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Notícias / Entrevista da Semana

22/05/2022 às 08:00

Carlinhos Brown: a arte e a educação andando juntas para transformar a sociedade

O multiartista esteve em Várzea Grande para lançar um programa de educação ambiental e concedeu entrevista exclusiva ao Leiagora

Priscila Mendes

Carlinhos Brown: a arte e a educação andando juntas para transformar a sociedade

Foto: Arte: Leiagora / Foto: Touché

Carlinhos Brown e equipe estiveram em Várzea Grande, nos dias 9 e 10 deste mês, para lançar o programa Pertencimento Ambiental, projeto que o artista desenvolve junto à mestra Priscila Dessimoni Morhy (que também esteve presente no município) e a editora Brasil Sustentável. A iniciativa prevê kits de livros infantis e uma websérie, a Paxuá e Paramim, em que o próprio Brown é um personagem animado (o Braúna), ao lado de protetores da natureza indígenas.

A Prefeitura de Várzea Grande, durante as atividades de comemoração dos 155 anos, lançou a implementação do programa nas escolas da rede municipal. A proposta, mais que educar a criança para o cuidado do meio ambiente, é, como o próprio nome diz, permitir que aquele pequeno indivíduo se sinta parte da natureza - e cresça com uma mentalidade mais sustentável.

Na oportunidade do lançamento, Carlinhos Brown concedeu uma entrevista exclusiva ao Portal Leiagora e falou da trajetória enquanto arte-educador, de outros projetos sociais que desenvolve, de produção artística, mesmo durante a pandemia, da faceta nas artes visuais, do sabor de ser técnico do programa de TV The Voice, do vínculo com Marisa Monte e com Arnaldo Antunes e do respeito à ancestralidade que lhe é próprio.

Confira a entrevista na íntegra:


Leiagora - Você também é a arte-educador. Qual a importância de usar da arte para promover educação e como é desenvolver esse trabalho junto à criança?

Carlinhos Brown -
O primeiro ponto é que todo arte-educador busca na arte a sua comunicação. E essa figura [de educador] nem sempre está nas escolas formais e, muitas vezes, são pessoas que trabalham em comunidades. Eu acredito que, dentro da matéria Oralidades, somos nós que precisamos prestar atenção nessas experiências, porque os arte-educadores estão imbuídos na manutenção das memórias, não importa qual seja: a memória agricultora, a memória da biodiversidade, da dança, da música, todos esses são aclamados por sua experiência, por uma vivência que termina ali distribuindo pras comunidades o que nós somos. [...] A figura do mestre forma pela oralidade, pela experiência e pela convivência com a ancestralidade. E o que eu vejo é que esses personagens precisam de uma oportunidade tipo a que eu tive. Eu não nego, sempre deixei claro, embora estudo de várias outras formas, mas tive uma baixa escolaridade. Então, eu não poderia alcançar certas matérias, por mais que meu pensamento vá. É isso que nos faz buscar a Priscila [Morhy], uma mestra em Pertencimento Ambiental para que essas mensagens chegassem à criança. Esse era o desejo. Não podia ir só pelo lirismo, pelo lúdico e, sim, pela performance técnica. [...]

Juntos com a editora Brasil Sustentável, Priscila e eu conseguimos construir talvez o primeiro livro de pertencimento ambiental para crianças. E o que eu vejo é que esse é um momento decisório onde a criança está fazendo o papel de educador. Esse futuro que a gente termina buscando está em nós e nela está o presente. E nós precisamos aprender com esse presente e o presente está dizendo sobre preservação, sobre educação ambiental que transcende o fato de você cuidar da plantinha, dos pequenos seres, da questão da natureza. Passa talvez por um movimento de reeducação mundial. [...] Nosso desejo não é a política partidária, mas é a política de Cultura, inclusive me exponho muito. Porque eu sou um cavalo da Cultura, eu não tenho medo de me vestir de cangaceiro, eu não tenho medo de dançar o siriri, o cururu, o carimbó do Pará, o axé da Bahia, a bossa nova, e são riquezas identitárias. Quando eu saio do Brasil, o que mais eles querem encontrar em mim é o Brasil. Não posso levar pro Estados Unidos a cultura americana. [...] Todo o nosso desejo de educar passa por isso, passa pelo cultuar a ancestralidade. Se eu a cultuo, eu vou sempre saber fazer a pizza, o tacacá, o tucupi, o acarajé, o abará, o açaí, o churrasco dos pampas. [...]

A sociedade está mais violenta e isso é um desequilíbrio ambiental. Quando nós estamos falando que o Brasil é o quarto país em emissão de gás carbônico, isso é verdadeiramente pra se preocupar! Porque o Brasil sempre foi vanguarda e a gente precisa estar na frente, buscar a nossa energia limpa e buscar esse cuidado na natureza. O que a gente está buscando é uma forma equânime de sustentabilidade a partir do respeito. Não cabe mais essas inundações que nós estamos promovendo no mar com garrafas PETs, com fraldas descartáveis, com tampinhas, até com excesso de joias, porque termina tendo muito na praia. [...] A derrubada da mata, a caça ilegal, a desatenção que a gente tem com o Meio Ambiente estão trazendo pra nós uma performance de bueiro cheio, de rios tomando o seu espaço. Quando a gente vê essas enchentes que estão acontecendo no Brasil e no mundo, a gente vê o efeito que nós estamos provocando no mundo. Porque os rios estão pedindo passagem. [...] Tudo que nós estamos buscando é, a partir deste momento, sem colocar nenhuma carga de compromisso com a criança, mas, sim, de formação, para que a gente encontre um ‘pra frente’ mais organizado em relação a esse estruturar do Meio Ambiente.

Leiagora - O programa também criou personagens e uma websérie, a Paxuá e Paramim. Você sempre foi reconhecido por defender as causas da ancestralidade afrobrasileira. Como é falar de meio ambiente e buscar a ancestralidade dos povos tradicionais indígenas?

Carlinhos Brown -
Pelo simples fato de que nós possamos ter consciência. Todos nós estamos aqui construtores de uma civilização brasileira. Mas é necessário também notar que, quando você faz uma comunicação, ela precisa ser feita com responsabilidade. Toda a afrodescendência tem total conhecimento da plantação, sobretudo através de uma divindade, que nós chamamos de Oxóssi. A mesma que ensina a respeitar os donos da terra. Nós [negros] viemos escravizados para o Brasil. Nós viemos com essa doutrina e, sobretudo, toda a gama de preconceito que a gente ainda encontra é devido a um país escravocrata. Que, por sua vez, precisa se educar em direção a isso. E sinto que, nas convivências, isso tem melhorado. Mas respinga de um outro ali um preconceito racial, o desrespeito para com o outro. [...] Quem são os indígenas pra nós? A proteção, o bom recebimento. Vamos dizer que, com todas essas ideias de construção do Brasil, os negros e os indígenas se apoiaram muito.

Eu tenho um histórico que eu revelo aos poucos, pelo fato de eu ter um trisavô que escreveu o Código Civil no Brasil. Ele escreveu 4986 esboços e terminou brigando com Dom Pedro e a grande briga dele com a corte é que ele não aceitava colocar no código negros como  escravos e, sim como pessoas. E ele era português. Era o bisavô de meu pai. Então eu defendo todo posicionamento de uma família ativista, a gente luta pelas mesmas causas, a gente luta há seculos e essas causas não são resolvidas, talvez porque não chegou a hora. E eu me vi precisando de nos imbuir mais em direção à busca por respeito ao outro, sem que, para tudo isso, haja movimentos violentos, porque não levam a nada. A guerra não transforma pensamento. [...] Nós podemos resolver a partir das nossas boas conversas e, em um país que tem uma comida sensacional, não tem porquê ninguém brigar. Vamos sentar à mesa e vamos de churrasco. E quem é do dendê, vamos de dendê. E vamos conversar mais, esse é um país que está precisando conversar. [...]


Leiagora - Você tem gravado novos singles e lançou álbuns em 2020 e 2021. Quais são as ações acerca dessas iniciativas e quais são os projetos musicais futuros?

Carlinhos Brown -
O futuro é mesmo o agora sendo construído. Dois mil e vinte e 2021 foram anos de extrema importância para revisitar nossas obras e vidas e, diante de tanta dor causada por perdas que passamos no mundo inteiro, tivemos que, verdadeiramente, buscar novos repertórios de ações e novas formas de continuar o que havia em andamento. As pausas forçadas se entrelaçaram com novas criações e nós trabalhamos muito para alcançar resultados em solos áridos, buscando, com bons cuidados, criar o melhor adubo. E assim nasceram trabalhos luminosos. 

Neste 2022, quando completo 60 anos, lançamos, em fevereiro, um novo álbum, o SIM.ZÁS, pelo selo Candyall Music, onde eu trago seis releituras e uma nova rítmica, buscando uma rememorização de um Carnaval que vive em nossos corações, para além das cinzas, independente dos calendários e das permissões para desfilar nas ruas. No início desse ano. tive também a honra de ser convidado para compor o time do The Voice+, o que foi uma grande alegria para mim que já tenho essa possibilidade de estar ali também como técnico das outras duas edições do The Voice, que é uma escola de grandes talentos e uma grande família reunida em um palco, formador para todos nós, artistas, participantes e toda equipe técnica. São aprendizados que nos impulsionam a cada nova temporada, com um repertório de novas emoções e inspirações. É muito gostoso estar na família The Voice. 

E, além de outras criações, como a trilha musical de Cura, espetáculo da minha amiga gênia Deborah Colker, que está desde o ano passado circulando o país, tive também a grande honra de ser convidado para fazer parte deste momento em que o Brasil terá, pela primeira vez, um musical na Broadway. E isso é de uma grandeza para o nosso país e, para mim, sem dúvidas, uma oportunidade maravilhosa, principalmente de trabalhar mais uma vez com a querida Siedah Garret, entre outras grandes estrelas da música mundial.

Leiagora - Você é arte-educador, multi-instrumentista, cantor e compositor, mas poucos sabem de seu trabalho nas artes visuais. Pode falar dessa expressão artística?


Carlinhos Brown - Me dedico a entender as rítmicas dos pincéis e das tintas já há um bom tempo. Desde 2003, posso dizer que pintar tem sido um caminho de reaproximação com raízes profundas de minha formação sensorial, desde a minha vontade quando pequeno de misturar as cores nas paredes que meu pai pintava, até uma constante reformulação dos tons de cinzas que habitam em nós, diante das durezas e das injustiças do mundo. 

Escutar o que dizem as cores em suas danças entre luzes e sombras... Como posso servir à  elas com os meus pincéis? A mistura do suor com as tintas, o brincar, o experimentar, é tudo muito mágico... e também me traz curiosidades que me levam à própria história das artes visuais e às imensas contribuições que tivemos de tantos grandes nomes, criando diversas atmosferas artísticas que pontuaram momentos de extrema importância para a cultura brasileira e mundial, com misturas de cores e texturas e variações de leituras possíveis, que formam esse mundo plural. É um pouco isso e também o prazer que existe em servir às artes, deixar ser conduzido por elas. 

Leiagora - De tantas parcerias que firmou, a formação de Tribalistas está entre as que mais despertam saudades. Depois da turnê de 2018, há outros projetos com Marisa Monte e Arnaldo Antunes?


Carlinhos Brown - Arnaldo, Marisa e eu estamos sempre juntos, sempre criando juntos, entrelaçando nossas famílias, como agora com Chico, um dos meus filhos, voando com Marisa por novas portas; e também a Celeste, filha do Arnaldo, que estivemos juntos no ano passado, cantando, e tive essa honra. Tudo isso é parte de uma continuidade e consolidação dessas trocas e presenças, que também despertam saudades de uma oportunidade de intensidade maior com uma turnê, um novo álbum, mas que têm, nessa comprensão das continuidades dos tempos, essa força do saber-se e, claro, do querer estar junto, do querer estar mais perto, que não muda, só aumenta, se transforma.

Marisa e Arnaldo são tesouros muito valiosos para mim, como homem e como artista. O projeto maior é a evolução do nosso amor e amizade, que também nos impulsiona para novas comunicações. 

Leiagora - Além do programa Pertencimento Ambiental, quais outros projetos sociais tem desenvolvido?


Carlinhos Brown - O trabalho de Pertencimento Ambiental, assim como as ações gerais desenvolvidas dentro do bairro do Candeal, onde nasci, em Salvador, são ações contínuas e que se entrelaçam em fortalecimentos para conquistarmos novos momentos e novas transformações socioeducativas. Falar de pertencimento ambiental é falar sobre preservação da vida e isso nos exige ações contínuas e uma busca por acertos e assertividades com esses cuidados com a natureza que nos forma e que nos rodeia.

Desenvolvo ações sociais há mais de 40 anos, envolvido nessa busca, e temos, entre essas consolidações, a Pracatum, que é um lugar de acolhimento e desenvolvimento de escolaridades educativo-musicais; o Candyall Guetho Square, o Museu Du Ritmo, a Timbalada, o Estúdio Ilha dos Sapos, que são espaços sagrados de resiliências, onde podemos afirmar os desejos da comunidade do Candeal, ampliando a voz daqueles que se interessam pelo aprendizado da cultura, evocando memórias e construindo novas pontes.

E é sempre importante pontuar que esses feitos não são méritos apenas meus, mas sobretudo resultados de um coletivar que me formou e me trouxe onde estou. Tudo em Cultura que foi construído por mim vem da força potencial da Cultura Brasileira e da Bahia Matriarcal e, sobretudo, das grandes mestras e mestres que me deram base e inspiração por toda a minha vida.
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