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14/03/2021 às 16:00

Advogado diz que 'defesa da honra' é tese machista, mas decisão do STF é 'perigosa'

Presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-MT, Leonardo Bernazzolli avaliou que tese é inconstitucional mas teme brechas para o cerceamento de defesa

Camilla Zeni

Advogado diz que 'defesa da honra' é tese machista, mas decisão do STF é 'perigosa'

Pres. da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-MT, Leonardo Bernazzolli

Foto: Ramon Hernandes/Playagora

A alegação de que um crime de feminicídio foi cometido para a defesa da honra do acusado não poderá mais ser utilizada pelos advogados brasileiros. A decisão foi tomada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento encerrado na noite de sexta-feira (12). Para o presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-MT, Leonardo Bernazzolli, a decisão abre um precedente "perigoso".

Na ação, movida pelo Partido Democrático Trabalhista, o relator, ministro Dias Toffoli, apontou como cruel e uma "violação aos direitos constitucionais" a argumentação pela tese da legítima defesa da honra. 

"Para além de um argumento atécnico e extrajurídico, a legítima defesa da honra é estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país", afirmou Toffoli.

Legítima defesa da honra

"Essa tese foi muito utilizada em décadas anteriores, dada nossa cultura machista, patriarcal. Socialmente era aceito o homem trair e a mulher não. Na época, se o homem soubesse de uma infidelidade e em determinado estado de fúria acabasse tirando a vida da esposa, ele estaria, na verdade, defendendo sua honra e não cometendo um homicídio", explicou o advogado criminalista ao
Leiagora.

Bernazzolli manifestou que a tese já foi muito difundida há cerca de 50 anos, quando um caso emblemático envolvendo o tema aconteceu. Tratou-se do assassinato de Ângela Diniz, em 1976. O autor do crime, Doca Street, que morreu em 2020 após uma parada cardíaca, aos 86 anos, disparou quatro tiros contra o rosto da mulher, com quem tivera uma relação marcada por ciúmes e violência. Na época, Ângela queria o fim do relacionamento. 

Na Justiça, o advogado de Doca Street apresentou a tese de legítima defesa da honra e conseguiu uma pena branda, de apenas 18 meses de prisão. Desses, cumpriu apenas sete. Contudo, com protestos, o movimento feminista conseguiu levá-lo a um novo julgamento, em 1981, no qual, dessa vez, foi condenado a 15 anos de prisão, pelo crime de homicídio. Ele também não cumpriu a maior parte da pena, tendo progredido para o regime semiaberto em 1985 e, depois, acabou solto de vez, em 1987.


"Flagrantemente inconstitucional"

"É uma tese flagrantemente inconstitucional, porque viola o primado do princípio da dignidade da pessoa humana. Ninguém tem direito de tirar a vida de outra pessoa, exceto em legítima defesa à sua vida e exercício legal da profissão, como o caso de policiais. Justificar um homicídio porque um homem foi traído é inadimissível", comentou com o Leiagora o advogado criminalista.

Para Bernazzolli, o reconhecimento da inconstitucionalidade dessa argumentação pelo STF é válido, ainda que a tese já estivesse em desuso no Brasil. Essa mudança no paradigma do Tribunal do Júri acontece porque, segundo destacou, a sociedade já não aceita essa justificativa. 

"A sociedade não aceita, os tribunais não aceitam, a Constituição não autoriza, o Código de Processo Penal não autoriza a utilização da tese da legítima defesa da honra. Isso é uma criação doutrinária, jurisprudencial, fruto da inteligência, imaginação ou o talento de uma defesa em criar uma tese defensiva, mas ela é inconstitucional. Viola o direito da dignidade da pessoa humana, pontuou.

Decisão perigosa

Para o presidente da comissão, a decisão de Toffoli, que acabou sendo mantida pelos ministros do STF, deve ser vista com ressalvas.

"Eu vejo que é uma decisão equivocada. Embora ele, em linhas gerais, tenha proibido a utilização dessa tese defensiva no Tribunal do Júri, vejo com maus olhos, não porque essa tese deve ser utilizada, ou se devemos fomentar a utilização dela ou proibi-la. Mas a base do processo penal brasileiro é o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa”, comentou preocupado. 

Bernazzolli explicou que a decisão do STF abre possibilidade para que os tribunais comecem a engessar o processo penal, impedindo os exercícios de teses por parte dos advogados. “São esses exercícios que mudam as jurisprudências no país”, destacou. Para ele, o Judiciário não poderia impedir a defesa de utilizar a tese, ainda que sabidamente inconstitucional. 

“A defesa tem que ter a liberdade plena para exercer suas teses. Cabe ao Judiciário aplicar devidamente o direito, mas impedir o exercício de defesa é um crime contra o estado democrático de direito. O advogado pode usar essa e qualquer outra tese que ele achar adequada para o caso concreto. Socialmente, a gente entende que é inaceitável. Mas não pode impedir a defesa”, defendeu.

“A partir do momento que você começa a cercear a atividade de defesa, você começa a impor, inclusive, tom autoritário do Judiciário, e a gente pode colocar em xeque a balança do estado democrático de direito. Podemos entrar, talvez, em um autoritarismo judicial”, finalizou.


 
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