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Notícias / Entrevista da Semana

24/04/2022 às 08:00

Dia Mundial do Livro: Mercado editorial em MT, políticas públicas e incentivo à leitura

O Leiagora entrevistou Maria Teresa Carrión Carracedo, que falou a partir da perspectiva da editora local Entrelinhas

Priscila Mendes

Dia Mundial do Livro: Mercado editorial em MT, políticas públicas e incentivo à leitura

Foto: Montagem: Leiagora / Foto: Arquivo pessoal

Vinte e três de abril é o Dia Mundial do Livro, data escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), para homenagear Miguel de Cervantes e William Shakespeare, que morreram nessa data, em 1616. É curiosa a coincidência do dia de partida do romancista e do dramaturgo, o primeiro da Espanha e o segundo, da Inglaterra.

Mas a coincidência só é possível graças a questões culturais: Cervantes teria morrido no dia 22, no calendário gregoriano, mas registrado como 23, data do enterro; enquanto que Shakespeare teria falecido em 23 de abril, mas do calendário juliano, em vigor, à época, na Inglaterra, o correspondente a 3 de maio na contagem gregoriana, uma distância, portanto, de 11 dias.

De toda maneira, é indispensável celebrar a importância do livro e da leitura para a construção social humana. Inclusive, a Unesco, na conferência que definiu a data comemorativa, em 1995, registrou que tal publicação é “o elemento mais poderoso de difusão do conhecimento e o meio mais eficaz para sua conservação”.

Para marcar a data, o Leiagora entrevistou Maria Teresa Carrión Carracedo, responsável pela Entrelinhas, uma das editoras de Cuiabá, em atuação desde 1993, que, juntamente com a Central de Texto, coleciona centenas de publicações impressas ou digitais, promovendo, principalmente, escritores locais.

Maria Teresa é jornalista, editora, profissional de propaganda e marketing e designer gráfico e falou ao Leiagora sobre incentivo à produção literária, sobre construção do hábito de leitura, sobre políticas públicas para publicação de livros e bibliotecas e muito mais.

Confira a entrevista na íntegra:

Leiagora - Nos últimos anos, estava sendo registrada uma queda no índice de leitura de livros no Brasil, número que voltou a subir no período de isolamento social, em razão da pandemia. Como você avalia o grau de leitura do brasileiro e o que pode ser feito para incentivar a leitura?

Maria Teresa - Certamente o isolamento e distanciamento social propiciaram a muitos jovens e adultos maior interesse pela leitura, entre outras formas de aprendizagem e entretenimento. Muitas pessoas redescobriram o prazer de ler. Na quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura do Brasil, realizada no final de 2019, início de 2020 em todo o Brasil, pelo Instituto Pró Livro - que é uma organização da sociedade civil de interesse público mantida por entidades do livro -, temos como resultado que, em Cuiabá, 52% dos residentes são considerados leitores. Esse é um bom índice, se compararmos com outros resultados de outras cidades. Nessa pesquisa, o leitor é aquele que leu, por inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Esse índice parece pouco, eu diria pra você que, na mesma pesquisa, em Campo Grande (Mato Grosso do Sul), esse índice é de apenas 26%. Curiosamente, Porto Alegre apresenta o mesmo índice de Cuiabá e lá o incentivo à leitura é muito grande. O índice de São Paulo capital é de 60% e o do Rio de Janeiro, 47%. Segundo esse instituto, nós temos lido aqui em Cuiabá uma média de 3,7 livros nos últimos 12 meses. E os participantes, quando foram perguntados sobre como se interessar pela literatura, 51% responderam que foi por indicação da escola, de um professor ou de uma professora. Veja você a importância do ambiente escolar! Vinte e cinco porcento responderam que foi por influência da mãe e 15%, por influência do pai. E desses, 45% compraram seus livros em livrarias físicas. E apenas 10% compraram em livrarias on-line. E veja você que aqui em Cuiabá quase não temos livrarias, né? Eu penso que para incentivar a leitura, precisa ser realizado todo um conjunto de ações. E a primeira delas, neste momento, é a definição de uma política pública, ou seja, a aprovação do nosso Plano Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas de Mato Grosso [PELLLB/MT] e a sua implementação, com recursos e diretrizes que precisam ser cumpridas.

Leiagora - Quem pode despertar o desejo da criança pela leitura e como fazer isso?

Maria Teresa -
Vivemos num país desigual, infelizmente. Nas famílias estruturadas, claro, os pais, os responsáveis pela criança são os primeiros mediadores de leitura, os primeiros contadores de histórias que elas conhecem. O amor pelo livro e pela literatura, penso, pode ser transmitido desde os primeiros anos, dessa forma. A criança se apaixona por esse universo de histórias, personagens e sonhos e segue pela vida como um leitor. No caso dos arranjos familiares onde a baixa renda não viabiliza a entrada dos livros, a escola pública deve oferecer os primeiros contatos com os livros de literatura e os didáticos. Daí a grande importância das bibliotecas escolares e comunitárias e ações de incentivo à leitura nas escolas. Esses equipamentos culturais, eu penso que precisam ser atrativos, contar com a dinamização de uma bibliotecária, o trabalho de contadores de histórias, ter um excelente acervo de livros impressos que permitam uma experiência tátil, incluindo lançamentos e livros em múltiplos formatos, como o áudio livro, o livro digital e o livro acessível.

Leiagora - Na sua avaliação, como está a produção literária em Mato Grosso, do ponto de vista de publicação de livros, quais são os fatores positivos e o que falta para crescer ainda mais?

Maria Teresa -
A produção literária cresceu muito em Mato Grosso. No próximo ano, a Entrelinhas vai completar 30 anos desde a sua fundação. No início, eram muito poucas as edições e elas estavam mais restritas a produções institucionais. Desde então, a tecnologia evoluiu muito e, hoje, são várias as editoras publicando os autores de Mato Grosso e de muitas partes do país, com grande qualidade técnica, artística e de conteúdo. O que falta para crescer mais certamente é o desenvolvimento de um mercado consumidor de livros. Penso que este mercado deva ser estimulado por políticas públicas de apoio ao setor como o Plano Estadual do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas de Mato Grosso, [o Projeto de] Lei Marília Beatriz, que está tramitando na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, e espero que possa ser aprovado ainda este ano.

É fundamental que os sistemas público e particular de ensino obedeçam as leis aprovadas há décadas e passem a abranger, em seus conteúdos curriculares, os temas locais, os autores e livros de Mato Grosso. Infelizmente, toda essa legislação não é observada. E nós reclamamos sobre essa questão há muito tempo. Isso é fundamental para formar pessoas que conheçam bem o lugar em que vivem, suas fragilidades, potencialidades, sua cultura. A história, geografia, arte e cultura de Mato Grosso são assuntos fundamentais que precisam ir para a sala de aula. O processo de ensino-aprendizagem seguramente se dará com muito maior eficiência, se assim for. Com essas premissas, todas as cadeias relacionadas ao livro podem crescer: autores, editores, profissionais do livro, distribuidores, mediadores, pontos de venda. E quem ganha com isso é toda a sociedade mato-grossense que, em primeira instância, é o mais importante de tudo, porque nós só existimos para atender os interesses dessa população.

Leiagora - Como você avalia as políticas públicas de incentivo à leitura, ao livro e às bibliotecas em Cuiabá e em Mato Grosso, considerando os editais de fomentos lançados? Como esse respaldo pode ser intensificado?

Maria Teresa -
Na verdade, nós ainda não temos políticas públicas nesse segmento, mas, sim, ações pontuais e pouco representativas, como eventualmente um ou outro edital que, mesmo assim, podem ser aprimorados. Eles são importantes, mas o mais importante é ter uma política abrangente que seja, realmente, implementada pelo Estado capaz de fazer o livro chegar ao leitor e em todos os municípios, incentivando todos os envolvidos na cadeia criativa, produtiva, mediadora do livro.

Leiagora - Como está o mercado editorial, pela perspectiva de uma editora mato-grossense?

Maria Teresa -
Eu posso falar pela Entrelinhas Editora, que é uma pequena casa publicadora fundada pela família Carrión Carracedo, em 1993. Eu diria a você que, por enquanto, eu não vejo ainda um mercado. E, por isso, seguimos com muitas dificuldades. Conseguimos produzir obras importantes e necessárias com apuro técnico e o melhor conteúdo, com investimento próprio e algumas com incentivo de editais. Mas temos dificuldades em fazer com que cheguem às mãos dos leitores. Se as escolas, por fim, percebessem que os autores de Mato Grosso podem oferecer uma excelente experiência de leitura e aprendizagem com as suas obras, essa realidade finalmente começaria a mudar.

Leiagora - Em alusão direta ao Dia Mundial do Livro, como os livros contribuem para a vivência humana?

Maria Teresa -
Essa sua pergunta, Priscila, é abrangente, complexa e, com certeza, ao refletir sobre isso, nós poderíamos escrever muitos livros, né? Mas eu vou tentar dar uma resposta! Eu acho que o livro é uma das maiores invenções de todos os tempos. Diversos suportes atravessaram os milênios e nos levaram até o formato impresso, no Renascimento. Esse formato atravessou os últimos 500 anos, garantindo o registro e a divulgação do conhecimento, das criações e experiências humanas. Por isso, temos acesso a elas e podemos fazer com que o conhecimento seja algo cumulativo e que cresça cada vez mais. Sem os livros, nós não estaríamos, certamente, onde estamos hoje. Os múltiplos formatos permitirão que mais e mais pessoas tenham acesso a eles. O livro digital, o audiolivro e os formatos acessíveis, juntos com o livro impresso, nos garantirão a evolução de nossa espécie neste planeta.
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