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Notícias / Entrevista da Semana

31/10/2021 às 08:00

O que é o luto e como lidar com ele?

Psicólogo Raul Tibaldi diz que não há regras ou padrões para vivê-lo: é uma coisa pessoal

Denise Soares

O que é o luto e como lidar com ele?

Raul Tibaldi, psicólogo especializado em cuidados paliativos

Foto: Leiagora

Falar do luto, às vezes, ainda é um tabu para muitas pessoas. Não há regras ou padrões para vivê-lo. É um fenômeno particular e não necessariamente segue etapas ou tem que ser igual para todos.
 
Para algumas pessoas, o luto é cercado de dor e tristeza. Para outros, traz alívio ou apenas um vazio. A regra é: não há uma fórmula para vivenciar o luto. Você pode chorar ou não. E está tudo bem.
 
Mas ainda há certa resistência dos humanos em falarem sobre a morte. Há quem diga que falar sobre a morte, atrai a morte.
 
Sobre isso, o Leiagora entrevistou Raul Tibaldi, psicólogo especializado em cuidados paliativos.
 
Confira a entrevista na íntegra:
 
Leiagora - O que é o luto?
 
Raul Tibaldi - Existem diversas definições e compreensões e modelos teóricos para falar o que é o luto. Mas, de maneira geral, a gente pode dizer que luto é o fenômeno que acontece com quando se rompe um vínculo. Ou quando a gente perde alguém ou algo que está relacionado a algo querido e amado. Se fala em luto por divórcio, perda de animais, que é algo que geralmente as pessoas não associam. De maneira geral, o luto é esse conjunto de respostas e comportamentos diante de uma perda ou vínculo.
 
Leiagora - Como lidar com o luto?
 
Raul Tibaldi - Essa é a pergunta cuja resposta é um milhão de dólares, né?! Por qual razão? Esse processo, apesar de existirem algumas compreensões de como ele se dá, as respostas de como ele acontece, é um fenômeno que acaba sendo singular e particular. Depende de fatores culturais e sociais e outros. O modo de lidar com o luto vai depender muito dessas características que dependem de como aconteceu, no caso de perda de pessoas, a morte, se o enlutado teve assistência ou uma boa rede de apoio, e se teve um auxílio de amigos e familiares depois ou imediatamente após a morte. Não há uma receita ou um padrão que pode ser aplicado a todas as pessoas no que se refere a como lidar com o luto. Por outro lado, os profissionais orientam que uma das melhores formas de se lidar com o luto é encontrar espaços para expressar tudo aquilo que decorre do luto. É importante abrir espaço de acolhimento emocional para questões que são inerentes ao luto: a raiva, a tristeza, o pesar, a falta de perspectiva ou sentido na própria vida com a ausência física daquela pessoa que nos deixou. Para que assim, conforme o tempo, esse luto seja integrado a sua vida de uma forma que ele seja parte da melhor e mais saudável possível. As pessoas associam o luto com superação, geralmente. Mas, pouco se compreende que o luto não é superado ou esquecido. Algumas pessoas preferem dizer que o luto passa a fazer parte da vida de uma forma menos dolorosa. Em um tratamento na psicoterapia, por exemplo, a gente procura ajudar a pessoa para que esse processo, que é natural, não se torne prejudicial ou afete o trabalho e vida social, para que não haja complicações.
 
Leiagora - Quanto tempo dura um luto?
 
Raul Tibaldi - Existem alguns critérios previstos em diagnósticos de estudo, entre eles, o temporal. O luto é aceitável ou não quando ele se torna doença e merece um cuidado especializado. Por outro lado, nós que estudamos essa temática, sabemos que hoje em dia não há o que se falar em tempo ou fases onde não vai haver mais luto. Não necessariamente o luto chega ao fim, ele é esse fenômeno de você viver com a ausência de alguém querido. Então, tem várias implicações disso, porque não se falar em tempo: pode-se passar a ideia aos enlutados de que você esquece a pessoa que você perdeu, que é uma coisa que nunca vai acontecer. O que entendemos é que você passa a conviver com a memória, a saudade e a tristeza de forma mais atenuada. Há momentos em que você vai chorar 10, 15 ou 20 anos depois de perder alguém. Aí fica a reflexão: o luto realmente acaba ou se transforma?
 
Leiagora - O que acontece com quem está em luto? Quais as consequências emocionais e físicos do luto?
 
Raul Tibaldi - De uma forma geral, a tristeza, o pesar, o choro, muitas vezes a raiva, mas é algo muito singular. São sentimentos relacionados à perda. Às vezes a perda do apetite ou prazer em atividades que antes eram prazerosas. Até mesmo na rotina e hábitos de higiene. A questão que merece um cuidado é o quanto essas consequências prolongam e o quanto elas afetam e impactam na vida de alguém que perdeu uma pessoa. Mas não necessariamente, isso pode não acontecer. Muitas vezes a pessoa que não chora é vista como ‘nossa, ela não está sofrendo?’. Às vezes, o modo dela vivenciar aquilo é não derrubar uma lágrima. E aí, se a gente quiser problematizar, talvez ela nem esteja sofrendo. Será que toda pessoa que perde alguém tem que necessariamente sofrer? Porque a gente não entende aquilo que ela representava de vida e relação.
 
Leiagora - E como lidar o luto com as crianças?

Raul Tibaldi - 
No caso das crianças que perdem alguém, isso vai depender da configuração familiar e depende também do momento de desenvolvimento daquela criança. Quando falamos sobre a compreensão daquilo que é a morte, a criança vai adquirindo um processo de desenvolvimento e maturação, até mesmo do que é a morte. Muitos não entendem que a morte é irreversível. A gente vê muito isso nos desenhos: o personagem ele morre ou cai algo na cabeça dele e imediatamente ele volta. Então, a criança vai deixando de lado algumas ideias sobre a morte. Ela vai se dando conta, cognitivamente e emocionalmente, da própria finitude. Muitas pessoas, os pais principalmente, ficam preocupados com o que dizer para a criança. De maneira geral é não esconder a verdade e isso inclui não usar de figuras de linguagem ou metáforas que não condizem com a realidade do fato, como o famoso caso do ‘virou estrelinha’, ‘foi para o céu’, ‘foi viajar’. E por que a gente diz isso? Isso pode influenciar no processo de integração desse fenômeno [a morte], inclusive com complicadores. Em alguns casos ela pode associar que ‘fulano foi viajar’ a outras situações e passar a ter crises de choro ou ter febre toda vez que escutar isso. Uma outra recomendação é procurar responder a aquilo que a criança quer saber. O ideal é procurar ter conversas sinceras, mas adequadas. Muitas vezes a gente acha que o problema é a criança, de como ela vai reagir ao velório, e não perguntamos se ela gostaria de ir ao velório e explicar o que vai acontecer e o que a criança vai encontrar lá, dizer que o fulano faleceu. Muitas vezes não é dada essa oportunidade para a criança. Normalmente os adultos dão respostas que não terão margem para questionamentos. A criança merece um cuidado especializado quando as consequências se prolongam, no caso, se os pais percebem uma mudança no comportamento e nas emoções da criança. Por exemplo: uma criança que não tinha o hábito de fazer xixi na cama e passa a fazer ou outras mudanças de comportamento.
 
Leiagora - O que fazer quando a dor do luto não vai embora?

Raul Tibaldi - As pessoas vivem o luto de forma diferente em diversas etapas. Você vai sentir de forma diferente a morte do seu pai e da sua mãe. Isso vai depender muito do significado e sentido sobre o que o rompimento desse vínculo e o desdobramento disso na vida de quem ficou. A partir disso, tentar ressignificar a vida. Um exemplo famoso é a mãe do cantor Cazuza, Lucinha Araújo, que criou a Sociedade Viva Cazuza para dar apoio aos pacientes com HIV. De certa forma, ela deu um novo significado e conforto para conviver com a falta dele. É encontrar maneiras de expressas e dar vazão aos sentimentos. Isso 'juda a seguir em frente' no sentido de ‘o que faço com isso agora?’. Cada um vai encontrar uma resposta ou não.
 
Leiagora - Quando procurar ajuda profissional para lidar com o luto?

Raul Tibaldi - Bons indicadores serão a intensidade e a frequência do luto e as suas consequências na vida da pessoa. Mas não só isso. O auxilio terapêutico é um espaço seguro para expressar e acolher sentimentos que normalmente não seriam bem aceitos lá fora. É um espaço onde você se sente autorizado a falar sobre coisas que lá fora você não se sentiria autorizado. Até mesmo os lutos desafiadores, por exemplo: quando você perde um gato ou perde uma amante. Quem me acolhe nesses casos?
 
Leiagora - No seu trabalho, você oferece suporte terapêutico para pessoas que estão em situação de doenças graves ou em fase final de vida. Fale como é esse processo. 
 
Raul Tibaldi - São os cuidados paliativos. É uma área de interesse de pessoas que enfrentam um sofrimento grave, doenças crônicas ou popularmente as doenças incuráveis e que estão em final de vida. Os cuidados paliativos são aconselhados desde o momento do diagnóstico diante de uma doença (potencialmente incurável ou fatal), mas não substituem os esforços de tratamento da doença, mas estão voltados para cuidado e prevenção de sofrimentos decorrentes do avanço de determinadas doenças, como câncer, Alzheimer e outras. O cuidado paliativo é para o paciente, para a família que o acompanha, cuidadores e profissionais de saúde.
 
Leiagora - Nesses quase dois anos de pandemia, como você avalia que as pessoas estão lidando com as mortes pela doença? Qual o efeito das mortes, mesmo que não seja necessariamente de pessoas próximas?
 
Raul Tibaldi - O que está sendo a principal questão do luto na pandemia: a gente se deparava não só com a morte de pessoas queridas, mas também com a possibilidade da própria morte. Houveram todos esses esforços para a nossa segurança. A gente vivenciou uma espécie de cerco da própria finitude. Redobrar os cuidados que podem acontecer com ou sem pandemia, que é o morrer. A pandemia acentua e escancara essa questão da nossa fragilidade. Ela, de certa forma, amplia os efeitos disso. É ligar o jornal e ver aquele número absurdo de mortes. E aqui no Brasil, a gente não pode deixar de falar dos contornos que a pandemia levou, principalmente das questões políticas. Uma crise política dentro de uma crise sanitária que exacerbou todos os reflexos que já seriam previsíveis. Então, eu acho que a pandemia trouxe não só a questão da proximidade da morte, mas também ela intensificou a questão da insegurança. De pensar ‘quando a gente volta na vida normal?’. A pandemia trouxe uma medida de segurança que foi um agravante e complicador do processo do luto: a impossibilidade, em muitos casos, de não efetuar um ritual ou ter a possibilidade de se despedir da forma que você acredita, que é necessário ou tradição que provavelmente vai levar a um fator doloroso a mais. Ou ‘eu deixei a minha mãe no hospital e não a vi mais, saiu em um caixão’. É uma morte traumática. Claro, que houveram diversos esforços dos profissionais da linha de frente, principalmente com a tecnologia, de aproximar de certa forma essas pessoas e minimizar o que é inerentemente doloroso. Ainda assim, foi uma conjuntura que causou um sofrimento nunca antes visto.
 
Leiagora - Qual a importância do Dia de Finados?

Raul Tibaldi - Essa data é mais um elemento social que faz parte de uma série de celebrações que, querendo ou não, são de lidar com o luto ou a perda. Não necessariamente você tem que se sentir obrigado a ir no cemitério e pensar que por isso não estará honrando a memória da pessoa. Uma reflexão minha: você poder reservar um dia para ir ao cemitério e chorar pelos mortos, em uma sociedade em que todos os outros dias você não pode chorar. Então, naquele dia é permitido chorar, falar e lembrar da pessoa que você perdeu sem que as pessoas te rechacem.
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