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Notícias / Entrevista da Semana

28/01/2024 às 09:15

ENTENDA

El Niño pode durar até a próxima safra, mas produtores podem mitigar perdas

Gerente de Defesa Agrícola da Aprosoja explica como o fenômeno climático pode impacta na produção

Jardel P. Arruda

Muito se falou em como o fenômeno climático El Niño tem prejudicado a safra de soja em Mato Grosso, mas às vezes isso fica um pouco abstrato na cabeça de quem não trabalha diretamente ligado no mundo do agronegócio. 

Apesar de parecer óbvio que a falta de chuva prejudica a plantação, muitas vezes não sabemos o real motivo de como isso pode acontecer. E também de que o inverso pode ser tão problemático quanto.

Para deixar isso de simples entendimento, a gerente de Defesa Agrícola da Aprosoja Mato Grosso, Jerusa Recha, conversou com o Leiagora e explicou como isso acontece e já adiantou que há chances da próxima safra também ser impactada pelo mesmo problema.

Além disso, ela contou como a Aprosoja trabalha para ajudar os produtores rurais a estarem preparados para esse tipo de situação.

Confira a entrevista na íntegra:

Leiagora - Jerusa, muito tem se falado sobre o quanto o El Niño prejudicou a safra de Mato Grosso. Para explicar ao cidadão que não é habituado com o universo do agronegócio, você pode explicar como o El Niño prejudica a safra? 

Jerusa Rech -  Bom, essa questão do El Niño interfere de várias maneiras. Quando você tem essa condição climática, por exemplo, nós tivemos redução do volume de chuva na região Centro-Oeste e um volume excessivo de chuvas na região Sul. Então há um desequilíbrio, tanto para o El Niño quanto para o La Niña, nessa condição, ou a seca, ou o excesso de chuvas.

Nesse ano, particularmente no início do El Niño, nós tivemos uma redução dos volumes previstos de chuva para o estado de Mato Grosso. A nossa safra começa a partir do dia 16 de setembro. Termina-se o vazio sanitário no dia 15 de setembro e a partir do dia 16 de Setembro iniciou-se a safra 23/24. Com isso, nós tivemos nesse ano alguns acumulados que a gente chama “chuva de Manga” ou “chuva do Caju”, alguns acumulados bons para o mês de agosto e o início de setembro. 

Aqui, o nosso período de chuva começa a se estabilizar a partir de setembro. Nós praticamente não temos um inverno que seja rigoroso em questão de temperatura e sim mais voltado a questão de seca e de chuva. Então a nossa safra ela acontece no período das chuvas. 

Então, o que seria um clima normal: É o início das chuvas ali em meados de setembro. Essas chuvas vão com volumes constantes e progressivos em outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março, você ainda tem um pouco de chuva a partir de abril, e aí começa a cortar essa chuvas em maio, junho, julho, e agosto, quando você tem o período que a gente chama de seca. Isso seria o nosso clima normal. 

Neste ano, com a questão do El Niño, você tem o aquecimento nas águas [do Oceano Pacífico] e aí tem uma mudança nessas condições. Reduz o volume de chuva no período que teoricamente deveria ser maior e acontece e a gente tem esse período de seca prolongado. E esse ano, aliado ao baixo volume hídrico, nós tivemos o problema das altas temperaturas. Esse também foi um fator que agravou muito a situação no campo. 

Nós tivemos alguns acumulados [hídricos] até satisfatórios no final de setembro, no final de agosto, início de setembro. Aí iniciou-se o plantio dentro do período que é recomendado aqui para o estado. Porém, essa chuvas foram cortadas em outubro. Então muita gente que tinha plantado, que tinha acumulados bons [de volume hídrico] ali no final de setembro, que tinham um teor de umidade de solo favorável, se essas chuvas continuassem você teria o desenvolvimento normal da cultura [de soja]. Como essas chuvas elas cortaram, e nós tivemos um volume muito baixo de chuva em outubro, essas essas lavouras que foram semeadas ali dentro do início da janela, elas sentiram esse déficit híbrido e muitas não resistiram. Então houve muito replantio. 

Em algumas regiões, esses volumes hídricos de final de agosto e início de setembro, também nem ocorreram. E aí como não iniciou as chuvas em setembro, outubro e novembro nós tivemos volumes muito abaixo do normal, então as regiões, ficaram com esse déficit hídrico. E aí não tinha acumulado umidade suficiente para que se fosse feita a semeadura. 

Então em muitas regiões, eu falo também do Vale do Guaporé e da região do Vale do Araguaia, teve o atraso desse início de plantio. Muitas das regiões foram receber as primeiras chuvas no final de Novembro, início de Dezembro. Tanto que houve uma prorrogação, a pedido do próprio Indea, para que fosse feito uma uma prorrogação do plantio até 13 de Janeiro, justamente porque em dezembro nós ainda não tínhamos acumulados de chuva suficiente para o desenvolvimento da cultura.    

Leiagora - Normalmente até quando que deveria ter sido concluído o plantio?

Jerusa Rech - Geralmente, até por dados do Indea, geralmente o plantio da safra termina ali na primeira semana de dezembro em todo o estado. Isso muda muito de região para região, porque temos regiões que iniciam antes, mas geralmente na primeira semana, no máximo ali dia 10 de dezembro, nós já estamos com 100% das áreas plantadas. 

Esse ano esse ano nós tivemos um índice de replantio de quase 6%. O que eu chamo de índice de replantio? O produtor foi lá fez a semeadura com o teor de umidade favorável, achou que iria dar início a nossa constância de chuvas, mas houve um período de veranico, que é o corte brusco dessa chuvas e um período que foi outubro e novembro, então perdeu-se a lavoura. 

Aí quando ele tentou, aí ele vai para um replantio, que é comprar semente novamente, e isso impacta em custo de produção,  aí ele coloca de novo a planta. Teve produtores que tentaram isso por duas ou três vezes. Então o impacto vai ser muito grande porque tem algumas áreas que realmente não vão se desenvolver. 

A cultura da soja, ela tem um fator de recuperação, até é muito diferente do milho, então assim se ela tiver condições favoráveis, ela consegue se recuperar. Nas áreas de semeaduras mais tardias,  que foi plantada e por mais que a gente teve ali um início um pouquinho complicado, talvez um pouco de falta de umidade no solo, com as últimas chuvas ali de dezembro, essa essa soja que foi semeada ali no final de novembro, conseguiu se recuperar. Então nós até tivemos uma boa recuperação em algumas lavouras. 

Mas lembrando que a gente já tinha um percentual de lavouras semeadas que já estavam comprometidas. Esses percentuais eu acho que assim é difícil a gente falar em números, porque a gente só vai conseguir entender a real perda a partir do momento que a gente iniciar as colheitas e começar a fazer os primeiros levantamentos.

A gente teve as primeiras áreas colhidas agora, que é chamada a janela precoce, com produtividades realmente muito baixas, né? Mas esse eu acho que são dados oficiais que o Indea vai divulgar. Eles fazem um levantamento nesse sentido. Mas a gente sabe que tem uma safra muito desafiadora. 

Leiagora - Quais as regiões de Mato Grosso mais afetadas e as menos afetadas? 

Jerusa Rech - Esse ano eu vou dizer para você que nós tivemos no estado todo lavouras afetadas. Eu não consigo dimensionar. Eu posso colocar para você que vamos falar a região Norte, mas nós temos a maior área concentrada de área de semeadura de soja na região Norte. Então muito provavelmente um impacto vai ser maior ali naquela região, mas é porque eu tenho um volume de área muito maior.

Mas eu vou dizer para ti o seguinte: Esse ano o clima foi generalizado no estado. Essas condições, elas foram para todo o Estado. Então eu não consigo diferir, eu não posso afirmar pra ti que uma região foi pior do que a outra.

Nós tivemos casos em que os produtores conseguiram entrar dentro de uma janela favorável, conseguiram fazer semeadura e conseguiram colher. Só que nós não tivemos uma uniformidade no volume de chuvas e isso aconteceu em todo o Estado. Então em todas as regiões a gente pode considerar que teve perdas.

Leiagora - E qual a expectativa já para próxima safra? Já estão trabalhando com leitura de relatórios climáticos sobre expectativa da próxima safra?

Jerusa Rech - Já. Existem relatos de que o El Niño pode se prolongar aí pela próxima safra, até na outra. Mas, não é algo que a gente consiga confirmar. A gente precisa sempre estar um pouco mais próximo, uma questão de três meses, para poder realmente afirmar se vai ocorrer, se não vai ocorrer, de que forma isso vai ocorrer. Mas a gente já sabe que as previsões são de que nós tenhamos um calendário de El Niño até a próxima safra. Mas confirmar isso é bem mais complicado.

Leiagora - O Fenômeno La Niña também prejudica a safra em Mato Grosso?

Jerusa Rech - Também, porque nós temos excesso de chuva. Então quando nós temos tudo que é o extremo, ou seca ou a chuva, é um fator muito preocupante. Geralmente as chuvas, quando a gente tem o La Niña, se concentram na fase da colheita e faz com que eu tenha perdas consideráveis no período de colheita. Então isso também é um agravante. 

Quando nós estamos no clima dentro do que a gente considera normalidade, sem nenhum desses fenômenos ocorrendo, é quando a gente provavelmente vai ter uma safra de melhores condições. Porém, quando a gente corre o risco de ter qualquer um desses fenômenos acontecendo, a gente sempre tem que ficar atento para reduzir as perdas ao máximo possível.

Leiagora - Nós entrevistamos outros especialistas que falam da perspectiva de que, quando sairmos do El Niño, podemos entrar direto no La Niña, de não ter, justamente esse período de normalidade. O que o produtor pode fazer para se proteger? Existe alguma coisa que ele possa fazer?

Jerusa Rech - Olha o produtor, ele sempre fica muito atento a essa questão. E aí existe o manejo. Saímos de um evento da área de pesquisa que a Aprosoja tem em Campo Novo do Parecis, o setor técnico, e lá nessa área nós trabalhamos com manejo específico para solos arenosos, mas é um manejo de solo que pode ser feito para qualquer tipo de área.

E nesse manejo a gente procura trabalhar com sistemas de rotação de culturas, que forneçam palhada ao solo, que forneça uma matéria orgânica, equilíbrio de nutrientes e microorganismos. 

Tudo isso faz com que nós tenhamos uma saúde do solo muito favorável. Então em anos de problemas climáticos, se eu tiver uma boa palhada em cima do meu solo, nesse ano, por exemplo, quando nós tivemos excesso de temperaturas muito altas, quando você tem uma cobertura de palha no solo você reduz a temperatura do solo. Você faz uma camada protetora, você reduz a temperatura do solo fazendo com que ele não esquente muito e isso evita a escaldadura da planta, do caule da planta. Então você tem menos risco de perda. 

Então tudo é questão de manejo. Posicionamento de materiais, hoje a gente tem inúmeros materiais disponíveis. Eu falo cultivares de soja, o híbrido de milho, que o produtor pode ajustar a época de plantio, o ciclo, para ele tentar, baseado nas previsões que saem, pegar as épocas mais favoráveis de plantio para que ele possa colher dentro de uma época que vai ser satisfatório. E isso cada produtor precisa avaliar porque, cada região e cada área é diferente.

Leiagora - Inclusive, esse ano o produtor que esperou um pouco mais se saiu um pouco melhor, certo?

Jerusa Rech - Isso. Esse ano, os produtores que plantaram um pouco mais tarde ali tiveram melhores resultados. Apesar de que nós vamos ter a questão da pressão de doenças. Porém você tem um estabelecimento ali da cultura, mas ele sabe que vai ter um custo a mais ali, com questão de fungicidas. Enfim, mas esse é o manejo que ele consegue  ajustar, apesar de aumentar custos. Porém ele tem que ter esse cuidado de avaliar sempre a área dele, o regime que ele tem dentro da fazenda e de que forma que ele vai se posicionar

Leiagora - A Aprosoja faz um acompanhamento da questão climática em Mato Grosso, que é muito importante para o produtor. Eu quero saber se vocês enxergam alguma mudança no perfil climático do estado, que hoje proporciona essas duas safras anuais, às vezes até mais.

Jerusa Rech - Olha, nós temos uma uma questão interessante. Quando a gente tem esses dois fenômenos, que ocorrem, a gente sabe que tem uma alteração. Fora isso, os produtores, a gente, tenta fazer tudo pelo manejo. 

Então a gente sabe que tem anos com temperaturas um pouco mais altas, o outro ano a gente sabe que tem temperaturas mais baixas, outro ano chove mais na colheita, outro ano chove menos. Mas, assim, dentro de um cenário, um histórico a gente percebe que o clima tem ciclos. E esses ciclos. Eles já são observados há muito tempo. Então você tem ali um ciclo de problemas de seca, em alguns anos, como está sendo esse 23/24, é um pouquinho mais pronunciado, porém nós já tivemos anos de seca dentro do Estado de Mato Grosso. 

Então assim, não é uma primeira vez e a gente sabe que isso é cíclico. Tem os fenômenos que vão acontecendo e isso vai fazendo com que o produtor tem que se adaptar ali e se ajustar. E as novas tecnologias que estão surgindo, materiais, então a pesquisa ajuda muito no desenvolvimento. 

E isso que eu acho importante, o produtor investe muito. O produtor mato-grossense tem uma excelente capacidade técnica de trabalhar em cima de dados científicos. Isso vai desde a escolha de materiais, produtos para controle de pragas e doenças.

É tudo feito muito consciente, porque tudo isso impacta no custo e como toda a empresa, a gente tem que lembrar que a propriedade rural é uma empresa, ela precisa produzir, até o seu lucro para ela poder se manter no mercado. O produtor mato-grossense tem esse esse feeling de buscar o que tem de mais moderno, do que tem de mais atual, para poder produzir da melhor forma possível.

Leiagora - E a Aprosoja possui um programa de acompanhamento climático, justamente para acompanhar esses ciclos  dar retaguarda ao produtor, não tem?

Jerusa Rech - Esse programa foi criado aqui dentro da soja, ele é chamado Aproclima. Nós criamos esse programa em 2018 porque o estado de Mato Grosso não tem uma base ampla de dados meteorológicos. Então muitos dos dados que vem são baseados em outras fontes, enfim. Nós tínhamos somente sete estações públicas aqui dentro, que são as estações do Inmet, ANA. 

Isso foi levantado pela antiga diretoria, de que nós precisaríamos ter uma base de dados justamente para comprovar todas essas mudanças, todos esses ciclos que, ao longo dos anos, os produtores que estão aqui, tem produtores que estão aqui há mais de 40 anos, já observava. Só que a gente precisa de dados concretos. O Aproclima foi criado baseado nisso. 

Hoje nós contamos com 72 estações meteorológicas instaladas dentro das fazendas dos nossos associados. E nós fazemos a compilação desses dados e isso tem nos auxiliado muito a entender essas condições. Temos o nosso  consultor hoje do projeto, é um professor expert na parte de modelos, da Universidade da Flórida que nos auxilia com a leitura desses dados. Porque não adianta somente a gente ter os dados, a gente precisa também saber analisar esses dados, projetar esses dados. 

Hoje, quem tem acesso a essas estações são os associados da Aprosoja, via aplicativo, mas em muitos anos nós auxiliamos, por exemplo, a Defesa Civil, com os dados dos volumes de chuva. Esse ano, por exemplo, com a falta de chuva também. A gente auxiliou, nos municípios que nós temos instaladas as estações, por conta da crise hídrica, nos auxiliamos muitos municípios que têm estações, comprovando que no ano passado nós tivemos um volume muito maior de chuva do que neste ano. E isso ajudou nos decretos de emergência.

Esse é um projeto da soja desde 2018 e que eu vejo como muita relevância para toda a sociedade. Não fica restrito aos associados da Aprosoja. É um projeto que atinge toda a sociedade. 

Leiagora - E os dados desta safra já estão sendo compilados para embasar os produtores para a próxima? 

Jerusa Rech - Sim, a gente de alguma forma já começa a usar esses dados, compilar esses dados, e de alguma forma mandar as previsões futuras para os nossos associados.

Leiagora - Algum recado que queira deixar?

Jerusa Rech - Eu acho que isso impacta na sociedade em geral, quando se tem essas perdas climáticas. Porém a gente tenta ao máximo. O produtor é um dos mais entusiastas... Você fazer um investimento a céu aberto sem ter a garantia de que você vai ter aquele retorno. Eu acho que o produtor é um guerreiro.
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