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Notícias / Entrevista da Semana

28/11/2021 às 08:00

MT deve zerar déficit de vagas no sistema penitenciário em 2022 e separar presos por crimes

Desde 2010, há superlotação. Com a reforma, estruturalmente, só os muros serão como antes, conta o secretário-adjunto de Administração Penitenciária, Jean Gonçalves

Débora Siqueira

MT deve zerar déficit de vagas no sistema penitenciário em 2022 e separar presos por crimes

Foto: Foto: Arquivo Pessoal / Arte: Leiagora

De carcereiro a agente penitenciário. De agente penitenciário a policial penal. O secretário adjunto de Administração Penitenciária, Jean Gonçalves, há 21 anos tem passado por todas as transformações do Sistema Penitenciário, que em 2000 estava sob o comando da Polícia Civil com carceragens nas delegacias e as penitenciárias sob o comando da Polícia Militar com o Batalhão de Guardas.
 
Do servidor contratado com cadeados no pescoço para fazer a tranca de presos, desarmados e só com autoridade da conversa, ao policial armado com fuzil e procedimento padrão, há muita diferença. De valorização profissional a condições de trabalho.
 
Nesta entrevista, Jean Gonçalves faz um raio X do Sistema Penitenciário de como a superlotação está atrelada de forma cabal à ressocialização. Por mais criminoso que alguém seja, um dia vai deixar a prisão pela porta da frente, afinal, no Brasil não há prisão perpétua ou pena de morte.

Confira, abaixo, a entrevista:
 
Leiagora – O que tem sido feito dentro das unidades para que o preso abandone o crime? A sociedade, por muitas vezes, quer que a pessoa não saia mais da unidade, mesmo sabendo que não há pena de morte e nem prisão perpétua no país. Como vocês evitam que ele não vire um 'cliente do sistema'?
 
Jean –
Hoje dizem que a taxa de reincidência no país seja de 80%, ou seja, a cada 100 presos, 80 voltem para o crime. Esses dados são extraoficiais porque hoje não tem um mecanismo concreto para aferir esse nível de reincidência. Há entendimentos diversos. Pelas leis vigentes no país, reincidente é aquele que tem processo transitado em julgado e comete novo crime. Outros entendem que está no cárcere, saiu, cometeu novo crime e voltou ao cárcere. Então há essa divergência doutrinária. Eu entendo que deveria aferir o grau de reincidência pela reentrada da pessoa no sistema prisional e não pelo processo transitado em julgado, mesmo ele sendo provisório, aí sim conseguiria aferir o dado.
 
Leiagora – Se não consegue aferir a reincidência, também não se sabe quantos desses presos deixaram a criminalidade de vez?
 
Jean –
É difícil, não tem números reais da reentrada, mas pelos dados extraoficiais se 80% volta então os que abandonaram é em torno de 20%
 
Leiagora – Por que as facções ainda conseguem controlar a criminalidade mesmo com lideranças presas. Têm casos de operações policiais e no cumprimento de mandado de prisão a pessoa já está presa. Como é possível barrar essa comunicação?
 
Jean –
A gente está trabalhando neste sentido como vocês acompanham pela imprensa. Hoje raramente tem uma operação que tem envolvimento da unidade penal. A gente tem tecnologias e está reestruturando o sistema penitenciário e reformulando toda a Penitenciária Central do Estado, tornando uma unidade moderna, segura e ter monitoramento eletrônico 24 horas na unidade, fora outros investimentos que o governo tem realizado para evitar esse tipo de situação.
 
Leiagora – Como é a relação dos policias penais com os presos faccionados? A PM prende, a PJC indicia, mas quem convive diariamente é o policial penal. A cada apreensão de celulares, de drones, drogas, informações onde fica esconderijo dos bandidos, não há temor de retaliação?
 
Jean –
Essa vida de policial penal tem algumas restrições de frequentar  determinados lugares, por questão de segurança mesmo. É uma convivência tranquila, o policial está ali no plantão de 24 horas para coibir todo tipo de crime. É um combate diário e os resultados vêm aparecendo. O medo é algo íntimo do ser humano. O medo deve existir, sim. Eu coordeno 46 unidades penais, 11.500 presos em regime fechado, 6 mil no monitoramento eletrônico, 3 mil servidores, então tenho meus medos, meus receios, mas é dia a dia da profissão.
 
Leiagora – Houve recentemente o retorno das visitas, após um longo período de proibição. Agora voltou com uma série de restrições. Como as famílias estão reagindo?
 
Jean –
Tivemos uma boa aceitação por parte do familiar, da população carcerária. Todos são testemunhas do que aconteceu na pandemia, o colapso do setor de saúde, do estado, do país. As visitas retornaram de forma gradativa, uma a cada 15 dias. A gente tem feito triagem no raio que recebeu visitação para ver se houve contaminação. Tivemos alguns incidentes na tentativa de entrada de entorpecentes em algumas unidades e foi prontamente coibida.
 
Leiagora – O senhor tem uma posição sobre o projeto de lei do deputado João Batista de proibir a entrada de crianças em cadeias e presídios?
 
Jean –
Eu tive conhecimento dessa propositura pela imprensa, eu não tenho conhecimento se já foi votado. Na minha opinião pessoal, não falo como profissional da segurança, mas do cidadão Jean, eu acho temerário crianças frequentarem unidades prisionais. Agora nós temos legislações que garantem esse acesso às crianças nas unidades penais no país. No próprio Estatuto da Criança e do Adolescente garantem esse contato das crianças com os seus pais. No período da pandemia, as crianças não estão entrando porque não foram vacinadas e a entrada do vírus é temerária.
 
Leiagora – É possível recuperar a maioria dos presos em Mato Grosso ou você acha que é uma utopia? O crime seduz mais do que a vida de trabalhador?
 
Jean –
Não vejo como utopia. Vejo que tínhamos limitação de oportunidades, com essa reestruturação que está sendo feita pelo governador Mauro Mendes, que pegou o sistema penitenciário em 2019 com déficit de 6,5 mil vagas e hoje, em 2021, esse déficit é pouco mais de 2,7 mil vagas e com a previsão do planejamento que fizemos junto ao secretário Bustamante, Mato Grosso vai zerar esse déficit. Com esse trabalho vamos poder fazer a separação dos presos por crime, então a pessoa que tomou uma pinga e acabou dando facada numa pessoa, vai para o cárcere e vai pra cela onde está um assaltante, que a vida dele é do crime. Então com a separação dessas pessoas a gente vai conseguir recuperar enorme de pessoas.
 
Leiagora – A superlotação é o que impede a recuperação dos presos?
 
Jean –
A superlotação na unidade penal é o impede o desenvolvimento de políticas públicas, entre elas a ressocialização.
 
Leiagora – Recentemente o governador assinou decreto estabelecendo a forma de cobrança das tornozeleiras e botão do pânico. A gente tem muita notícia de pessoas que rompem o equipamento para voltar a delinquir. Acha que isso poderá inibir essas ações?
 
Jean –
Na verdade o intuito do decreto é outro. Hoje o preso não paga pelo equipamento de monitoração. A partir desse decreto a cobrança do uso da tornozeleira eletrônica o valor que o estado licita com a empresa vai ser custeada pelo reeducando, não só em caso de rompimento. Hoje se um reeducando extravia esse equipamento ele tem que indenizar o estado, que tem que pagar a empresa. Essa medida vai atingir as pessoas com poder aquisitivo, com advogado constituído. As pessoas hipossuficientes, atendidas pela Defensoria, não entrarão nessa medida.
 
Leiagora – Caberá ao judiciário estabelecer quem vai ou não usar?
 
Jean –
Dentro do processo já tem essa informação, o judiciário tem essa informação se a pessoa é hipossuficiente ou não.
 
Leiagora – A Casa do Albergado de Cuiabá existia para o cumprimento do semiaberto. Foi fechada e desde então o regime semiaberto se limita a tornozeleiras. Quando o estado vai voltar a ter um local para que esses presos possam cumprir a pena como estabelece na lei?
 
Jean –
A Casa do Albergado, senão me engano fechou as portas na época da Copa de 2014. Para o cumprimento da pena é necessário essas unidades de regime semiaberto. A gente tem planejamento, projeto pronto e a partir de janeiro ter esse espaço com 1.200 vagas para o regime semiaberto. Lei de Execução penal prevê um sistema mais brando, o preso passa uma parte trancafiado e trabalhando, autorização para saída do Dia dos Pais, Dia das Mães e Natal.
 
Leiagora – Existe a possibilidade de privatizar as unidades penais de Mato Grosso como em outros estados?
 
Jean –
Privatização do sistema penitenciário vem sendo discutida há anos no país. Temos alguns casos Minas Gerais, Tocantins. Tem modelos, eu nem falo privatização, mas parceria público-privada, onde todo papel de polícia fica por conta do estado e caso uma empresa venha ocupar a administração penitenciária, ficará com a parte administrativa, a movimentação do preso, assistência educacional, jurídica, saúde, religiosa. O poder de polícia é do estado e não tem como repassar. Em Mato Grosso não temos nem estudo em andamento nesse sentido.
 
Leiagora – Como foi sua entrada no Sistema Penitenciário?
 
Jean –
Meu primeiro contato com cadeia foi em 2000, em Dom Aquino. Quem era responsável pelas cadeias públicas era a Polícia Civil, os delegados de polícia. As delegacias que tinham carceragem era de responsabilidade dos delegados e contratavam agentes para tomar conta da carceragem. Os presídios eram independentes das cadeias e faziam parte da Sejusp na época e as unidades tinham o Batalhão de Guardas da Polícia Militar. Os agentes na época eram os carcereiros, eram civis contratados para cuidar da carceragem das unidades, desarmados, e não fazia trabalho armado. Em 2004 fiz concurso e fui aprovado em Dom Aquino. 
 
Leiagora – Quando o sistema penitenciário passou a ser como é hoje?
 
Jean –
O sistema penitenciário começou com essa evolução em 2013. Os agentes, hoje policiais penais, passaram a ter formação, a Polícia Militar deixou as unidades penais do Estado, todo trabalho de segurança passou a ser feito pelos agentes penitenciários.
 
Leiagora – O que de fato muda com a mudança de agente penitenciário para policial penal?
 
Jean –
Olha, essa mudança de nomenclatura na Constituição Federal nos trouxe garantias que não tínhamos antes: porte de arma, aposentadoria especial, a gente fazia todo o trabalho de polícia e não tínhamos as mesmas prerrogativas. Tem linha de crédito especial agora, como a gente não estava na Constituição, não tinha acesso a essas políticas.
 
Leiagora – Você foi diretor da Penitenciária Central do Estado em 2010, o que a unidade mudou nestes 11 anos?
 
Jean –
Mudou completamente. O agente penitenciário quando ia fazer a tranca dos raios, ele passava no meio de 400, 500 presos portando os cadeados no pescoço e só tinha certeza que entrava, não tinha certeza que iria sair. Com a evolução, treinamento e o policial assume todas as atribuições, antes do agente penitenciário entrar para fechar a cadeia, a contenção vinha antes. Quando entrava era só pra colocar o cadeado na porta.
 
Leiagora – E a questão estrutural, naquela época já tinha a superlotação?


Jean – Naquela época já tinha superlotação. Eu era diretor da PCE em 2010 e naquela época já tinha 2.100 presos. Com a reforma, estruturalmente só os muros serão como antes porque toda parte de carceragem esta sendo toda demolida e reestruturada.
 
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