofres públicos desses estados, os perdedores, a manutenção de patamares de arrecadação que nós temos hoje, não corrigidos apenas pela inflação, porque senão vamos ficar condenados, e nós crescemos em torno de 6% real nos últimos 30 anos, na nossa arrecadação, e nós vamos ficar daqui para frente vinculados apenas ao crescimento da inflação?
Quer dizer, como que a gente vai fazer os investimentos que são necessários? Como que a gente vai pagar a revisão geral anual dos servidores, a RGA, se nós não vamos ter crescimento real? Não vai ter espaço sequer orçamentário para fazê-lo. Nós precisamos continuar numa trajetória, mesmo que seja no Novo Tributo, com uma participação que reflita a nossa participação atual sobre o ICMS, que ainda tem a participação da produção, da cobrança na produção, isso por um longo período.
Então isso é fundamental que seja refletido e que nesse seguro receita que vai existir, que nós tenhamos lá separação, isso é importante também, entre municípios e estados. Nós temos o nosso fundo de seguro receita, para garantir a nossa arrecadação ao longo desses 45 anos, e a separação: os municípios ficam com um montante e os estados ficam com outro montante, porque senão os municípios, por exemplo, como o município de São Paulo, ele vai consumir boa parte do seguro receita sem que o estado de Mato Grosso receba.
Isso também nós não consideramos justo. Então, são esses pontos que nós temos abordado.
Leiagora - O senhor citou a proposta de transição proposta pelo Governo do Estado de Mato Grosso, mas originalmente, o que o texto propõe e qual seria o impacto disso para o Estado?
Gallo - A proposta é apresentada diretamente ao relator e aos interlocutores políticos. Então, já apresentados ao Arthur Lira, ao ministro Fernando Haddad, para o secretário Extraordinário da Reforma Tributária o Bernardo Api e também para o relator da reforma tributária o deputado Agnaldo Ribeiro. Então, esses interlocutores que são os stakeholders que estão fazendo a proposta, que estão construindo a proposta.
Nós já apresentamos formalmente, agora é um momento de sensibilização, de diálogo, agora é hora da política. É hora que a política tem que agir para que os interesses sejam de fato atendidos e os interesses que nós estamos colocando são absolutamente republicanos.
De novo eu repito, essa reforma, ela não pode custar o desenvolvimento do estado de Mato Grosso. E hoje, do modo como ela está escrita, ela vai custar o futuro do desenvolvimento do estado de Mato Grosso.
Sabemos que nós e diversos outros estados, somos esses grandes perdedores e estamos fazendo essa política com força. E esses estados lá do Sul e do Sudeste, que vão ganhar com isso, estão fazendo também uma política forte para ser aprovada?
Não é só Sul e Sudeste, é importante dizer. O Nordeste também ganha, porque eles têm uma baixa produção e têm uma população consumidora maior. Então, Nordeste, Sul e Sudeste, eles têm manifestado favoravelmente a essa proposta. Porém, nós estamos num ambiente, em relação a essa transição federativa, para os estados que são perdedores, há um relativo consenso entre os estados da melhor forma de se promover esse equilíbrio entre perdedores e ganhadores num longo prazo.
É isso que a gente busca. Agora, são modelos de transição. O que nós temos discutido é isso: o modelo de transição que está colocado pelo relator, Aguinaldo Ribeiro, impõe a Mato Grosso e aos estados perdedores, uma perda maior do que, efetivamente, o que nós temos colocado para ele, que seria em relação a essa separação dos fundos de seguro receita, entre o que vai ficar com os municípios e o que vai ficar com os estados.
Mas o que os estados estão vendo, sobretudo no Sul e Sudeste, é uma possibilidade de reindustrialização. Eles, ao longo dos anos, São Paulo, por exemplo, perdeu a atratividade para a indústria nacional e a indústria nacional se interiorizou. Então, ela veio para Mato Grosso, ela foi para o Nordeste, ela foi para a Goiás, ela foi para o Pará, enfim, ela se interiorizou. Sobretudo aquela indústria relacionada a gêneros alimentícios, a proteína animal, a proteína vegetal.
O que que São Paulo tem manifestado? Pela primeira vez, ele como um estado produtor que também perderia com a reforma tributária que migra a tributação exclusivamente para o destino, ele se manifestou favorável. Houve uma manifestação do governador Tarcísio e que isso foi, nas todas as tentativas em 30 anos, foi a primeira vez que São Paulo foi favorável.
Por que São Paulo é favorável? Porque essa reforma tributária, é bom dizer, o princípio dela está sendo escrito pela Fiesp. Porque se acaba com os benefícios fiscais de todos os estados que estão em desenvolvimento e coloca em pé de igualdade uma indústria que é instalada lá em Alta Floresta, com o mesmo tratamento de uma indústria instalada na capital de São Paulo.
Então quer dizer, uma indústria enorme, que tem acesso à mão de obra qualificada, que tem acesso a insumos, e sobretudo insumos tecnológicos em melhor condição. Quer dizer a quem está interessando e por que São Paulo, nesse caso, hoje é favorável a essa reforma que está escrita do modo como está lá?
É óbvio que haverá uma reindustrialização de São Paulo e dos Estados Sul e Sudeste à custa da desindustrialização dos Estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, em especial de Mato Grosso, e isso é inaceitável. Nós teremos aqui um grande, um forte desemprego nos próximos anos, sobretudo no setor industrial.
Nós não podemos concordar. Nossa política é de verticalizar, é de produzir aqui, fazer uma produção primária aqui, de soja, milho, algodão, de carne, mas também de a gente gerar empregos, não só no campo, mas nas cidades, dentro das indústrias.
Então, se a gente perder esse fator de competitividade, isso vai ser letal para o futuro do desenvolvimento do estado de Mato Grosso. E é isso que nós temos advogado. Isso é fundamental.
Leiagora - Fala-se muito sobre a questão do Fethab. A reforma realmente acaba com o Fethab?
Gallo - Do modo como está escrito lá na proposta, de fato, o Fethab desaparece, porque ele está associado a um tratamento tributário relacionado ao ICMS. Como o ICMS desaparece, o Fethab também desapareceria. E todos sabemos, sobretudo nos últimos anos, que ele é fundamental para a expansão da infraestrutura mato-grossense, sobretudo infraestrutura rodoviária.
Nós fizemos nos quatro últimos anos, com recursos, sobretudo do Fethab, 2.500 km de asfalto novo, que era terra que virou asfalto. E nós temos ainda 20 mil quilômetros de estradas não pavimentadas, para serem pavimentadas.
Aí eu pergunto, se o Fethab acabar, como nós vamos fazer esse grande esforço de melhorar a infraestrutura de Mato Grosso para fazer com que o asfalto chegue à porta de todas as propriedades e de todos os lares mato-grossenses? Essa é a pergunta que fica. Nós precisamos da manutenção do Fethab e também ao lado disso, de uma manutenção das condições atuais de custo de produção para o produtor rural.
Nós não podemos aceitar que o produtor rural de Mato Grosso e do país como um todo seja taxado porque hoje ele não é taxado, e ele vai passar a ser. Pelas contas que nós fizemos e pelo relatório preliminar, por exemplo, o fertilizante paga hoje 2% de ICMS sobre o fertilizante, e ele vai passar a pagar, por contas por baixo de acordo com o que está no relatório preliminar, 12,5%. Ou seja, vai subir 10% de imposto apenas no fertilizante.
Então quer dizer, para onde vai esse custo? Esse custo vai ser repassado, obviamente, para o produto rural. Aí eu pergunto, quando ele for vender essa soja, ou esse milho, ou no caso do pecuarista, quando ele for vender, será que ele vai conseguir recuperar no preço isso? Essa pergunta é que fica, para reflexão de todos os produtores rurais.
Quando houver a exportação, sabe quem vai recuperar esse imposto que foi pago ao longo da cadeia? As tradings! Será que as tradings vão compartilhar esse benefício com os produtores rurais?
Eu pergunto aí aos mais de 20 mil plantadores de soja de Mato Grosso se é isso que eles acreditam que vai acontecer.
Leiagora - O governador havia pedido um relatório detalhado com relação a essas mudanças. Já foi finalizado?
Gallo - Sim, foi enviado essa semana todos os números. Estamos trabalhando na melhor estratégia e a gente tem propostas. Os números, de fato, são os que nós mencionamos: R$ 7 bilhões de reais para os cofres públicos de perda, caso a gente não mitigue ao longo aí de 40 de 45 anos. Quer dizer, nós vamos chegar lá no final com uma perda desse tamanho.
Isso representa quase 20% da nossa arrecadação do estado de Mato Grosso. É brutal, é uma perda que ninguém quer. Ninguém suportaria perder 20% do seu salário e manter as contas em dia. O Estado é exatamente a mesma coisa, nós não vamos conseguir manter as políticas públicas de saúde, educação e assistência social, e também estamos preocupados em relação ao custo de produção rural, a perda de empregos na indústria, tudo isso aí tá muito evidenciado, nós estamos conseguindo demonstrar.
E também um ponto, sabe quando acabar com o benefício fiscal que nós temos hoje para a indústria? A indústria não vende só para São Paulo e para outros estados, quando a gente tem abate de bovinos aqui. A gente vende também para nós aqui consumimos dentro do estado. Você, quando compra um quilo de carne, você paga 2% de imposto. Sabe quanto você vai passar a pagar? 12,5%.
Então, você vai aumentar, no mínimo, em 10% o seu custo. Nós fizemos uma conta, por baixo, haverá um aumento do custo do quilo da carne de 14% na ponta. É isso que nós estamos falando, vai também ter um peso para classe média em itens essenciais como carne. Se você vai aumentar o seu custo de vida sobre itens essenciais, vai diminuir a renda disponível para você gastar com outras coisas, com lazer, com material de construção e isso vai ter um impacto também, obviamente, sobre essas cadeias econômicas de comércio relacionadas a esses bens que não são considerados essenciais, porque vai aumentar o custo de vida.
A classe média está pensando nisso? A classe média está sendo ouvida ou está todo mundo dormindo esperando que haverá uma reforma tributária que vai diminuir a carga sobre o seu bolso. Do que nós estamos assistindo é um aumento de carga tributária em especial para a classe média, com aumento do custo de vida de itens essenciais pelo desaparecimento da política de incentivos fiscais que a indústria tem hoje e sobretudo a indústria de alimentos.
Fiquemos atentos, haverá sim um aumento de custo de vida sobretudo para a classe média.