Cassação de Edna movimentou o Legislativo e acirrou os ânimos na Câmara de Cuiabá em 2023
Paulo Henrique Fanaia
O ano de 2023 foi politicamente conturbado na Câmara de Vereadores de Cuiabá. A Casa de Leis enfrentou um de seus momentos mais polêmicos: a cassação e retorno da vereadora Edna Sampaio (PT). Entre acusações de apropriação indébita de verba indenizatória, passando por suspensão de procedimento administrativo e palavras de baixo calão, a cassação da petista deu o que falar em todo o estado.
Tudo começou em março quando veio à público a demissão de uma ex-chefe de gabinete da vereadora. Acontece que a funcionária estava grávida e isso gerou preocupação em relação ao valor da indenização que a Câmara precisou reembolsar. Ao todo, foram pagos R$ 70.075,26, valor referente à estabilidade durante o período de gravidez e de licença maternidade, e mais R$ 2.335,83 de verbas rescisórias.
Um tempo depois, a vereadora virou alvo de investigação do Ministério Público Estadual (MPE) que ligavam a petista a um esquema conhecido como "rachadinha" - quando um político exige que seus servidores repassem a ele parte do salário ou verbas recebidas. Dentre as provas estariam prints, áudios e até mesmo comprovantes bancários de que a ex-chefe de gabinete da parlamentar transferiu cerca de R$ 20 mil em devolução da verba indenizatória. A funcionária recebia R$ 5 mil de VI, conforme regulamentado pela Câmara.
Mesmo com a vereadora alegando que isso era normal, pois em seu gabinete era aplicada a ideia de mandato coletivo, os vereadores Luis Claudio (PP), Dilemário Alencar (Podemos) e Eleus Amorim (Cidadania) apresentaram representações na Comissão de Ética contra a parlamentar.
Dias depois, a técnica em nutrição Laura Abreu, ex-chefe de gabinete de Edna, se posicionou pessoalmente pela primeira vez e afirmou que foi demitida grávida e que era obrigada a transferir os valores recebidos de VI para uma conta da vereadora e ainda disse que quem era o responsável pela cobrança era o marido de Edna, o servidor público William Sampaio.
Com a Comissão de Ética formada para investigar a vereadora, começaram a ser realizadas as oitivas. Foram momentos tensos em que Laura Natasha, William Sampaio, Neusa Batista e até mesmo a própria Edna prestaram depoimento. O único que não compareceu na oitiva foi o jornalista Romilson Dourado, responsável por divulgar os prints que comprovavam que William exigia que Laura fizesse a transferência dos valores.
Neste meio tempo, a vereadora foi afastada da Comissão da Mulher da Casa. As vereadoras que compõem a comissão, Michelly Alencar (União) e Maysa Leão (Republicanos) afirmavam que o fato da petista ter demitido uma servidora grávida e ainda ter se apropriado indevidamente das verbas indenizatórias não condiziam com o que era esperado de uma defensora do movimento feminino.
Em julho veio o recesso parlamentar, momento em que a defesa de Edna ganhou mais um prazo para apresentar as alegações finais, mas era aí que toda a polêmica começava de verdade. Logo que o recesso paramentar terminou, o relator do processo de cassação, o vereador Kássio Coelho (PRD) entendeu pela cassação da parlamentar.
No outro dia, a defesa de Edna conseguiu na Justiça a suspensão do processo. Uma decisão liminar em um Mandado de Segurança determinou que a comissão de ética realizasse a oitiva de quatro testemunhas arroladas pela parlamentar.
Em setembro, o juiz Agamenon Alcântara, da Terceira Vara de Fazenda Pública de Cuiabá, revogou a decisão liminar que suspendeu o processo disciplinar contra a vereadora e determinou que a Comissão realizasse a oitiva de quatro testemunhas. No mesmo mês, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso converteu a Notícia de Fato em Inquérito Civil para apurar com mais profundidade a denúncia de que a vereadora estaria envolvida no esquema de “Rachadinha”.
Das quatro testemunhas arroladas por Edna, apenas uma foi ouvida pela Comissão de Ética. Isso porque, a vereadora não arrolou de forma adequada as outras três. Essa testemunha não foi suficiente para livrar a vereadora de mais um relatório favorável pela sua cassação.
Uma divergência na interpretação sobre a suspensão ou não do prazo do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que resultou na cassação da vereadora durante o período de recesso parlamentar, foi o que levou o juiz Agamenon a acolher o recurso de defesa. Na decisão, o magistrado citou trechos do Decreto-Lei nº 201/1967, que estabelece que o processo de cassação de um parlamentar deve ser concluído dentro de 90 dias. Ele transcreveu também trecho do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Cuiabá, que estipula no parágrafo primeiro do artigo 16 que os processos instaurados pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, que concluírem pela perda de mandato, não poderão exceder o prazo de 90 dias para sua deliberação em Plenário.
Edna voltou oficialmente ao cargo de vereadora no dia 6 de dezembro, porém essa volta ainda não é definitiva, afinal a Procuradoria-geral da Câmara protocolou um recurso de apelação contra a decisão do juiz Agamenon. O recurso argumenta que a decisão foi além do que foi pedido na peça inicial e que foram cumpridos os prazos da Código de Ética e do Regimento Interno da Câmara.
Ainda em dezembro, Edna entrou em mais uma polêmica quando foi anunciado que ela podia vir a acumular três salários e receber mais de R$ 90 mil mensais a partir daquele mês. Isso porque, a petista está gozando férias acumuladas e licenças-prêmio dos cargos efetivos que ocupa no governo estadual, e solicitou à Secretaria de Gestão de Pessoal da Câmara de Cuiabá, que estabeleça o seu salário de vereadora, argumentando haver compatibilidade de horário para exercer ambas as funções. A Procuradoria da Casa negou o pedido alegando que a parlamentar não apresentou os documentos necessários para garantir o pagamento.
O argumento da Câmara foi de que a autorização para o retorno de Edna se deu com base em provas que não eram existentes no momento da petição inicial e que a vereadora teria induzido a justiça a erro. De acordo com a peça recursal, a decisão do juiz da Terceira Vara Especializada de Fazenda Pública, Agamenon Alcântara Moreno Júnior, foi exarada em caráter “extra petita”, ou seja, quando o juiz decide algo que não foi pedido na peça inicial, o que é proibido pelo Código de Processo Civil.
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