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Notícias / Entrevista da Semana

24/09/2023 às 08:02

ENTREVISTA DA SEMANA

A importância da campanha de prevenção ao suicídio e os tabus sobre as doenças mentais

A psicóloga Sani Paixão entende ser necessário um novo olhar para o sofrimento humano bem como o seu adoecimento, admitindo que ele existe e cada indivíduo lidará com a sua dor de modo completamente diferente

Kamila Arruda

Setembro é o mês de prevenção ao suicídio. Embora as inúmeras campanhas publicitárias existentes hoje, ainda há um tabu sobre o assunto. Pensando nisso, o Leiagora entrevistou a psicóloga Sani Raquel de Souza Neves Paixão, que frisa a importância do Setembro Amarelo para “desmistificar mitos e preconceitos relacionados ao autoextermínio”.
 
Para ela, o tabu criado em cima do suicídio deve ser quebrado através da empatia, ou seja, construindo um novo olhar para o sofrimento humano bem como o seu adoecimento, admitindo que ele existe e cada indivíduo lidará com a sua dor de modo completamente diferente.
 
A psicóloga ainda discorre sobre doenças mentais, como ajudar e a importância da terapia nesses casos.
 
Leiagora - Estamos no mês dedicado a prevenção do suicídio. No seu ponto de vista, qual a importância da campanha e de falar sobre o assunto?
 
Sani - A campanha é importante e necessária, primeiramente porque é uma oportunidade para desmistificar mitos e preconceitos relacionados ao autoextermínio, segundo porque através de uma grande campanha milhares de pessoas são atingidas por um tema que até pouco tempo evitavam falar a todo custo e hoje é inevitável, diante do número crescente de suicídios o que o tornou um problema de saúde pública mundial, terceiro porque uma população bem informada é cada vez mais necessária para preveni-lo e cobrar investimento público voltado para a atenção à saúde mental e finalmente destaco que embora a campanha seja sobre a prevenção do suicídio, todos são levados a refletir também que o suicídio (ideação, planejamento ou ato) é apenas a ponta de um iceberg e é inevitável falar também sobre o adoecimento mental ou qualquer outra crise pessoal que possa levar alguém a pensar em tirar a própria vida, colaborando para o desenvolvimento de empatia e respeito em prol das questões subjetivas que afeta à todos indistintamente.
 
 Leiagora - Como desmistificar o tabu sobre falar de suicídio e quais os cuidados também para tratar desse assunto?
 
Sani - O conceito "tabu" é um conceito utilizado na filosofia, antropologia e sociologia e que está relacionado com proibição, censura, perigo ou impureza. Assim sendo, ele sustenta discussões que elencam temas polêmicos para a sociedade, normalmente aqueles que foram ou ainda são culturalmente “reprováveis” e abarcam desde costumes, religiões, sexualidade entre outros.

Ao longo da história, o autoextermínio ou suicídio foi um tabu e aquele que o cometia era punido de alguma forma como, por exemplo, o impedimento para ser enterrado no cemitério na Idade Média até a condenação religiosa por ser considerado um pecado. Penso que devemos quebrar esse tabu à medida que vamos construindo um novo olhar para o sofrimento humano bem como o seu adoecimento, admitindo que ele existe e cada indivíduo lidará com a sua dor de modo completamente diferente, lembrando que o comportamento suicida é complexo até mesmo para os profissionais que trabalham com a saúde mental, tem causas multifatoriais e portanto não devemos simplificá-lo e aqui pontuo que o autoextermínio nem sempre está correlacionado à um transtorno mental ou seja nem toda pessoa diagnostica com depressão pensará em se matar mas é o resultado de uma crise que envolve como já disse múltiplos fatores, crise que para aquela pessoa, naquele contexto e momento, para ela se tornou insuportável. 

Enfim, se foi tabu, não deve mais ser, o foco neste momento deve ser outro, o da prevenção, pois o Brasil tem números crescente enquanto em muitos outros países houve queda nos índices. Finalizo dizendo que falar sobre o suicídio é também sobre falar sobre a vida.
 
Leiagora - A saúde mental ainda é estigmatizada para algumas pessoas. Como mudar isso, como trabalhar para que as pessoas entendam a importância de uma terapia?
 
Sani - A saúde mental ainda é muito estigmatizada sim e quem mais sofre com isso são as pessoas que mais necessitam de apoio e tratamento pois acabam silenciando o seu sofrimento enquanto este se agrava, pois temem desde o preconceito até o desemprego.

Um estigma exclui e diminui o valor de um indivíduo em seu grupo social, assim aquele que sofre com o adoecimento mental ou crise pessoal de qualquer ordem que não seja palpável, ou seja, é subjetivo, é estigmatizado. Para compreendermos isso, precisamos voltar no tempo, aquele em que a este era atribuído o nome ou título de "louco" e assim era isolado, trancado, não podia conviver em sociedade pois parecia um risco.

Apesar da luta antimanicomial até nos dias atuais a sociedade ainda traz esse olhar para o adoecimento mental como se a única via fosse a exclusão. Um erro, uma falha enorme que deve ser corrigida por todos, incluindo o governo que ainda não investe de modo suficiente tanto nos órgãos que atendem essa população até as questões social e econômica.

Pois não podemos negar que passar fome adoece, que não ter perspectiva de emprego causa angústia e preocupação infindáveis, que não ter vida social é essencial para uma boa saúde mental mas grande parte da população não tem acesso! Isso sem falar em questões mínimas de moradia e saúde.

Leiagora - Muitas vezes as pessoas que estão em sofrimento psíquico são subestimadas por familiares, amigos, muitas frases como "quer aparecer", "falta de Deus", são ditas. Mas qual deve ser o acolhimento dado a essas pessoas?
 
Sani - Sempre que ouço essa narrativa trazendo uma conotação de fé e religiosidade para algo que é de outra esfera, a da subjetividade humana, da saúde mental e emocional penso em tantos "joelhos ralados" e missas ou cultos diários que tantas pessoas frequentam em busca de uma cura que não vão encontrar ali o que pode gerar mais culpa, autopunição e intensificando um sofrimento que poderia ser amenizado com medicação e psicoterapia.

Sabemos que a fé tem sim um papel importante, mas sem medicação e psicoterapia ninguém sai de uma depressão severa ou um quadro de ansiedade mais intenso, assim como ninguém emagrece sem dieta e atividade física! Para acolher alguém em sofrimento é preciso ter esse cuidado de não julgar, não dizer o que a pessoa deveria fazer, mas ouvi-la, respeitando o que ela diz sem julgar pois sabemos que já é muito difícil superar o estigma de falar sobre essa dor a qual não foi ensinada a falar, muitas vezes é até difícil encontrar palavras para narrar um conto que aprenderam desde pequenininhas a esconder, a não contar, pois era proibido, era incômodo para aqueles adultos que não sabiam como acolher, pois muito provavelmente não foram acolhidos também! Dá diziam frases como: "pára de chorar!", " está reclamando de quê se você tem tudo?", "vai lavar uma louça que passa...”.

É com esses jovens e adultos que lidamos hoje, então para acolher de verdade não podemos usar aquelas velhas frases que mais silenciavam que acolhiam, muito menos trocar aquela que dizia vai “brincar e não me enche o saco” por aquela tão corriqueira que diz: “vamos tomar umas que passa!”, mas buscar informação e coerência, pois só o dono da dor sabe onde e o quanto dói!

Leiagora - Como identificar sintomas de pessoas em sofrimento psíquico?
 
Sani - É comum que algumas pessoas apresentem mudança de comportamento e/ou na sua rotina, podendo haver alteração no sono, passando vários dias sem dormir ou dormindo muito pouco ou até mesmo dormindo em excesso, crises de choro repentino, irritação e agressividade, alterações no apetite também podem ser notadas, também podem expressar frases de cunho extremamente pessimista e catastrófico, tais como: “eu vou parar de dar trabalho para vocês”, “um dia eu saio e não volto mais!”, “nada dá certo para mim”, “ eu não aguento mais...”, mas também é preciso lembrar naquelas pessoas que estão sorrindo e não apresentam mudanças tão evidentes mas todos sabem que ela está passando por uma crise pessoal como por exemplo: separação, luto, endividamento, desemprego, doença grave nela ou alguém da família. Em suma, é preciso estar atento, oferecer apoio para coisas simples como por exemplo, convidar para um cinema, oferecer para buscar as crianças na escola ou ajudar nos deveres de casa, fazendo-a sentir que apesar de estarmos vivendo em um mundo em que as pessoas estão a cada dia mais egoístas e individualistas, ELA NÂO ESTÁ SOZINHA E VC SE IMPORTA COM ELA!
 
Leiagora - A reincidência nas tentativas de autoextermínio é alta? Quais cuidados dar a quem já tentou contra a própria vida?
 
Sani - Sim, as taxas de reincidência são altíssimas especialmente no primeiro ano após a primeira tentativa e logo após uma internação. Por isso, sempre enfatizo que uma tentativa de autoextermínio que não foi bem-sucedida, não foi apenas para “chamar a atenção” foi um grito de socorro que deve ser atendido por todos! Além de evitar que fiquem sozinhas, eliminar objetos e armas de fácil acesso, muitos precisarão além da psicoterapia, de medicação e para isso devem insistir a todo custo em levar essa pessoa para uma avaliação psiquiátrica pois uma pessoa com comportamento suicida poderá tentar outras vezes sim, e o tratamento deve envolver impreterivelmente um trabalho conjunto entre psicólogos e médicos psiquiatras além do apoio familiar e dos amigos.
 
Leiagora - E qual a importância de fazer terapia?
 
Sani - A psicoterapia é importante para que qualquer pessoa tenha um espaço de fala, onde sigilo e ética estão presentes. Os benefícios são inúmeros, desde aquisição do autoconhecimento, tratamento de traumas, melhoria das relações interpessoais tanto familiares quanto no trabalho até o tratamento para os transtornos mentais e superação de crises em momentos difíceis! Mas é fato que muitos estigmas ainda prejudicam a busca por um atendimento psicológico e este deve ser feito pela pessoa, forçar ou obrigar são atitudes que realmente não funcionam.

Por fim, é possível ajudar explicando que compreende a dificuldade, mas que também compreende que seria bom tentar, se propondo a ajudar a buscar um profissional, também poderá contribuir levando informações através de livros, matérias ou até mesmo depoimentos de alguém que já passou pela psicoterapia, sempre lembrando que o papel é incentivar, motivar.
 
Leiagora - Como tratar o assunto?
 
Sani -
Nunca dizer o método utilizado em matérias e jornais, tampouco cena, cartas ou bilhetes. Também é indicado que não fale que alguém se suicidou ou que a pessoa cometeu suicídio, mas que "morreu por suicídio", sempre tendo o cuidado de compartilhar ou publicar apenas o que aquela pessoa deixou "público", além disso é antiético e é um desrespeito à memória dela.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2022 houve um aumento nas taxas de suicídio de 11,8% se comparado em 2021, o equivalente a 44 mortes/dia, ou seja, o Brasil está na contramão do mundo que experimentou um decréscimo nas taxas no mesmo período.

Por fim, a mensagem que deixo é emprestada da canção do Caetano Veloso: -  "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é!" E não cabe a ninguém julgar ou dizer o quanto o outro deveria ser mais grato, mais feliz ou mais forte!
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