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29/05/2022 às 14:01

MT fora da Amazônia Legal: entenda os impactos da proposta que vem causando polêmica no meio político

Projeto é requentado e críticos apontam que a propostas não tem viabilidade técnica, prejudica a imagem de MT e temem as consequências ambientais e econômicas

Débora Siqueira

MT fora da Amazônia Legal: entenda os impactos da proposta que vem causando polêmica no meio político

Foto: Secom/MT

O projeto de lei 337/2022 para retirada de Mato Grosso da Amazônia Legal pode terminar apenas em polêmica, por não ter viabilidade técnica de ir para frente, além de ser um tiro no pé para a imagem do estado perante a comunidade internacional, ao permitir o aumento do desmatamento. Essa é a avaliação da secretária de Estado de Meio Ambiente, Mauren Lazzaretti. Ela também preside a Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema).  

"Nós temos 53% do território mato-grossense dentro do bioma da Floresta Amazônica, então acho muito difícil retirar. Acho que isso pode impactar a reputação do Estado, de todo o trabalho que o estado de Mato Grosso faz, daquilo que nós defendemos que é produção e conservação e também valoração da Floresta Amazônica. Não acredito que isso acabe prosperando. Não acho que retirar Mato Grosso da Amazônia Legal vá trazer benefícios para o estado, mas vai trazer prejuízos significativos pra comercialização dos nossos produtos, além de retirar importantes incentivos fiscais. Essa é uma questão de uma opinião técnica". 

Um dos maiores produtores rurais do país, o ex-senador e ex-governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PP) também questiona o efeito prático do projeto de lei, pois não há como excluir um bioma do Estado. “Não sei o que isso mudaria. Não está regulado, na questão de supressão vegetal, uma delimitação de uma região. Está em biomas. Tirar da Amazônia Legal não vai mudar os biomas”, comentou. 

Contudo, a Amazônia Legal é um conceito político. Foi uma iniciativa do governo brasileiro em 1953 para promover o desenvolvimento socioeconômico dos estados dessa região. Embora seja um conceito político, a área abrange cerca de 60% do território brasileiro, sendo estratégica para diversos setores econômicos do país. 

Atualmente, o conceito legal está instituído na Lei Federal 12.651 de 2012, interferindo nas exigências do quantitativo da área de reserva legal.

A Comissão de Meio Ambiente da OAB/MT informou à reportagem que  não recebeu nenhum convite oficial/formal ou demanda externa de entidades/instituições para debater amplamente o assunto com a sociedade mato-grossense, principalmente no aspecto da constitucionalidade do projeto de lei.

Projeto de lei requentado

Com viabilidade técnica ou não, o certo é que o projeto de lei de autoria do deputado Juarez Costa (MDB), apresentado em 22 de fevereiro de 2022, para a retirada de Mato Grosso da Amazônia Legal não é novo, mas assunto requentado.  



Em 2007, o falecido ex-senador Jonas Pinheiro apresentou projeto de lei no Senado Federal para excluir Mato Grosso da área da Amazônia Legal. Membro da bancada ruralista, ele defendeu na época que o único benefício que Mato Grosso tinha por fazer parte da Amazônia Legal eram os incentivos fiscais. Contudo, o projeto não prosperou na época. 

Quando suplente de deputado federal, Neri Geller (PP), em 2011 voltou com o tema e quis excluir apenas Lucas do Rio Verde, Sinop e Sorriso da Amazônia Legal, a proposta mais uma vez não foi adiante. 

O deputado federal Juarez Costa propos agora a retirada de todo Mato Grosso da Amazônia Legal. A diferença é que na época de Jonas, ainda não havia o Código Florestal de 2012. 

O relator da proposta, deputado federal Neri Geller, quer fazer um amplo debate com a sociedade, contudo, envolvido na própria pré-campanha ao Senado e em ano eleitoral, ele mesmo reconheceu que o tema deve ficar para a próxima legislatura no Congresso Nacional. 

“Acho que pode (ficar para próxima legislatura), mas esse relatório será feito com responsabilidade. Independente de estarmos em ano eleitoral, eu estou no exercício do mandado”, disse Geller durante audiência na Assembleia Legislativa, que inclusive também foi palco de bate-boca. 

O clima entre Neri e o deputado estadual Wilson Santos (PSD) esquentou. O parlamentar estadual chegou a alegar que progressista precisava tomar cuidado, alegando que dependendo do parecer poderia até acabar com sua carreira. "Ele (Neri) está mexendo com um tema extremamente complicado. O deputado Neri tem que tomar cuidado, porque se ele ofertar um parecer que possa ampliar o desmatamento na Amazônia, pode colocar um ponto final na sua carreira política. Eu fiz uma alerta a ele sobre isso", finalizou.

Wilson ainda alegou que o projeto se trata de uma maluquice e que o autor da proposta precisava de um atestado de sanidade mental. Porém, Juarez sequer apareceu na audiência. 

Aumento da área desmatada

As propriedades localizadas na Amazônia Legal tem os maiores percentuais obrigatórios de reserva legal do país, que é de 80%. Ou seja, o produtor pode utilizar 20% da terra. Em área de cerrado, 35% da propriedade deve ser preservada e em campos gerais, o produtor pode utilizar 80% da área e proteger 20%. 



Juarez Costa defende no projeto que Mato Grosso é o estado em que as propriedades rurais apresentam o maior déficit de reserva legal no país. Ele sustentou que estudo apontou que após o Código Florestal, 40% das propriedades estavam com áreas desmatadas acima do percentual legal.

"O custo econômico para recuperação das reservas legais, ou para compensação dessa imensa área seria muito grande, e injustificável para uma das regiões agrícolas mais importantes do país. Retirar o estado da Amazônia Legal reduziria essa exigência ao piso de 20%, poupando os produtores mato-grossenses das despesas necessárias à manutenção de até 80% de terras sem uso agropecuário", argumentou o deputado Juarez Costa na justificativa do projeto. 

Caso seja aprovado, a área de desmatamento pode aumentar muito mais, pois estaria dentro de uma nova legislação. 

Deputados estaduais são contra

Três dos cinco deputados estaduais da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) são abertamente contra o projeto de lei. São eles: Wilson Santos (PSD), Carlos Avallone (PSDB) e Alan Kardek (PDT). Max Russi (PSB) não comentou o assunto e apenas Gilberto Cattani (PL) é favorável. 



O presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, Eduardo Botelho, também se mostrou contrário a mudança na legislação. 

“Eu vejo como algo muito ruim a retirada de Mato Grosso da Amazônia Legal. Eu sou terminantemente contra essa decisão, é um patrimônio nosso, acho que é muito prejudicial para o povo, para o meio ambiente em todos os sentidos. Somos um estado que tem o privilégio de participar de dois biomas mais importantes do mundo: o Pantanal e a Amazônia. Querer tirar Mato Grosso disso é como querer tirar o Pantanal de Mato Grosso. Isso é um absurdo. O total repúdio da minha parte sobre essa posição!”, declarou. 

Em artigo, o procurador geral de Justiça, José Antônio Borges, considerou o projeto um tiro no pé. A delimitação da Amazônia Legal foi primordialmente pensada na época da criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), e replicada posteriormente no Código Florestal. Empreendimentos localizados nos Estados que compõem a Amazônia Legal recebem de 75% a 100% de dedução no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). 

"A retirada de Mato Grosso da Amazônia Legal também fecharia a porta para diversos tipos de empreendimentos buscarem financiamentos no BNDES Amazônia e no próprio Banco da Amazônia (Basa). E, mais preocupante ainda, o projeto de lei não traz um estudo de impacto econômico caso seja aprovado".

Impactos financeiros

Em Mato Grosso, 171 empresa que usufruem de incentivos fiscais da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e há cerca de 500 cadastradas para receber. 

De acordo com os dados da Federação das Indústrias de Mato Grosso (Fiemt), foi realizado recorte com 89 das 171 empresas. A maior parte delas é de grande porte, correspondendo 32,16%, de 101 e 500 funcionários, e empregam mais de 16 mil funcionários no Estado.



São empresas que faturam de R$ 30 a R$ 100 milhões, 59,65% tem a matriz em Mato Grosso e 85% delas são indústrias espalhadas por Cuiabá, Sorriso, Rondonópolis, Várzea Grande e Sinop.

Se por um lado, o Estado poderia abrir mais áreas de plantio, do outro perderia importantes incentivos industriais, além dos riscos da mudanças das empresas para outros estados da Amazônia Legal.

“Nós temos que discutir estratégias de desenvolvimento econômico pra região com inovação. Não adianta tentar repetir na Amazônia um modelo de desenvolvimento que foi feito no Cerrado, que foi feito no Sul e Sudeste do país. A Amazônia, a região amazônica, precisa de um modelo próprio de desenvolvimento com sustentabilidade”, argumentou o presidente da Fiemt, Gustavo Oliveira.

O Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), um coletivo que reúne diversas entidades, fez uma nota técnica posicionamento contrário ao projeto. Eles apontam asc implicações econômicas. 

"Os empreendimentos em operação em Mato Grosso perderão o acesso à redução do imposto de renda de pessoas jurídicas (IRPJ) e ao reinvestimento, concedidos pelo Governo Federal através da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). A redução fixa do IRPJ dá direito à redução de 75% do imposto sobre a renda e adicionais calculados com base no lucro da exploração”.

Além disso, no contexto dos recursos não reembolsáveis, o estado deixaria de acessar recursos relevantes à proteção e conservação dos recursos naturais. O Fundo Amazônia concentra mais de R$ 3 bilhõess e já investiu um total de R$ 124,6 milhões em projetos com o governo do estado, parte deles ainda em andamento.
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