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Notícias / Entrevista da Semana

30/07/2023 às 08:01

ENTREVISTA DA SEMANA

Para além de 'bandido matando bandido': especialista explica fatores que geram aumento da violência

Sociólogo aponta que Mato Grosso, nos últimos dois anos, vem apresentando um conjunto de assassinatos, e aponta a necessidade de ir além da questão da segurança, olhando para fatores sociais

Eloany Nascimento

Sorriso ganhou destaque nas últimas semanas com a divulgação da ocupação do 6º lugar no ranking das cidades mais perigosas do Brasil, da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A posição da cidade trouxe vários debates a cerca de políticas públicas necessárias para aumentar a segurança e reduzir a criminalidade.

Inclusive nessa semana, o governador Mauro Mendes avaliou que a cidade localizada no norte do estado está nessa situação por conta da disputa de território que tem travado uma guerra entre faccionados: "bandido matando bandido". O pronunciamento do governante foi reforçado em entrevistas coletivas com a imprensa e uma entrevista exclusiva para o programa Agora na Capital, no dia 25 de julho

Contudo, ao contrário do que o chefe de estado aponta como o problema, o sociólogo, fundador do Núcleo de Estudos da Violência e Cidadania da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e membro do do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Sociedade, Naldson Ramos da Costa, em entrevista ao Leiagora, analisou que o problema vai além, elencando fatores importantes que contribuem para o cenário. 

Confira a entrevista na íntegra abaixo:​

Leiagora - Vamos dar início a nossa entrevista falando sobre a taxa de mortes violentas em Mato Grosso divulgada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Foram 1.072 casos em 2022, um aumento de 20% em comparação com o ano anterior. Como o senhor avalia esse cenário?

Naldson Ramos da Costa - Mato Grosso, nesses dois últimos anos, vem representando um conjunto de assassinatos, mortes violentas por conta de fatores internos da própria sociedade e outros que acontecem de forma ocasional e está dentro de toda e qualquer sociedade. Em destaque por exemplo dois fatores, como as questões intersubjetivas, ou seja, violência em decorrência das relações intersubjetivas, o qual significa que as pessoas nas suas relações pessoais acabam muitas vezes se estranhando e cometendo violência que resulta em homicídio. O exemplo clássico disso, é por exemplo o caso do feminicídio que cresceu muito e cresce muito em Mato Grosso. 

Outro fator está relacionado às disputas que existem por território, nas grandes e médias cidades de Mato Grosso, não só na baixada cuiabana, mas no meio-norte, na região Sul, na região Oeste, são cidades que estão sendo ocupadas e disputadas para o tráfico e comércio de drogas. 

Eu citaria um terceiro fator, não só dois, mas três fatores. Bom, outro fator são os confrontos que ocorrem entre a polícia e pessoas que estão em situações que sustentam um confronto e acabam sendo assassinadas pela própria polícia. 

Esses três fatores, englobam e explicam o que vem acontecendo nesses últimos anos. Uma taxa crescente de violência intersubjetiva, uma taxa crescente também de violência por conta da disputa de território e, em terceiro lugar, a questão dos confrontos policiais. 

Leiagora - De quem é a responsabilidade para reduzir esses índices de violência e criminalidade?

Naldson Ramos 
da Costa - As questões intersubjetivas passam por causa de relações sociais, inclusive afetivas, relacionamento afetivo, amoroso, companheiro, companheira, noivo, noiva, namorado, esposo, esposa, então são questões culturais relacionadas com autoritarismo, machismo, xenofobia, enfim, um conjunto de questões que são relacionadas a questões intersubjetivas. 

E de quem é a responsabilidade disso? De toda a sociedade, como bater essa cultura machista, que resulta em feminicídio, que passa pela responsabilidade das escolas, dos órgãos relacionados à assistência social, do ciclo social, passa por políticas públicas, municipal, estadual e até mesmo federal no sentido de debater com a sociedade, fazer campanhas educativas para reduzir essa agressão.

Em segundo lugar, também é questão de que é preciso ainda mais ser mais mais célere na resposta quando há uma denuncia de uma violência praticada no interior de uma família ou de um núcleo familiar que muitas vezes a polícia faz o boletim de ocorrências, mas acaba não prendendo a pessoa, aplica incorretamente o que a lei determina e a pessoa acaba sendo assassinada depois de duas três tentativas. Então, o trabalho também deve ser feito pelos órgãos de segurança, de Justiça, e se agir prontamente na prevenção a esses tipos de violência. 

Com relação às outras modalidades, aos outros fatores que estão relacionados com o aumento da criminalidade, a irresponsabilidade dos órgãos públicos, principalmente das forças de segurança, mas também de todos os sistemas de justiça criminal. Na medida em que há impunidade, na medida em que grandes, facções, como por exemplo o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC) continuam dominando o território, e tudo isso também é responsabilidade das forças de segurança e das políticas públicas de modo geral. 

Já em relação à questão da violência em confrontos policiais é necessário que a gente adote câmeras de segurança no uniforme em todas as forças policiais, incluindo a de Mato Grosso, pois isso pode inibir confrontos forjados, e algumas vezes de forma violenta e resultando naquilo que acaba sendo um massacre ou assassinato desnecessário.

Leiagora - Outro dado muito preocupante que tomou destaque na última semana é a posição de Sorriso em 6° lugar no ranking de cidades mais violentas do Brasil. Muito se fala sobre o aumento na taxa de criminalidade na cidade, sobre a divisão dos grupos de criminosos que vem travando uma guerra entre facções, o senhor acredita que essa posição tenha sido conquistada por conta dessa rivalidade?  

Naldson Ramos 
da Costa - A relação com o Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) que flexibilizou a compra de armas, a corrida muito grande nesses últimos três, quatro anos avançou por conta da política pública que aceitou isso em primeiro lugar. A pessoa adquirir até 15 armas, eu fico imaginando  como é que se mantém o controle de tudo isso. Inclusive essas armas circulam, muitas vezes são subtraídas, roubadas, ou muitas vezes caindo na mão de grupos criminosos, seja eles relacionados à facção ou até pessoas que não são faccionadas, mas que cometem assaltos, feminicídio ou até mesmo pessoas consideradas cidadãos de ‘bem’ servem para cometer crimes dentro da própria família, em residências, ou até mesmo na rua como no trânsito, em uma saída noturna regada à bebida alcoólica e as pessoas se espantam por um motivo e acabam assassinando o outro.

Assim como também aquele usuário que frequentemente não paga ou fica devendo muito para a ‘boca’ de fumo e acaba sendo assassinado também. Mas acho que não se trata só da facção, é um conjunto de fatores que eu citei para você. 

Leiagora - Qual o motivo das facções estarem disputando o território de Sorriso e as adjacências? Por que há um grande mercado consumidor de drogas?

Naldson Ramos
da Costa - O crime organizado vai onde tem dinheiro, onde tem circulação de pessoas. Por exemplo, Sorriso, Lucas do Rio Verde, Sinop e outras cidades do Médio-Norte passaram a ter um protagonismo econômico muito grande e um aumento de população muito grande também.

Por outro lado, você tem uma população tanto de classe média que consome drogas, quanto da camada popular que consome os entorpecentes mais populares. Então, a lógica do comércio de drogas, é a mesma do capitalismo, ou seja, onde tem mercado consumidor, eu vou oferecer.

E segundo lugar essas cidades são rotas do tráfico também. Elas são importantes mecanismos de distribuição da droga na região Sul e aí já vai ficando uma parte da droga que passa por outras cidades, passa pela fronteira com a Bolívia. Portanto, são três lógicas: a rota comercial, a questão econômica e a população consumidora.

Leiagora - Quando esses dados foram divulgados na semana passada , em entrevista coletiva o governador Mauro Mendes minimizou a situação e alegou que essa taxa está relacionada a “bandido matando bandido” e que MT toma medidas todos os dias, mas que enquanto não houver mudanças o estado vai continuar “enxugando o gelo”. Acredita que essas medidas de repreensão (mais armamentos, policiais, entre outros) é o suficiente? O Estado poderia fazer mais? Como que o senhor avalia esse posicionamento?

Naldson Ramos da Costa - Essa política não é suficiente, nunca foi e nunca será suficiente. Essa ideia de que ter mais polícia, armas, viaturas e helicóptero é a soma do mais do mesmo. Você está somando e adicionando mais de um remédio que já não faz efeito. É como você aumentar a dose do antibiótico porque um não fez efeito rápido, ou seja, ele tem o ciclo dele.

Então, acho que a fala do governador é a fala de uma autoridade que, de certa forma, quer jogar em terceiros a responsabilidade daquilo que é também a responsabilidade dele.

E aquele caso de Sorriso que um empresário matou outro empresário por conta de disputa de trânsito? E aqueles casos em que as pessoas saem de locais de festa e acabam se matando? E aqueles casos em que há vingança por conta de dívida ou por conta de questões pessoais também?

Isso não tem a ver com bandido, matando bandido. É muito comum jogar nas costas só dos bandidos. A violência ocorre em todas as redes de sociabilidade.

A responsabilidade dele é também mudar essa política, inverter essa lógica, e investir em prevenção. A prevenção se faz com educação, se faz com saúde, se faz com emprego em gênero, se faz em moradia, se faz com políticas de prevenção social. Não é só com política de segurança social que você reduz violência. Quem pensa assim é profundamente equivocado.

Leiagora - Como entender a permanência da violência nas cidades e no estado?

Naldson Ramos da Costa - Primeiro lugar toda e qualquer cidade ela tem dentro de si comportamentos resilientes, isso é normal. Dentro de uma taxa de homicídios que não ultrapasse muito acima de dois dígitos, como 15, 20, 30, 40, 50 ou 70 como é o caso de Sorriso, isso aí realmente preocupa muito e jogar na costa do crime organizado 70 homicídios por 100 mil habitantes é realmente querer esconder outros fatores que estão por trás dessa violência. 

A violência ela ocorre principalmente nos crimes mais graves, que são os homicídios, ocorrem por questões intersubjetivas, por questões relacionadas ao álcool, festa, e as pessoas às vezes nem se conhecem. Só pelo esbarrar uma mata a outra. As mortes ocorrem por conta da questão do trânsito, disputa de território de trânsito, e qualquer coisinha você se sente irritado com aquilo, e tendo uma arma na mão, a primeira coisa que se tiver na memória é a possibilidade de utilizar essa arma, e acaba utilizando mesmo. Essa violência é por questões sociais que já mencionei.

Leiagora - Para finalizar nossa entrevista, qual é o papel da sociedade civil para mudar essa realidade? 

Naldson Ramos da Costa - A sociedade civil caberia um papel importante de discutir e debater a responsabilidade sobre a violência e essa criminalidade como, por exemplo em Sorriso, porque se a gente jogar nas costas do crime organizado tudo que vem acontecendo em Mato Grosso é querer desviar de outros fatores. 

À sociedade civil cabe cobrar de todos aqueles que têm responsabilidade sobre isso, como prefeito, governador, vereadores, deputados e governo federal, cobrar políticas públicas no sentido amplo, que não seja única e exclusivamente relacionado à segurança pública, para poder diminuir o índice de violência e criminalidade.

Cabe a sociedade civil debater e discutir com toda essas autoridades saídas para esse problema, porque aqueles que pensam que não precisam da sociedade civil para elaborar políticas públicas tem uma visão autoritária da política e não leva em consideração a importância para denúncias que são feitas, seja pelos meios de comunicação, seja pelos movimentos sociais. Então, a participação popular é importante, a mobilização popular é importante, no sentido de reivindicar ações concretas e diferenciadas das autoridades responsáveis.

 
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1 comentário

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  • Junior 03/08/2023 às 00:00

    Não vi nenhuma palavra sobre a legislação branda. Polícia prende hoje, amanhã está solto, continuando a cometer ilícitos e ainda, rindo da nossa cara.

 
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